CICLO
A Cinemateca com o Indielisboa


A colaboração entre a Cinemateca e a edição deste ano do IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema, iniciada no final de abril, continua até ao final da primeira semana de maio e inclui quatro programas distintos: a retrospetiva da obra de Jan Švankmajer; a apresentação de filmes da secção Director’s Cut do festival (complementadas por outros filmes em contexto), uma homenagem à Friedl Kubelka School for Independent Film e uma sessão especial com filmes portugueses integrada na secção Silvestre e dedicada às questões do trabalho.
 
Jan Švankmajer, O Surrealista
As origens de Jan Švankmajer (nascido em 1934, na Checoslováquia) permitem que se entenda melhor parte do seu fascínio, quase pigmaliónico, por “dar vida” a uma multiplicidade de elementos: fundou o Teatro de Máscaras após obter formação em marionetismo na Academia de Artes Performáticas de Praga, arte que quis dominar desde que, aos oito anos, recebeu dos seus pais como prenda de Natal um pequeno teatro de marionetas. Trabalhou, depois, para um verdadeiro teatro, o Laterna Magika, em Praga, antes de se iniciar na realização de curtas de animação, em 1964, com um filme que converte atores de carne e osso em marionetas vivas: POSLEDNÍ TRIK PANA SCHWARZEWALDEA a PANA EDGARA/“O Último Truque”.
O cinema de Švankmajer desdobra-se em temas, em materiais (objetos como pessoas ou animais, pessoas ou animais como objetos) e em tecnologias de animação (privilegiando a “ação real” e enjeitando a animação por computador por lhe faltar a necessária dimensão orgânica ou táctil), mas o seu apelo final é eminentemente universal e visa a humaníssima mediocridade de seres consumidos por uma lista interminável de taras e paranoias. As suas curtas refletem o clima político do regime musculado reinante na Checoslováquia, sobretudo a partir dos idos anos 70, da dita “normalização” comunista, e problematizam actos mundanos como o “comer” (deguste-se, com cautela, a obra-prima JÍDLO/“Comida”), o “dialogar” (encare-se de frente aquela que é, muito provavelmente, a sua curta-metragem mais celebrada mas não menos controversa no seu país natal: MOŽNOSTI DIALOGU/“Dimensões do Diálogo”) e até o “nascer” (TMA-SVĚTLO-TMA/“Escuridão, Luz, Escuridão” sintetiza, de maneira assaz violenta, esta visão sobre a humanidade como uma espécie de grande porcaria em formação). Por sua vez, as suas longas-metragens, desde o internacionalmente reconhecido NECO Z ALENKY/“Alice” até ao recentíssimo KUNSTKAMERA, passando pelo buñueliano SPIKLENCI SLASTI/”Conspiradores do Prazer” e o delírio mélièsiano FAUST/”Fausto”, a primeira obra rodada no estúdio Athanor, fundado com o seu produtor de longa data, Jaromír Kallista, constituem um compêndio dos horrores – ou dos prazeres mais ou menos sádicos – associados à condição humana.
A ambição e irrequietude de Jan Švankmajer são tais que o cineasta checo terá anunciado a sua reforma em 2018 com HMYZ, mas já em 2022 surpreendeu os seus seguidores ao lançar KUNSTKAMERA (tendo nessa altura confirmado a sua retirada definitiva do cinema, inclusive de qualquer futura presença em mostras do seu trabalho), mais um filme lidando com as obsessões rematerializadas – todo um gabinete de curiosidades – deste incansável surrealista sob influência dos clássicos, de André Breton a Lewis Carroll.
A presente retrospectiva, iniciada no mês passado, é uma das mais completas de sempre da obra de Švankmajer e certamente a primeira oportunidade em Portugal para um conhecimento mais sistemático desta obra essencial da História do cinema de animação (mas não só).

Director’s Cut
Esta secção do festival IndieLisboa mostra produções recentes que mergulham na memória do
cinema como sua principal inspiração e matéria-prima. Em rima com esses filmes mostramos também obras mais antigas.

Analog Imagination
Com foco em formatos analógicos, as duas sessões do programa Analog Imagination trazem-nos uma seleção 12de trabalhos profundamente pessoais produzidos no contexto da Friedl Kubelka School for Independent Film, instituição centrada na produção e exibição de obras em suportes em película (Super 8, 16mm e 35mm).

Foco Silvestre
O Foco Silvestre dedica este ano o seu programa ao trabalho e ao movimento sindical. A Cinemateca Portuguesa recebe uma sessão que reúne cinco curtas-metragens de realizadores portugueses sob o título “Profissão: Trabalho”.
 
 
04/05/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa

A Via Áurea | O Pão | O Trabalho Liberta? | Os Sonâmbulos | O Fado Lusitano
duração total da projeção: 87 min
 
04/05/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa

Hmyz
“Inseto”
de Jan Švankmajer
República Checa, 2018 - 98 min
05/05/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa

Programa: ARS Longa
duração total da projeção: 96 minutos
05/05/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa

As Ruínas no Interior
de José de Sá Caetano
Portugal, 1976 - 107 min
05/05/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa

Programa: Reflexões sobre o Medo ou as Possibilidades do Humano
duração total da projeção: 76 minutos
04/05/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Indielisboa
A Via Áurea | O Pão | O Trabalho Liberta? | Os Sonâmbulos | O Fado Lusitano
duração total da projeção: 87 min
legendados em inglês | M/12
Foco Silvestre

Com a presença de Edgar Pêra e Patrick Mendes
A VIA ÁUREA 
de autor desconhecido
com Vasco Santana
 Portugal, 1931 –  9 min

O PÃO
de Manoel de Oliveira
Portugal, 1963 – 24 min

O TRABALHO LIBERTA?
de Edgar Pêra
com Paulo Varela Gomes, António Vaz Pinto, Paulo Borges, Agostinho da Silva, António Bracinha Vieira, Herman José, Ruben de Carvalho
Portugal, 1993 – 25 min

OS SONÂMBULOS
de Patrick Mendes
com Rogério Nuno Costa, Claudio da Silva
Portugal, 2014 – 23 min

O FADO LUSITANO
de Abi Feijó
Portugal, 1995 – 6 min

A VIA ÁUREA é um filme publicitário sobre os adubos da CUF, que conta a história de Manuel (Vasco Santana), um homem insatisfeito que se pergunta porque não enriquece apenas com o esforço do seu trabalho. O PÃO, de Manoel de Oliveira, documenta o “ciclo do pão” - da semente à recolha, da moagem ao seu consumo -, e o esforço constante do homem que trabalha para o produzir e comprar. Um tratado sobre a consagração da dignidade do homem através do seu labor. No seu filme-ensaio, O TRABALHO LIBERTA?, Edgar Pêra propõe uma interrogação sobre o poder emancipatório do trabalho. Para tal, o realizador coloca esta demolidora questão – ensombrada pela sua associação aos campos de concentração da Alemanha nazi – a várias figuras portuguesas. OS SONÂMBULOS, transporta-nos para um futuro distópico, um mundo completamente automatizado em que a mão-de-obra serve de alimento à própria indústria. A sessão termina com O FADO LUSITANO, um filme de animação que atravessa uma série de eventos da História de Portugal – desde a expansão marítima à adesão à Comunidade Europeia -, compondo um retrato satírico da portugalidade.

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04/05/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa
Hmyz
“Inseto”
de Jan Švankmajer
com Irí Lábus, Jan Budar, Kamila Magálová, Pavel Nový
República Checa, 2018 - 98 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/16
Jan Švankmajer, O Surrealista
O mundo dos sonhos é um poço sem fundo na obra de Švankmajer. Esta metaficção começa por mostrar atores a ensaiarem os seus papéis num filme que adapta Pictures From the Insects’ Life, peça dos célebres escritores checoslovacos Karel Čapek, autor do livro A Guerra das Salamandras, e Josef Čapek, o conhecido criador da palavra “robot”. A história envolve muitos insetos, explorando a linha ténue que separa o comportamento humano do animal, mas transborda os seus limites ficcionais, acabando HMYZ por redundar numa reflexão sobre o processo de criação, a teoria e prática no universo deste autor checo. O argumento, cuja primeira versão foi escrita em 1971 mas “barrado” pela censura, foi adaptado como um “último hurrah” do velho mestre surrealista, embora em 2022 tenha saído esse “gabinete de curiosidades” chamado KUNSTKAMERA. “Assistir as cenas deste filme faz-nos desejar por um geral making of cobrindo toda a carreira de Švankmajer”, escreveu Jay Weissberg (Variety) antes de ter podido ver ALCHEMICAL FURNACE. Primeira apresentação na Cinemateca.

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05/05/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa
Programa: ARS Longa
duração total da projeção: 96 minutos
legendado eletronicamente em português | M/16
Jan Švankmajer, O Surrealista
J.S.BACH – FANTASIA G-MOLL
“J. S. Bach: Fantasia em Sol Menor”
Checoslováquia, 1965 – 8 min

ŽVAHLAV
“Jabberwocky”
Checoslováquia, 1971 – 12 min

ZÁNIK DOMU USHERÚ
“A Queda da Casa Usher”
Checoslováquia, 1982 – 12 min

DON SAJN
“Don Juan”
com Frantisek Filipovský
Checoslováquia, 1971 – 30 min

OTRANSKÝ ZÁMEK
“O Castelo de Otranto”
com Milos Frýba, Jaroslav Vozáb
Checoslováquia, 1977 – 17 min

LEONARDŮV DENÍK
“O Diário de Leonardo”
com Milos Frýba, Jaroslav Vozáb
Checoslováquia, Itália, 1972 – 10 min

HUGH CORNWELL: ANOTHER KIND OF LOVE
com Hugh Cornwell
Reino Unido, República Federal Alemã, Checoslováquia, 1988 – 4 min
filmes de Jan Švankmajer

Vita brevis, ars longa. Jan Švankmajer e as suas afinidades eletivas: da música de Bach à música pop-rock de Hugh Cornwell, do mito de Don Juan ao do castelo de Otranto (pelo romancista inglês Horace Walpole), do poema nonsense de Lewis Carroll, Jabberwocky, ao clássico da literatura gótica de horror, A Queda da Casa Usher de Edgar Allan Poe. E ainda vemos, animados, desenhos inspirados em Leonardo da Vinci. A articulação entre música e imagem – que o levará a rodar um videoclipe para Hugh Cornwell – é aquilo que poderá ligar somente a segunda curta-metragem do realizador, J.S.BACH – FANTASIA G-MOLL, ao mais contemporâneo HUGH CORNWELL: ANOTHER KIND OF LOVE, produzido com a Virgin Records para o artista inglês, mais conhecido por ter sido o vocalista da banda The Stranglers. Como “música adaptada”, em ŽVAHLAV, o poema delirante de Lewis Carroll é convertido numa animação, em que vários objetos corriqueiros ganham vida – uma boneca explode gerando mais bonecas que são depois trituradas. ZÁNIK DOMU USHERÚ é a primeira de duas adaptações de Edgar Allan Poe, ambas com características semelhantes – o preto-e-branco, o uso de atores de carne e osso e de animação stop-motion a entrecortar – mas que aqui leva mais longe a relação com a escrita de Poe, quase num exercício de ilustração cinematográfica. Muito ambicioso filme de marionetas (e atores vestidos de marionetas), DON SAJN adapta a história sangrenta de Don Juan tirando partido de um raro trabalho do cineasta checo em cenários naturais. Misturando imagens reais (de um documentário falso sobre a novela gótica The Castle of Otranto) com animação cut-out (que influenciaria Terry Gilliam), OTRANSKÝ ZÁMEK “documenta” essa procura da ficção no real, num dos momentos da filmografia de Švankmajer em que o facto e a lenda entabulam um diálogo direto. LEONARDŮV DENÍK mistura desenhos, inspirados em Leonardo da Vinci, com imagem real tirando partido dessa mesma zona de indecisão entre o que é da ordem do animado – e da ars longa do mestre italiano – e o que é da ordem do factual e histórico, cruzados com imagens documentais reais – dessa vita brevis que (des)anima os comuns mortais. Primeiras apresentações na Cinemateca.

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05/05/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa
As Ruínas no Interior
de José de Sá Caetano
com Françoise Ariel, Keith James, Brian Ralph, Jacinto Ramos, Catarina Avelar
Portugal, 1976 - 107 min
legendado em inglês | M/12
Director’s Cut em Contexto / Com a Linha de Sombra

Nesta rubrica regular feita em colaboração com a livraria Linha de Sombra, este mês assinalamos um lançamento com uma sessão de cinema português, resultado de nova colaboração com a Academia Portuguesa de Cinema. Tomando como pretexto o lançamento em DVD de AS RUÍNAS NO INTERIOR de José Sá Caetano, que terá lugar no espaço da livraria Linha de Sombra nos 39 Degraus a anteceder a exibição do filme. Trata-se de uma edição da Academia Portuguesa de Cinema em colaboração com a Cinemateca no contexto da “Coleção da Academia”, a qual visa recuperar e editar obras emblemáticas do cinema português, contribuindo em simultâneo para a sua preservação e difusão junto de um público alargado em versões restauradas digitalmente.

Com a presença de Paulo de Sá Caetano e de Rui Nogueira
Em período pós-revolucionário, José de Sá Caetano filmou uma ficção situada nos anos 40 portugueses refletindo os anos da ditadura: em 1943, uma refugiada belga e os seus dois filhos passam as férias da Páscoa numa aldeia de pescadores, sendo a tranquilidade quotidiana perturbada por um episódio bélico próximo dali. Este é silenciado pelas crianças que o presenciam, mas a máquina policial que em redor delas se monta é implacável. O filme teve a sua estreia internacional no Festival International du Jeune Cinéma em Hyères, então programado por Rui Nogueira, sendo aqui apresentado em rima com JEUNE CINÉMA, exibido no Director’s Cut

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05/05/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Indielisboa
Programa: Reflexões sobre o Medo ou as Possibilidades do Humano
duração total da projeção: 76 minutos
legendados em inglês e eletronicamente em português | M/16
Jan Švankmajer, O Surrealista
ANIMATED SELF-PORTRAITS
“Auto-retratos Animados”
Canadá, Checoslováquia, Japão, Estados Unidos, 1989 – 1 min

POSLEDNÍ TRIK PANA SCHWARZEWALDEA A PANA EDGARA
“O Último Truque”
Checoslováquia, 1964 – 12 min

KYVADLO-JAMA-NADĚJE
“O Pêndulo, o Poço e a Esperança”
com Jan Zácek
Checoslováquia, 1983 – 15 min

MOŽNOSTI DIALOGU
“Dimensões do Diálogo”
Checoslováquia, 1983 – 11 min

MUŽNÉ HRY
“Jogos Viris”
Checoslováquia, 1988 – 14 min

BYT
“O Apartamento”
com Ivan Kraus, Juraj Herz
Checoslováquia, 1968 – 13 min

TMA-SVĚTLO-TMA
“Escuridão, Luz, Escuridão”
Checoslováquia, 1968 – 10 min
filmes de Jan Švankmajer

Se têm razão a maioria dos artistas ao dizer que o trabalho fala por si mesmo, a série de autorretratos animados realizados por alguns dos nomes maiores da animação internacional, ANIMATED SELF-PORTRAITS, serve para revelar o rosto de cada animador (uma equipa de 27 animadores coordenada por David Ehrlich) através do seu próprio trabalho. E, na sua vez, Jan Švankmajer combina animação de plasticina com fotomontagem, escondendo o rosto – e fechando os olhos – para revelar qualquer coisa mais íntima e (in)confessável: a sua visão do mundo fortemente ancorada em obsessões, taras e sonhos. O primeiro produto deste intenso trabalho, em que a observação sobre os comportamentos humanos é tão fundamental, aparece em segundo lugar neste programa: POSLEDNÍ TRIK PANA SCHWARZEWALDEA A PANA EDGARA. Trata-se da história de dois mágicos que procuram superar a performance um do outro, até ao ponto em que tudo descamba num “estado de guerra” nada bonito de se ver. Versão surrealista do conto de Edgar Allan Poe, The Pit and the Pendulum, KYVADLO-JAMA-NADĚJE é uma animação de imagem real arrepiante que privilegia a perspetiva na primeira pessoa (plano subjetivo) de um homem retido num jogo infernal subterrâneo que o procura condenar à morte, “nível após nível”. Uma das suas mais vistas e célebres curtas, MOŽNOSTI DIALOGU é um magistral exercício alegórico que procura compilar, em modo de diálogo entre seres em barro, as formas – todas ou quase – do (des)entendimento humano. MUŽNÉ HRY satiriza uma cultura mediática alimentada pelo ódio e pela violência a partir das interações e alucinações de um homem em frente a um ecrã de televisão onde é transmitido um jogo de futebol. Mais um conto surrealista de imagem real, com atores de carne e osso, BYT acompanha um homem aprisionado num apartamento onde as leis da natureza não são aplicáveis. Num apartamento semelhante, mas já em TMA-SVĚTLO-TMA, uma espécie de “primeiro Homem” nasce, em luta consigo mesmo, com tudo o que o envolve, numa violência que lhe é – e será – constituinte.  Todos os filmes, com a exceção de MOŽNOSTI DIALOGU, são apresentados pela primeira vez na Cinemateca.


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