CICLO
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)


O cinema partilha com a fotografia uma já longa história marcada por constantes afastamentos e aproximações a partir de uma mesma origem fotográfica. Hoje, num momento em que a materialidade fotoquímica da origem de ambos é confrontada com uma migração generalizada das imagens para o digital, assistimos a uma revitalização do diálogo entre as duas artes.
Um olhar atento sobre a capacidade do cinema em organizar materiais assumidamente fotográficos ou sobre o poder da fotografia em suspender o ritmo do cinema conduz inevitavelmente à questão que atravessa a história de ambas as técnicas: o movimento e a fixidez das imagens. A questão é essencial no trabalho fotográfico de Eadweard J. Muybridge e nas cronofotografias de Étienne-Jules Marey, mas também em obras cinematográficas que traduzem o fascínio inicial do cinema pelo movimento, como expresso no catálogo Lumière, nas variações de ritmo exploradas pelas vanguardas, ou em filmes compostos por fotografias conotados com um "entre-imagens", para recorrer a um termo de Raymond Bellour, autor que muito tem investigado as relações entre cinema e fotografia.
Este programa engloba um conjunto de títulos que, inscrevendo-se no domínio do cinema, incorporam esta tensão. Refletindo, interrogando, investigando essa relação, o programa propõe um olhar abrangente sobre a sua história, transversal a autores, géneros e cinematografias, organizando-se em seis eixos genéricos: O fluxo, o instante, Álbuns fotográficos, Vestígios do real, Investigações fotográficas, Géneros fotográficos, Figuras do fotógrafo.
O fluxo, o instante abrange obras em que o movimento e a sua relação com a interrupção e o congelamento da imagem são elementos essenciais, seja no caso de fotofilmes, como o seminal LA JETÉE de Chris Marker, seja nos filmes perdidos e unicamente recuperados a partir de reproduções fotográficas das imagens que os constituem ou em trabalhos em que a paragem da imagem se torna símbolo de liberdade e experimentação, que encontram frequentemente no fotograma o elemento de eleição.
Nos filmes reunidos como Álbuns fotográficos, a memória, a intimidade, a viagem, o arquivo estão no centro de práticas cinematográficas que refletem sobre o passado a partir de imagens fixas investidas da experiência do movimento e da duração. Vestígios do real parte do suplemento de verdade que a fotografia promete transportando para o cinema uma dimensão documental aberta a interrogações sobre a natureza do próprio cinema, que se estendem à ficção. Por sua vez, nas Investigações fotográficas, a interrogação da fotografia pelo cinema manifesta-se em trabalhos que destacam a relação estabelecida entre palavras e imagens, e que investigam os processos de construção das imagens. Sob a designação Géneros do fotográfico reúnem-se títulos em que a fotografia tem um papel essencial e nos quais o retrato, a fotonovela, a fotografia de moda ou a fotografia de rua são tratados como motivos narrativos ou inspiram a forma dos filmes. É ainda em torno das diversas Figuras do fotógrafo que se desenha a abrangência do programa: tornado personagem, o fotógrafo assume uma multiplicidade de papéis que reenviam para a natureza fotográfica do cinema.
Na sua pluralidade, muitos dos filmes que compõem o programa convocam um núcleo significativo de fotógrafos-cineastas, como Man Ray, László Moholy-Nagy, Henri Cartier-Bresson, Rudy Burckhardt, Helen Levitt, Robert Frank, William Klein, Raymond Depardon, Morris Engel e Ruth Orkin, Daniel Blaufuks, Johan van Der Keuken ou mesmo Stanley Kubrick; de fotógrafos com experiências pontuais no cinema, casos de Weegee, Nan Goldin ou Sophie Calle; dos irmãos Lumière e Aurélio da Paz dos Reis, pioneiros do cinema que começaram na fotografia. A interrogação da relação entre a imagem fotográfica e o cinema prolonga-se no trabalho experimental de Michael Snow, Hollis Frampton, Guy Debord, Paul Sharits, Babette Mangolte, Rose Lowder ou nos Screen Tests de Andy Warhol, mas também nos clássicos e modernos Alfred Hitchcock, George Cukor, Stanley Donen, Federico Fellini, Michelangelo Antonioni, Jean-Luc Godard, François Truffaut, Alain Resnais, Jean Eustache, Agnès Varda ou Wim Wenders. Não esgotando os exemplos, Abbas Kiarostami é outro nome do programa, com um filme que remata a obra a partir de fotografias.
O programa (disponível na íntegra em www.cinemateca.pt) decorre em maio e junho, com um número significativo de primeiras apresentações na Cinemateca
16/05/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo 24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)

24 Frames per Second | The Camera: Je, or la Caméra: I
duração total da projeção: 92 min | M/12
16/05/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)

Filmarilyn | Kvinnodröm
duração total da projeção: 97 min | M/12
17/05/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)

La Photographie Électrique à Distance | Max Fait de la Photographie | O Estranho Caso de Angélica
duração da projeção: 115 min | M/12
17/05/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)

Cindy, the Doll is Mine | Office Killer
duração total da projeção: 97 min | M/12
17/05/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)

Fábrica | Sob Céus Estranhos
duração total da projeção: 82 min | M/12
16/05/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)
24 Frames per Second | The Camera: Je, or la Caméra: I
duração total da projeção: 92 min | M/12
Géneros do fotográfico
24 FRAMES PER SECOND
de Shirley Clarke
Estados Unidos, 1977 – 3 min / sem diálogos
THE CAMERA: JE, OR LA CAMÉRA: I
de Babette Mangolte
Estados Unidos, 1977 – 89 min / legendado eletronicamente em português

Shirley Clarke e Babette Mangolte em dois filmes de 1977. Os 24 fotogramas por segundo de Shirley Clarke foram criados para uma exposição de arte persa realizada em 1977 no LA County Museum of Art e são um “festival de híper montagem”. Em THE CAMERA: JE, OR LA CAMÉRA: I, realizado na década em que se afirmou como uma figura da vanguarda artística nova-iorquina, Babette Mangolte detém-se sobre o ato de ver, na perspetiva dos fotógrafos no momento da captura das suas imagens. Estruturado em três partes e recorrendo à câmara subjetiva, o filme passa pelo estúdio de fotografia, a fotografia de rua e a apreciação das imagens aí produzidas. Primeiras exibições na Cinemateca. 24 FRAMES PER SECOND é apresentado em cópia digital.
 
16/05/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)
Filmarilyn | Kvinnodröm
duração total da projeção: 97 min | M/12
Géneros do fotográfico
FILMARILYN
de Paolo Gioli
Itália, 1992 – 10 min / mudo, sem intertítulos
KVINNODRÖM
“Sonhos de Mulheres”
de Ingmar Bergman
com Eva Dahlbeck, Harriet Andersson, Gunnar Björnstrand, Ulf Palme
Suécia, 1955 – 87 min / legendado eletronicamente em português

No contexto experimental do trabalho sobre as imagens na pintura, na fotografia e no cinema de Paolo Gioli, FILMARILYN é uma homenagem a Marilyn Monroe construída a partir de imagens fotográficas da atriz apenas publicadas depois da sua morte. “Por vezes imagino que FILMARILYN possa ser um filme nunca realizado sobre ela, sobre a morte dela. [A partir de uma sequência de imagens impressas], o filme não é apenas puro movimento, imagem por imagem, é uma nova construção” (Paolo Gioli). Vemo-lo antes de KVINNODRÖM, um dos filmes de Ingmar Bergman da década de cinquenta, um dos menos conhecidos da sua conhecida obra, cuja história parte de um estúdio de fotografia: duas mulheres, uma proprietária de uma agência de moda e uma jovem modelo, viajam de Estocolmo para Gotemburgo para uma sessão fotográfica que se torna uma viagem de deceção amorosa a partir dos encontros paralelos de ambas com um velho cônsul e com um antigo amante. É um Bergman cujas ressonâncias antecipam PERSONA (1966).
 
17/05/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)
La Photographie Électrique à Distance | Max Fait de la Photographie | O Estranho Caso de Angélica
duração da projeção: 115 min | M/12
Figuras do fotógrafo
LA PHOTOGRAPHIE ÉLECTRIQUE À DISTANCE
de Georges Méliès
França, 1908 – 6 min / mudo, sem intertítulos
MAX FAIT DE LA PHOTOGRAPHIE
de Pathé frères (Lucien Nonguet, não creditado)
com Max Linder
França, 1913 – 13 min / mudo, sem intertítulos
O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA
de Manoel de Oliveira
com Pilar López de Ayala, Ricardo Trepa, Luis Miguel Cintra, Leonor Silveira, Isabel Ruth
Portugal, Espanha, França, Brasil, 2010 – 96 min

Um complicado sistema elétrico de transmissão de fotografia à distância constitui a grande surpresa da curta-metragem cujo décor é um inusitado estúdio fotográfico que convoca simultaneamente a magia da "fotografia espírita" e a magia do cinema de Méliès. Numa praia quase deserta da Côte d'Azur, Max Linder insiste em fotografar uma jovem rapariga à saída do banho, contra a vontade desta, uma ninfa que desaparece no mar para desespero de Max. O ESTRANHO CASO DE ANGÉLICA é a concretização de um projeto perseguido por Manoel de Oliveira ao longo de várias décadas (em 1988, em Alguns Projetos Não Realizados e outros Textos, a Cinemateca publicou o argumento de “Angélica”, originalmente escrito em 1952 e inspirado num episódio vivido pelo realizador). Mantendo o essencial da história então concebida, Oliveira adaptou-a ao século XXI: na Régua, um jovem fotógrafo é chamado para tirar o último retrato da jovem bela Angélica, falecida em dia de núpcias. Ao seu olho, por trás da objetiva da câmara fotográfica, a defunta parece sorrir, cheia de vida, na sala em que a família vela o seu corpo. A paixão apodera-se do fotógrafo, a partir daí captado pela imagem de Angélica, que dá o tom a um filme perturbador em que o desejo da imagem está de acordo com uma vontade de vida.
 
17/05/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)
Cindy, the Doll is Mine | Office Killer
duração total da projeção: 97 min | M/12
Figuras do fotógrafo
CINDY, THE DOLL IS MINE
de Bertrand Bonello
com Asia Argento
França, 2005 – 15 min / legendado eletronicamente em português
OFFICE KILLER
de Cindy Sherman
com Carol Kane, Molly Ringwald, Jeanne Tripplehorn
Estados Unidos, 1997 – 82 min / legendado eletronicamente em português

Em OFFICE KILLER, uma discreta e aparentemente pacata empregada de escritório mata um colega, acabando por eliminar mais algumas pessoas. É verdadeiramente o primeiro e único filme de Cindy Sherman e nele encontramos prolongamentos do universo “gore” de várias das suas séries fotográficas, que aqui é explorado com bastante humor. O filme espelha também a profunda admiração pelo cinema por parte de uma artista que sempre trabalhou este domínio, seja mediante a exploração das convenções de um género cinematográfico específico, seja através dos múltiplos clichés convocados pelos seus famosos “untitled film stills”, fotografias ficcionadas de filmes inexistentes. A sessão abre com a perturbante curta-metragem de Bertrand Bonello (realizador de PORNOGRAPHE e TIRESIA) que evoca Cindy Sherman pondo Asia Argento no duplo papel de fotógrafa e modelo.
 
17/05/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
24 Imagens – Cinema e Fotografia (I)
Fábrica | Sob Céus Estranhos
duração total da projeção: 82 min | M/12
Álbuns Fotográficos

com a presença de Daniel Blaufuks
FÁBRICA
de Daniel Blaufuks
Portugal, 2013 – 25 min
SOB CÉUS ESTRANHOS
de Daniel Blaufuks
Portugal, 2002 – 57 min

FÁBRICA (primeira exibição na Cinemateca) foi originalmente filmado como parte de uma exposição e de um livro para fixar o espaço abandonado da Fábrica de Fiação e Tecidos do Rio Vizela como um cenário de memória, partindo de uma coleção de imagens, fotográficas e filmadas por Daniel Blaufuks. Filmado como memória pessoal e familiar em que se reflete a história coletiva, SOB CÉUS ESTRANHOS evoca a experiência de exílio de refugiados judeus em Lisboa durante e depois da Segunda Guerra Mundial, associando às fotografias e filmes de família de Blaufuks outras imagens de arquivo, documentos, textos literários de escritores como Heinrich Mann, Hans Sahl e Hertha Pauli, Erich Maria Remarque, Arthur Koestler. Das várias camadas de interpelação participa o reenquadramento ou a desaceleração das imagens preexistentes; do trabalho fotográfico de Blaufuks, o filme importa o registo diarístico e a reflexão sobre a memória.