CICLO
Tutto Fellini!


“Fazer um filme é como fazer uma viagem, mas da viagem o que me interessa é a partida, não a chegada. O meu sonho é fazer uma viagem sem saber para onde ir, talvez sem chegar a parte alguma, mas é difícil convencer bancos e produtores a aceitar esta ideia.” (Federico Fellini)
Federico Fellini (1920-1993) foi durante algum tempo uma figura à parte no mundo do cinema, pois o seu prestígio ultrapassava em muito o de um simples cineasta. A partir de inícios dos anos 60, quando o cinema fazia parte da “cultura alta” e certos filmes suscitavam longas discussões sobre o seu “sentido” (os de Michelangelo Antonioni e Ingmar Bergman, por exemplo), Fellini foi considerado menos como um grande cineasta do que como um génio que se manifestava através do cinema, um artista que tinha o seu próprio universo, como um grande escritor ou um grande pintor. Milan Kundera, por exemplo, afirmou que “Fellini é um dos poucos que fez com que o cinema fosse parte da arte moderna, o único cuja obra imensa pode ser posta no mesmo plano que as de Picasso e Stravinsky”. O seu prestígio atingiu tal ponto que a palavra “felliniano” entrou para o vocabulário corrente, para designar indivíduos com um físico hipertrofiado e situações pouco banais e o seu nome era aposto ao título de alguns dos seus filmes, pois era um chamariz poderoso e a sua visão do mundo era considerada peculiar e inconfundível. Pode-se dizer, sem hesitar, que de todos os cineastas considerados “grandes autores” nos anos 60 e 70 Fellini foi o que teve maior prestígio junto à mais vasta faixa de público. Mas ele não atingiu esta posição de imediato, seguiu um percurso, que começou modestamente.
Nascido em Rimini, no litoral adriático, cuja vida provinciana evocará em I VITELONI e AMARCORD, Fellini cedo demonstrou vocação para o desenho, mais exatamente a caricatura e aos dezassete anos fundou com um amigo uma Loja do Retrato, na qual eram feitas caricaturas e silhuetas recortadas (mais tarde, no momento da libertação da Itália, ele abrirá em Roma a minúscula Funny Face Shop, em que faz caricaturas à la minute de soldados americanos). Em janeiro de 1939, quando completa 19 anos, Fellini parte para Roma, onde viverá pelo resto da vida, afrouxando por completo os laços com a terra natal, onde nunca filmou um só plano de cinema. Na capital, começa a colaborar na imprensa como desenhista e autor de textos. Também trabalha na rádio. No ano seguinte, tem a sua primeira participação num filme, como gagman de IL PIRATA SONO IO, de Mario Mattoli. Em 1943, casa-se com a atriz Giulietta Masina, de quem nunca se separará. Até ao fim da guerra, Fellini colabora no argumento de um total de seis filmes. Em 1945, convence Aldo Fabrizi a interpretar o papel do padre em ROMA, CIDADE ABERTA, de Roberto Rossellini, em cujo argumento participa. No ano seguinte, Rossellini convida-o a colaborar no argumento de PAISÀ. Fellini declararia mais tarde que durante a preparação deste filme, rodado em diversas regiões do país, descobriu “uma Itália que não conhecíamos, pois durante vinte anos o regime fascista vendara-nos realmente os olhos”. O cinema italiano transfigura-se a partir de 1945 com a explosão da escola neo-realista, da qual Fellini foi colaborador e companheiro de viagem, mas da qual se afasta, sem ruptura, ao cabo de pouco tempo. Em 1950, co-produz e co-realiza com Alberto Lattuada LUCI DEL VARIETÀ, em que já estão presentes diversos elementos temáticos do seu futuro cinema, como o mundo do espetáculo e da ilusão. A sua carreira de realizador está lançada e os filmes se sucedem nos anos 50, obtendo prémios em grandes festivais e tendo distribuição internacional. A partir de IL SCEICCO BIANCO, o primeiro filme cuja realização assinou sozinho, Fellini terá alguns colaboradores fixos, que têm um importante papel na sua obra: os argumentistas Tullio Pinelli e Ennio Flaiano e o compositor Nino Rota, cujas inconfundíveis melodias são um dos elementos que identificam os seus filmes.  Este período culmina e chega ao fim com LE NOTTI DE CABIRIA (1957), para o qual Pier Paolo Pasolini foi um dos seus guias na noite romana. Nesta fase, com a exceção parcial de LA STRADA (o primeiro dos seus filmes a suscitar discussões sobre o seu “sentido”), Fellini é um cronista da “pequena Itália”, dos sonhos e ilusões de personagens pequeno-burgueses e os seus filmes são narrados de modo clássico.
O ano de 1960 é uma data-charneira na carreira e na obra de Fellini: é o ano de LA DOLCE VITA, filme escandaloso para os critérios da época, sobretudo em Itália, narrado como um carrocel de acontecimentos, sem um fio narrativo contínuo e o primeiro dos seus filmes cujo desenlace é aberto: em suma, é o primeiro dos seus filmes a afastar-se dos parâmetros do cinema clássico. A partir deste momento Fellini deixará de filmar em cenários naturais, trabalhando exclusivamente em estúdio, explicando-se com as seguintes palavras: “Cinema-verdade? Sou mais favorável ao cinema-falsidade. A mentira é a alma do espetáculo e eu amo o espetáculo”. Três anos depois, com OTTO E MEZZO, filme sobre um filme que não se faz, Fellini dinamita completamente a continuidade narrativa e adquire definitivamente a aura de génio (o filme obtém inclusive o Grande Prémio no Festival de Moscovo por imposição do júri, à revelia das autoridades soviéticas). Depois do “delírio organizado” de GIULIETTA DEGLI SPIRITI, sucedem-se até meados dos anos 70, alguns dos filmes mais característicos e mais amados que realizou: SATYRICON, ROMA, AMARCORD. A partir de CASANOVA, o ritmo “arrefece”, o seu cinema passa a ter algo de funéreo, sem renunciar ao humor e à sátira. O público e a crítica parecem um pouco perplexos com esta mudança, mas Fellini permanece fiel a si mesmo. Em 1980, publica Fare un Film, fascinante colagem de textos que um crítico definiu como “um esforço para perceber-se melhor a si mesmo”, seguido, em 1983, de um livro-entrevista de Giovanni Grazzini, intitulado simplesmente Intervista sul Cinema. Em 1984 e 1985 realiza filmes publicitários para uma bebida e uma marca de massas. Em 1990, no ano em que completa setenta anos, é estreado o seu último filme, LA VOCE DELLA LUNA. Em 1992, Fellini realiza três spots publicitários para um banco, que foram a última coisa que filmou. O ano de 1993 é marcado pelo declínio da sua saúde e da de Giulietta Masina. Quando decorrem as bodas de ouro do casal, Fellini está em coma irreversível e falecerá poucos dias depois, a 31 de outubro, num hospital romano, apenas cinco meses antes de Giulietta Masina. O seu velório realizou-se no célebre Estúdio 5 da Cinecittà, onde realizara grande parte da sua obra, que já se tornara clássica há muito tempo. Como escreveu um jornal italiano à época, para Fellini, começava um grande futuro.
A retrospetiva que a Cinemateca Portuguesa organiza juntamente com a 13ª Festa do Cinema Italiano no ano do centenário do nascimento de Fellini integra todos os filmes por ele realizados e ainda dois documentários muito recentes que celebram a sua obra: FANTASTIC MR. FELLINI, sobre a relação do americano Wes Anderson com o legado felliniano e FELLINI DEGLI SPIRITI, que aborda a faceta mais esotérica do realizador através de um conjunto de depoimentos contemporâneos (de atores, colaboradores e exegetas do universo felliniano) e de imagens de época. O Ciclo Tutto Fellini! inclui também uma conferência por Gianfranco Angelucci – um dos maiores especialistas na obra de Fellini (e também co-autor do argumento de INTERVISTA), no qual serão igualmente apresentados raros materiais filmados sobre o cineasta e sobre a sua relação artística e conjugal com Giulietta Masina.
 
 
10/11/2020, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Tutto Fellini!

Otto e Mezzo
Fellini Oito e Meio
de Federico Fellini
Itália, 1962 - 138 min
 
11/11/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Tutto Fellini!

Histoires Extraordinaires / Tre Passi Nel Delirio
Histórias Extraordinárias
de Louis Malle, Federico Fellini, Roger Vadim
França, Itália, 1968 - 120 min
11/11/2020, 20h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Tutto Fellini!

Fantastic Mr. Fellini – Intervista con Wes Anderson | Block-Notes di un Regista/A Director’s Notebook
Duração total da projecção: 93 min /| M/12
12/11/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Tutto Fellini!

Fellini-Satyricon
Fellini-Satyricon
de Federico Fellini
Itália, 1969 - 135 min
12/11/2020, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Tutto Fellini!

I Clowns
Os Clowns
de Federico Fellini
Itália, 1970 - 90 min
10/11/2020, 20h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Tutto Fellini!

A Cinemateca com a 13ª Festa do Cinema Italiano
Otto e Mezzo
Fellini Oito e Meio
de Federico Fellini
com Marcello Mastroianni, Claudia Cardinale, Anouk Aimée, Sandra Milo
Itália, 1962 - 138 min
legendado em português | M/12
O ponto de partida deste filme foi o cancelamento de um projeto de Fellini. Vendo a alegria dos técnicos perante a hipótese de fazer um novo filme (só ele sabia do cancelamento do projeto), Fellini sentiu remorsos e decidiu fazer um filme sobre um filme que não se faz. O resultado foi OTTO E MEZZO, no qual Fellini abandona por completo o realismo, a causalidade e a narrativa linear, numa obra quase abstrata, ambiciosíssima e marcada por uma poderosa imaginação visual. Explosivo e torrencial, o filme teve enorme impacto e fixou definitivamente a imagem de génio que passaria a ser associada a Felllini. Nele, o cineasta pôs muito do que sabia, vivera e, provavelmente, sonhara, pois pouco tempo antes ele iniciara uma psicanálise junguiana. O título é uma alusão à obra do próprio Fellini, pois seria o seu oitavo filme “e meio” (sete longas, duas curtas e uma co-realização). A apresentar em cópia digital.

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11/11/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Tutto Fellini!

A Cinemateca com a 13ª Festa do Cinema Italiano
Histoires Extraordinaires / Tre Passi Nel Delirio
Histórias Extraordinárias
de Louis Malle, Federico Fellini, Roger Vadim
com Terence Stamp, Brigitte Bardot, Alain Delon, Jane Fonda, Peter Fonda
França, Itália, 1968 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um filme em episódios, que reúne três realizadores à volta de três “histórias fantásticas” de Edgar Allan Poe: Louis Malle (WILLIAM WILSON), Roger Vadim (METZENGERSTEIN) e Federico Fellini (TOBY DAMMIT). Malle (que teve péssimas relações com a sua vedeta, Alain Delon) conta a história de um homem que é acossado pelo seu “duplo”. Vadim, que reúne pela única vez no ecrã Jane e Peter Fonda, mostra a complicada relação, com laivos sado-masoquistas, entre uma aristocrata e um cavalo, que é a reencarnação de um dos seus amantes. Único episódio do filme situado na época contemporânea, a jóia do conjunto é o episódio de Fellini (com Terence Stamp), que transpõe o drama de Toby Dammit, o homem que vendeu a alma ao diabo. A ação começa no aeroporto de Roma, onde chega uma vedeta de cinema que vai protagonizar “o primeiro western católico” e encontra o diabo, sob a forma mais imprevisível. Os produtores gostaram tanto do resultado de TOBY DAMMIT que propuseram a Fellini fazer mais um episódio, o que acabou por não acontecer.

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11/11/2020, 20h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Tutto Fellini!

A Cinemateca com a 13ª Festa do Cinema Italiano
Fantastic Mr. Fellini – Intervista con Wes Anderson | Block-Notes di un Regista/A Director’s Notebook
Duração total da projecção: 93 min /| M/12
FANTASTIC MR. FELLINI – INTERVISTA CON WES ANDERSON
de Francesco Zippel
com Wes Anderson, Stefano Accorsi
Itália, 41 min / legendado eletronicamente em português 

BLOCK-NOTES DI UN REGISTA/A DIRECTOR’S NOTEBOOK
Diário de um Realizador
de Federico Fellini
com Federico Fellini, Giulietta Masina, Marcello Mastroianni
Itália, 1969 – 52 min / legendado eletronicamente em português  

Tributo que Wes Anderson presta a um de seus realizadores favoritos, FANTASTIC MR. FELLINI foi feito para assinalar o centésimo aniversário de nascimento de Fellini. Realizado por Francesco Zippel,  colaborador de Anderson em CASTELLO CAVALCANTI e THE GRAND BUDAPEST HOTEL, o filme mostra a inspiração felliniana na obra deste. Fragmentos do pensamento do mestre de Rimini, narrados pela voz do actor Stefano Accorsi, são o ponto de partida para Anderson deixar as suas reflexões fluírem e cruzar-se com a sua própria experiência artística pessoal, uma homenagem que se torna um reflexo ao espelho de dois artistas muito mais próximos do que se poderia pensar inicialmente. BLOCK-NOTES DI UN REGISTA foi realizado para uma cadeia de televisão americana e a ideia era fazer uma longa entrevista sobre os projetos abandonados por Fellini (nomeadamente IL VIAGGIO A MASTORRA cujos preparativos estavam muito adiantados quando a rodagem foi cancelada) e o filme que ele estava a preparar, SATYRICON. Contém momentos esplêndidos, como a construção da aeronave de MASTORRA, a busca de figurantes para SATYRICON e uma visita noturna ao Coliseu. O crítico Lino Micchichè chegou à conclusão que “aquelas visões surreais de sexo e solidão, de ironia e ternura, que compõem a matéria do discurso fílmico felliniano são o único modo através do qual Fellini sabe ver a realidade”. O filme só foi visto uma vez na Cinemateca, no longínquo ano de 1990. A apresentar em cópia digital.

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consulte a FOLHA DA CINEMATECA de BLOCK-NOTES DI UN REGISTA aqui
12/11/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Tutto Fellini!

A Cinemateca com a 13ª Festa do Cinema Italiano
Fellini-Satyricon
Fellini-Satyricon
de Federico Fellini
com Martin Potter, Hiram Keller, Salvo Randone, Max Born
Itália, 1969 - 135 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/16
Baseado no clássico fragmento literário da Antiguidade atribuído a Petrónio, SATYRICON foi realizado quando o prestígio de Fellini estava no auge, a tal ponto que o seu nome faz parte do título original. Fellini declarou ter-se interessado particularmente pela ausência da noção de pecado e culpa que caracteriza o livro, que data dos primeiríssimos anos da era cristã, e adaptou-o fielmente, numa estética típica dos anos 60, que foram um período de libertação sexual. Deste modo, conseguiu ser fiel a Petrónio, a si mesmo e ao período em que o filme foi feito. SATYRICON contém algumas das imagens mais fortes e marcantes da obra de Fellini (o banquete, o combate com o Minotauro, o suicídio solitário de um casal de aristocratas, a partida para África no desenlace) e, como observou Mario Verdone, os diversos cenários “constituem uma série de achados visuais, que se transformam no próprio tecido da história narrada”. SATYRICON é sem dúvida uma das obras-primas de Federico Fellini, ao mesmo tempo “datada” e intemporal.

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12/11/2020, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Tutto Fellini!

A Cinemateca com a 13ª Festa do Cinema Italiano
I Clowns
Os Clowns
de Federico Fellini
com Federico Fellini, Billi, Scotti, Fanfulla, Victoria Chaplin, Anita Ekberg
Itália, 1970 - 90 min
legendado em português | M/12
Em 1960, Fellini declarou: “Para mim, o cinema assemelha-se muito ao circo”. Neste semi-documentário, ou falso documentário, sobre palhaços (“embaixadores da minha vocação”, nas palavras do realizador), feito para a televisão, mas em película 35 mm, rodado em Itália e em Paris, Fellini presta homenagem aos ídolos da sua infância, investiga o fenómeno do circo, desenterra antigos documentos cinematográficos sobre palhaços do início do século XX e mostra o prolongamento das artes do circo no presente. Este filme comovente chega ao fim com um belíssimo número de palhaços. Nas palavras de Mario Verdone, “ao evocar o circo, Fellini vai em busca não tanto do circo da sua infância, mas de si mesmo: comove-se sobre uma coisa que passa e que talvez não volte mais. Da lembrança dos palhaços nasceu a crónica, a história, o filme, a poesia”.

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