CICLO
Por Uma Canção


Não é um programa musical, não é um programa cantado, é um ciclo de filmes à volta de canções. Melhor dizendo: filmes por momentos habitados por uma canção em acordo inesperado são reunidos num programa de ideia ligeira. É um movimento zoom de aproximação a filmes com o foco nesses momentos de reverberação. Escreveu-se há meses, anunciando esta iniciativa de verão: em certos filmes, certas canções irrompem e suspendem, impregnando, a ação, a atmosfera, o movimento das coisas. Uns e outros tornam-se, por vezes, ligações diretas, associando toadas conhecidas em momentos particulares – a regra deste jogo – ou, em nome das exceções, impondo-se como motivo, rastilho, lastro, muitas vezes in, muitas vezes off. You must remember this.
Só não lembra quem não viu, o elemento aquático no político PALOMBELLA ROSSA (Nanni Moretti) magnetizado pelo I’m on Fire de Bruce Springsteen; a melancolia enfeitiçada de STRANGER THAN PARADISE (Jim Jarmusch) ao som de I Put a Spell on You de Screamin' Jay Hawkins; a cena de café roubada pela figurante-jovem estrela Marianne Faithful abstraída à capela, As Tears Goes By de Mick Jagger e Keith Richards em MADE IN U.S.A. (Jean-Luc Godard); o desamparo do protagonista de IKIRU (Akira Kurosawa) quando a memória lhe traz uma balada da infância japonesa, Gondola no uta; o ritmo crioulo dos Tubarões quando CAVALO DINHEIRO (Pedro Costa) o convoca sobre uma sequência de imagens por sua vez lembrando a sequência inicial de fotografias de Jacob Riis. Labanta braço, se bô grita bô liberdade.
Ou o One from the Heart de Tom Waits no de Francis Ford Coppola e o Like Someone in Love por Ella Fitzgerald no de Kiarostami; o Che Sera, Sera por Doris Day no segundo THE MAN WHO KNEW TOO MUCH de Hitchcock; BREAKFAST AT TIFFANY’S, Audrey Hepburn e Moon River; Mrs. Robinson de Simon & Garfunkel em THE GRADUATE de Mike Nichols; Sabor a Mí, o bolero “de” Fernando Lopes no seu FIO DO HORIZONTE; Par les vallées et les colines (Kapsa) n´O ÚLTIMO MERGULHO de João César Monteiro; Ball & Chain de Janis Joplin n’A CONQUISTA DE FARO de Rita Azevedo Gomes; Lead Belly trazido por Billy Woodberry (Red Bird/THE POCKETBOOK); Nick Cave e os The Bad Seed na Berlim dos anjos de Wenders (From Her to Eternity/DER HIMMEL ÜBER BERLIN); uma festa com estridência James Brown filmada por Chantal Akerman (It’s a Man’s Man’s Man’s World/PORTRAIT D’UNE JEUNE FILLE DE LA FIN DES ANNÉES 60 À BRUXELLES); a energia de You Never Can Tell de Chuck Berry eletrizada em PULP FICTION de Tarantino; o arrepio de Llorando em MULHOLLAND DRIVE de Lynch; o estremecimento de Nico num ralenti de Wes Anderson (These Days/THE ROYAL TENENBAUMS); Be My Baby das The Ronettes no TABU de Miguel Gomes; Speak Low de Kurt Weil por Nina Hoss em PHOENIX de Christian Petzold; A Canção do Engate de António Variações em epílogo do ORNITÓLOGO de João Pedro Rodrigues. Ou, ou, ou. Hey, hey, hey.
Das exceções, o tema do assobio que em M de Fritz Lang (1933) sinaliza a personagem de Peter Lorre, ainda que o principiante cinema sonoro fosse sobretudo visto como cinema falado; os temas de CASABLANCA e THE WIZARD OF OZ, porventura as duas mais célebres canções de sempre do cinema clássico: escrita em 1931 para um musical da Broadway, As Time Goes By tornar-se-ia “universal” na interpretação de Dooley Wilson, o pianista Sam do Rick’s Café de Bogart; Over the Rainbow foi uma composição original para a voz de Judy Garland e não mais a largou. Someday I’ll wish upon a star.
É claro, é mais do que possível, provável, que um espectador não encontre aqui a sua correspondência filme/canção. Um exemplo? A entrada e saída de cena dos Beatles via telefonia em WAVELENGTH de Michael Snow (1967). Strawberry Fields forever.
Pensado para finais de tarde na sala escura e noites de projeção ao ar livre na Esplanada 39 Degraus, pela primeira vez aberta à Lisboa de agosto, o programa é anunciado nos termos possíveis à altura do fecho: vigorando a essa data os constrangimentos impostos pela situação pandémica os horários poderão sofrer alterações; do mesmo modo, se vier a ser possível desconfinar os horários noturnos, as sessões aí programadas poderão sair da sala para a Esplanada. Eventuais alterações serão divulgadas nos canais habituais; a atualização da informação estará disponível em www.cinemateca.pt.
 
 
09/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Por Uma Canção

Phoenix
Phoenix
de Christian Petzold
Alemanha, 2014 - 100 min
 
09/08/2021, 21h30 | Esplanada
Ciclo Por Uma Canção

The Man Who Knew Too Much
O Homem que Sabia Demais
de Alfred Hitchcock
Estados Unidos, 1956 - 120 min
10/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Por Uma Canção

The Graduate
A Primeira Noite
de Mike Nichols
Estados Unidos, 1967 - 106 min
10/08/2021, 21h30 | Esplanada
Ciclo Por Uma Canção

Casablanca
Casablanca
de Michael Curtiz
Estados Unidos, 1943 - 102 min
11/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Por Uma Canção

The Royal Tenenbaums
Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial
de Wes Anderson
Estados Unidos, 2001 - 110 min
09/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Por Uma Canção
Phoenix
Phoenix
de Christian Petzold
com Nina Hoss, Ronald Zehrfeld, Nina Kunzendorf, Michael Maertens, Imogen Kogge
Alemanha, 2014 - 100 min
legendado em português | M/12
Num dos seus trabalhos com Nina Hoss, Christian Petzold parte de um argumento coescrito com Harun Farocki baseado em Le retour des cendres de Hubert Monteilhet (1961) e constrói PHOENIX como um drama do imediato pós-guerra nas ruínas da Berlim de 1945, fazendo-o girar com volteios cinéfilos, noir, hitchcockianos à roda da personagem de uma mulher “que vive duas vezes”. Nelly (a personagem de Nina), antiga cantora de cabaret, sobrevive desfigurada a um campo de concentração sendo submetida a uma cirurgia que lhe devolve um rosto e lhe permite procurar o marido que pode tê-la traído junto dos nazis. Quando o encontra no setor americano de Berlim e ele, sem a reconhecer, lhe pede que interprete o papel de sua mulher o filme adensa a sua vertigem de reflexos e fantasmas. É esta vertigem que estilhaça ao som de Speak Low de Kurt Weil (na versão do compositor), cantada por Hoss num intenso desfecho. Primeira apresentação na Cinemateca.
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09/08/2021, 21h30 | Esplanada
Por Uma Canção
The Man Who Knew Too Much
O Homem que Sabia Demais
de Alfred Hitchcock
com James Stewart, Doris Day, Daniel Gélin, Brenda de Banzie, Christopher Olsen
Estados Unidos, 1956 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Duas décadas volvidas sobre uma homónima versão britânica (1934), o “segundo” THE MAN WHO KNEW TOO MUCH de Hitchcock é uma obra-prima do suspense e do humor, com diferenças narrativas e de estilo. Um pacato casal de americanos vê-se envolvido numa história de espionagem aquando das suas férias em Marrocos (James Stewart e Doris Day) e é envolvido numa intriga política, que visa o assassinato do primeiro-ministro de um país não identificado (mas, evidentemente, da “Cortina de Ferro”) durante uma visita oficial a Londres. O esplendor visual e uma brilhante mise-en-scène caracterizam este filme de maturidade, que culmina na famosa sequência do atentado, durante um concerto no Royal Albert Hall. De maneira não menos célebre, Doris Day canta duas vezes Che Sera, Sera (Whatever Will Be, Will Be, Jay Livingston e Ray Evans, 1955), a primeira numa amorosa cena maternal, a segunda em desespero para resgatar o filho ameaçado. A apresentar em cópia digital.
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10/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Por Uma Canção
The Graduate
A Primeira Noite
de Mike Nichols
com Dustin Hoffman, Anne Bancroft, Katharine Ross
Estados Unidos, 1967 - 106 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Segundo filme de Mike Nichols (o seu mais recordado) e a obra que lançou Dustin Hoffman. THE GRADUATE, uma história de “coming of age” da geração de “baby boomers”, tornou-se num dos filmes mais populares de todos os tempos, assim como um dos tiros de partida, com BONNIE AND CLYDE, da Nova Hollywood, e de uma nova estética nos estúdios norte-americanos. Dustin Hoffman faz o papel de um jovem adulto recém-licenciado que, ao passar os dias em casa dos pais (por não saber o que fazer à vida), acaba envolvido com uma jovem rapariga (Katharine Ross) e, simultaneamente, com a sua mãe (Anne Bancroft, no papel da famosíssima Mrs. Robinson). Imagem da sociedade americana sua contemporânea, THE GRADUATE confunde-se com os planos-redoma subaquáticos de Hoffman, de fato de mergulhador na piscina, e com a canção de Paul Simon pelos Simon & Garfunkel, Mrs. Robinson. “And here’s to you...” A apresentar em cópia digital.
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10/08/2021, 21h30 | Esplanada
Por Uma Canção
Casablanca
Casablanca
de Michael Curtiz
com Humphrey Bogart, Ingrid Bergman, Claude Rains, Paul Henreid, Peter Lorre, Sidney Greenstreet
Estados Unidos, 1943 - 102 min
legendado eletronicamente em português | M/12
CASABLANCA é um dos mais famosos filmes de sempre, o que deu a Ingrid Bergman Humphrey Bogart por par e a todos a ideia de “para sempre, Paris”. São eles o casal que um dia por lá se perdeu no começo da Segunda Guerra Mundial e se reencontra fugazmente em Casablanca, a encruzilhada dos que procuram alcançar a liberdade. “Se Casablanca já é um prodígio de concisão e de timing durante o primeiro quarto de hora (em que somos apresentados a todos quantos não arriscam muito a pele ou a arriscam mas não mexem na nossa), o filme só ‘pega fogo’ quando Ingrid Bergman entra no Rick’s Bar e Sam para de tocar e olha para ela. Nunca o olhar de Ingrid foi tão desarmado, tão quente, tão húmido como quando pediu que ele tocasse (não ‘again’ mas simplesmente tocasse) o As Time Goes By. Nunca o olhar de Bogart foi tão cerrado, tão frio, tão seco, como quando, ouvindo a música e não vendo Ingrid, disse: ‘Sam, I thought I told you never to play...’” (João Bénard da Costa)
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11/08/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Por Uma Canção
The Royal Tenenbaums
Os Tenenbaums – Uma Comédia Genial
de Wes Anderson
com Anjelica Huston, Gene Hackman, Ben Stiller, Owen Wilson, Luke Wilson, Gwyneth Paltrow, Bill Murray, Alec Baldwin
Estados Unidos, 2001 - 110 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Do início do século XXI, a terceira longa-metragem de Wes Anderson e, até ver, sua única incursão nova-iorquina, THE ROYAL TENENBAUMBS surgiu no rasto de THE BOTTLE ROCKET e RUSHMORE (1996/98), como aqueles coescrito por Anderson e Owen Wilson, no caso assumindo uma estrutura narrativa em capítulos guiada pela voz off de Alec Baldwin. O retrato cómico-magoado de uma família disfuncional e das histórias individuais de sobrevivência dos seus vários membros, junta, dentro de si, um mundo de referências musicais, literárias e cinematográficas. Há várias canções conhecidas na banda sonora, mas um momento-cápsula de exceção: a sequência coreografada ao som de These Days na voz de Nico para a personagem de Margot Tenenbaum (Gwyneth Paltrow). A apresentar em cópia digital.

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