CICLO
Carta Branca a Augusto M. Seabra


Crítico de cinema e música com intervenção em variadíssimas outras áreas, Augusto M. Seabra deixou marca indelével no espaço da crítica das artes em Portugal ao longo do último meio século. No momento em que circunstâncias da vida pessoal o obrigam a mudanças na sua regular atividade, e em que, pelo mesmo contexto, doa o seu importante acervo documental a instituições públicas que doravante o albergarão e disponibilizarão (sendo a Cinemateca donatária da componente de cinema), é altura de lhe prestar um justíssimo tributo, convidando-o a programar a Carta Branca que agora se apresenta.
Se foi pela música que a atividade crítica de Seabra principiou, escrevendo sobre o tema a partir de 1977 no jornal “A Luta”, e se nunca deixou de fazê-lo com regularidade em todas as publicações em que depois trabalhou (dando sempre um foco particular a áreas como a Música Contemporânea, o Barroco e a Ópera), a sua escrita sobre cinema acabou por ter igual ou, porventura, ainda maior alcance. Neste outro domínio, começou por escrever profissionalmente já no jornal “Expresso” (estreando-se com um texto sobre PROVIDENCE, de Alain Resnais), cuja equipa de críticos de cinema integrou ao longo dos anos 80. No final dessa década, integrou o grupo de fundadores do jornal “Público”, órgão a que se mantém desde então ligado e onde há mais de trinta anos publica regularmente as suas reflexões. Como crítico de cinema, foi sempre alguém interessado em conciliar a atenção à vertente popular desta arte, o legado das épocas clássicas (em 1982, por exemplo, chamou ao E.T. de Steven Spielberg, em texto no “Expresso” aquando da estreia mundial do filme em Cannes, “O Filme do Nosso Deslumbramento”) com a descoberta e defesa das cinematografias ditas “periféricas”, fora do eixo Europa/América. Em Portugal, foi assim um dos críticos mais ativos na divulgação dos cinemas das várias regiões da Ásia, incluindo China continental, Japão, Hong Kong, Taiwan, Filipinas ou Índia, e mais tarde também do Irão (tendo sido, certamente, dos primeiros a chamar a atenção para Abbas Kiarostami). A atividade de crítico levou-o à função de jurado em diversos festivais internacionais de cinema, sendo aqui de destacar a sua presença no festival de Cannes de 1993, num júri presidido por Louis Malle (e que integrava ainda Abbas Kiarostami e, outro cineasta muito acarinhado por Seabra, Emir Kusturica) que atribuiu a Palma de Ouro a THE PIANO de Jane Campion.
A tudo isto juntou-se então a atividade de programador, que encarou como um prolongamento do trabalho na crítica. A título de exemplo, foi ele o responsável pela programação de cinema de um acontecimento importante no panorama cultural da Lisboa de meados dos 90, uma espécie de festival multidisciplinar que levou o título genérico de “Mistérios de Lisboa” (a partir de Camilo e muito antes da adaptação de Raul Ruiz), que, nesta vertente, foi apresentada no Monumental. Mais recentemente, foi durante vários anos programador do DocLisboa, onde animou a secção “Riscos”, destinada a interrogar, de forma sempre estimulante, várias franjas da produção mundial na órbita do “cinema do real”, entre a pura experimentação formal e a exploração, por exemplo, de registos diarísticos e autobiográficos.
E foi ainda de algum modo num prolongamento do trabalho crítico que Augusto Seabra se envolveu em diversas atividades de produção e na colaboração em espetáculos (de que foram exemplo funções exercidas no Departamento de Programas Musicais da RTP), ou passou mesmo à área da realização, sendo de dar aqui natural destaque ao documento fundamental MANOEL DE OLIVEIRA – 50 ANOS DE CARREIRA que coassinou com José Nacimento em 1981 (produção RTP, no âmbito do Programa Ensaio).
Last but not the least, impõe-se lembrar que, enquanto crítico, Augusto Seabra foi para além do horizonte mais habitual desta prática. Com frequência, os seus textos ultrapassaram em muito o domínio estrito da análise de obras ou espetáculos, transformando-se em reflexões continuadas sobre o papel das instituições e da política cultural no nosso país. A esse outro nível, a sua intervenção foi mais uma vez feita de conhecimento, memória, ponto de vista, e, o que não é nada despiciendo, raro espírito de independência, nunca poupando a priori quaisquer entidades, grupos ou instituições - disso não se excluindo esta casa, que, repete-se, com toda a justiça o homenageia.
Espelho da abrangência e do conhecimento do autor, o programa teve um único pressuposto de base, para além da liberdade intrínseca de qualquer Carta Branca: por comum acordo estabelecido desde o início, ficaram de fora títulos óbvios numa qualquer lista representativa das escolhas do autor que, pela sua maior proximidade ao cânone mais consolidado do cinema mundial, têm sido intensa e regularmente exibidos na Cinemateca. Em vinte e uma obras apresentadas, sete terão a sua primeira projeção nestas salas e três só aqui foram projetadas uma única vez. Além da abrangência geográfica e da diversidade de registos, este é portanto mais um grande desafio à descoberta. 
 
 
18/06/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carta Branca a Augusto M. Seabra

Una Donna Libera
de Vittorio Cottafavi
Itália, França, 1954 - 93 min
 
21/06/2021, 19h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carta Branca a Augusto M. Seabra

The Ister
de David Barison, Daniel Ross
Austrália, 2004 - 189 min
25/06/2021, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carta Branca a Augusto M. Seabra

Bayan Ko: Kapit Sa Patalin
“Meu País: No fio da Lãmina”
de Lino Brocka
Filipinas, 1984 - 110 min
25/06/2021, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carta Branca a Augusto M. Seabra

Pyaasa
“Sedento”
de Guru Dutt
Índia, 1957 - 142 min
28/06/2021, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Carta Branca a Augusto M. Seabra

Meghe Dhaka Tara
“Estrela Escondida”
de Ritwik Ghatak
Índia, 1960 - 126 min
18/06/2021, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carta Branca a Augusto M. Seabra
Una Donna Libera
de Vittorio Cottafavi
com Françoise Christophe, Pierre Cressoy, Christine Carère, Elisa Cegani, Gino Cervi
Itália, França, 1954 - 93 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Gérard abandona Danièle, que casa com outro homem e o deixa, para procurar de novo Gérard. Quando a sua mãe morre, Danièle apercebe-se de que a sua jovem irmã foi seduzida por Gérard. Decide então poupar a irmã aos erros por si próprios cometidos, acabando com a vida de Gérard. Tais são as linhas com que Cottafavi cose este drama de 1954, a partir de um romance de Milena Sandor. Na Cinemateca foi mostrado uma única vez, em 2008.

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21/06/2021, 19h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Carta Branca a Augusto M. Seabra
The Ister
de David Barison, Daniel Ross
com Philippe Lacoue-Labarthe, Jean-Luc Nancy, Bernard Stiegler, Hans-Jürgen Syberberg
Austrália, 2004 - 189 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Dois estudantes de filosofia filmam uma viagem, realizada ao longo do rio Danúbio, com o intuito de aprofundar – questionando para criticar e atualizar – o pensamento de Martin Heidegger, que jurou fidelidade ao Nacional Socialismo em 1933. Na base está uma palestra dada pelo autor de O Ser e o Tempo, em 1942, sobre o poeta Friedrich Hölderlin, conferindo especial atenção ao seu poema O Istro. Trata-se de uma descida ao coração ferido da Europa e ao pensamento filosófico contemporâneo, destacando-se, entre a elite pensante, o cineasta alemão Hans-Jürgen Syberberg, autor do monumental “HITLER – UM FILME DA ALEMANHA”. Primeira apresentação na Cinemateca.

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25/06/2021, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Carta Branca a Augusto M. Seabra
Bayan Ko: Kapit Sa Patalin
“Meu País: No fio da Lãmina”
de Lino Brocka
com Phillip Salvador, Gina Alajar, Venchito Galvez
Filipinas, 1984 - 110 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Augusto M. Seabra
Realizador politicamente engajado, firme opositor do governo de Ferdinand Marcos, Lino Brocka viu o seu passaporte ser confiscado e o seu filme censurado depois de regressar do Festival de Cannes, onde apresentou BAYAN KO e se insurgiu publicamente contra o regime então em vigor nas Filipinas. A história centra-se num trabalhador que, para garantir um futuro a si e à mulher grávida, aceita abdicar de alguns dos seus direitos, vendo, posteriormente, a vida virada do avesso. O problema do protagonista, como sublinhou Brocka revendo-se na via crucis da sua personagem, foi ter seguido um interesse estritamente individual, sem se aperceber do problema maior que afligia a sociedade filipina como um todo. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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25/06/2021, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carta Branca a Augusto M. Seabra
Pyaasa
“Sedento”
de Guru Dutt
com Guru Dutt, Mala Sinha, Johnny Walker
Índia, 1957 - 142 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Augusto M. Seabra
A par de Ritwik Ghatak, Guru Dutt foi uma das maiores revelações da Cinemateca, pouco depois da sua redescoberta no Ocidente, corria o ano de 1986. Foi essa a data de um primeiro grande Ciclo de Cinema Indiano, a que a Cinemateca regressaria em 1998, quando publicou o catálogo Cinemas da Índia. Obra-prima de Guru Dutt, PYAASA foi também o seu maior êxito de público. A história centra-se na vida de um poeta explorado por um editor sem escrúpulos e ajudado por uma prostituta apaixonada por ele e pela sua poesia. A personagem de Vijay é interpretada pelo próprio Guru Dutt. A música é de S.D. Burman, e conta ainda com as participações de Sahir Ludhianvi, Geeta Dutt e Mohammed Rafi. Um dos mais líricos melodramas musicais do cinema clássico indiano. A apresentar em cópia digital.

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28/06/2021, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Carta Branca a Augusto M. Seabra
Meghe Dhaka Tara
“Estrela Escondida”
de Ritwik Ghatak
com Supriya Choudhury, Anil, Chaterjee, Gyanesh Mukherjee
Índia, 1960 - 126 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Sessão apresentada por Augusto M. Seabra
Ritwik Ghatak (1925-76) é um dos mais célebres cineastas do Bengala, a mesma região da Índia de onde é originário Satyajit Ray, de quem quase tudo o separa. MEGHE DHAKA TARA foi o filme que consagrou definitivamente o seu nome fora do seu país natal. A trama narrativa é melodramática, coisa que Ghatak sempre defendeu, apesar do seu empenhamento político: “um verdadeiro cinema nacional emergirá do melodrama, quando artistas sérios lhe dedicarem a sua inteligência”, declararia ele em 1963. Como é evidente, a realização nada tem de tradicional e, segundo a observação de Joel Magny, o filme é “uma estranha tentativa, totalmente suicidária, de levar o cinema ao seu limite”. Uma obra excecional. A apresentar em cópia digital.

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