CICLO
Lubitsch Americano


Quando Lubitsch chegou a Hollywood em finais de 1922 para aí se instalar em definitivo (nascido em Berlim em 1892, morreu em 1947 em Hollywood), despediu-se da Alemanha e saudou os Estados Unidos na mesma frase em que aludia com graça ao “slapstick” (comédia física burlesca) e à “nonchalance” (desprendimento de espírito): “Goodbye slapstick and hello nonchalance”. Vindo do teatro berlinense, onde fora discípulo de Max Reinhardt, iniciara-se no cinema em 1913 como ator, passando a ator-realizador dois anos mais tarde, numa primeira fase (1915-18) contando mais de vinte filmes de “duas bobines”, além daqueles em que foi dirigido por outros realizadores e, em seguida (1918-22), realizando as longas-metragens que deram prova da singularidade da sua assinatura, de que a autoencenação do prólogo em que se filma a si próprio na pele de “metteur-en-scène” em DIE PUPPE é um manifesto precoce (de 1919, com a primeira das “atrizes lubitschianas”, Ossi Oswalda). Longe de se resumir à comédia, o período alemão da obra de Lubitsch primou pela diversidade de registos (comédias burlescas, contos satíricos, produções históricas, operetas, melodramas ou filmes de montanha de inspiração shakespeareana), ensaiando um estilo cuja transparência da marca ele próprio associava a DIE AUSTERNPRINZESSIN / A PRINCESA DAS OSTRAS (1919, “a primeira das minhas comédias a mostrar o esboço de um estilo pessoal”).
Enfileirando a notável hoste de realizadores, atores e técnicos alemães que os Estados Unidos então acolheram de braços abertos, no rasto do êxito, alemão e americano, de MADAME DUBARRY (de 1919, o primeiro filme alemão estreado nos EUA depois da Primeira Guerra) e do épico DAS WEIB DES PHARAO / A MULHER DO FARAÓ (1921), mas também em resposta ao desafio de Mary Pickford para a dirigir no cinema – ROSITA viria a ser o seu primeiro filme americano em 1923, abrindo-lhe as portas dos grandes estúdios –, Lubitsch chegou com a reputação de grande realizador. Chamaram-lhe “o Griffith europeu”, reconhecendo-lhe a mestria e deram-lhe condições invulgares para filmar logo depois de ROSITA, primeiro na Warner Bros. (onde esteve sob contrato até 1926), depois na Paramount (assinou dois contratos com o estúdio, que em 1935 lhe entregou ainda o papel de supervisor artístico de produção), e na 20th Century Fox (1942-47), com que, com o raro estatuto de produtor-realizador, teve ligações duradouras mas não exclusivas (realizou e produziu filmes de permeio na MGM ou para a Loew’s Inc, a Ernst Lubitsch Productions, a Romaine Film Corporation). É na Paramount que Lubitsch faz a transição do mudo para o sonoro, criando os musicais que integraram as canções na fluidez da ação dramática, na tradição da opereta teatral europeia (“série” iniciada em THE LOVE PARADE, 1929); é na Paramount que realiza a maior parte da sua fulgurante obra dos anos trinta, esfuziantemente pré-Código Hays (TROUBLE IN PARADISE, DESIGN FOR LIVING, 1932/33) ou delirantemente depois da implementação das restritivas “normas de conduta” adotadas por Hollywood (BLUEBEARD’S EIGHTH WIFE, 1938), mas também um filme de pungente comoção dramática (THE MAN I KILLED, 1932), exceção das décadas americanas de trinta e quarenta da sua obra, em que sobretudo esgrimiu as regras de género da comédia, insistindo na possibilidade criadora que “rompe” a circunscrição a um sistema, e no mote do desejo, do prazer, da sexualidade.
O cinema de Lubitsch, a que, em 1968, num famoso artigo dos Cahiers du Cinéma, François Truffaut chamou “um príncipe”, assenta num elaborado trabalho de mise-en-scène, em que são fundamentais a dramaturgia, a disposição dos elementos num espaço sacudido pela temporalidade de um ritmo cinematográfico, de que as elipses são um exemplo claro, e em que a circulação é a grande figura. Como para Hitchcock, “o mestre do suspense”, inventou-se-lhe uma imagem de marca, o “Lubitsch touch”, cujo certificado de nascimento se atribui a THE MARRIAGE CIRCLE (1924) e cuja essência só exemplos de instantes gloriosos, filme a filme, esclarecem cabalmente, aludindo à sofisticação, à elegância, à subtileza, ao poder de sugestão, à deriva, à capacidade de surpreender nos mais e nos menos esperados dos instantes. Não há “uma” definição para o que seja o “Lubitsch touch”, o que vai bem com o cinema de Lubitsch, e com a séria ligeireza do seu inconfundível estilo.
 
Propondo uma incursão pela integralidade da obra americana de Lubitsch, que em março se centra na década de trinta em diante, a retrospetiva continua em abril, recuando aos anos vinte do período americano mudo de Lubitsch. Cruza-se em março com a apresentação da sua obra nas “Histórias do Cinema” conduzidas por Hans Hurch, na série de cinco sessões-conferência em que se incluem os dois filmes alemães MADAME DUBARRY e SUMURUN (1919/20), e ainda TROUBLE IN PARADISE, THE SHOP AROUND THE CORNER e CLUNY BROWN.
 
 
15/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Lubitsch Americano

The Merry Widow
A Viúva Alegre
de Ernst Lubitsch
Estados Unidos, 1934 - 97 min
 
16/03/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Lubitsch Americano

Angel
O Anjo
de Ernst Lubitsch
Estados Unidos, 1937 - 91 min
17/03/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Lubitsch Americano

Ninotchka
Ninotchka
de Ernst Lubitsch
Estados Unidos, 1939 - 110 min
18/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Lubitsch Americano

Bluebeard’s Eighth Wife
A Oitava Mulher do Barba Azul
de Ernst Lubitsch
Estados Unidos, 1938 - 83 min
23/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Lubitsch Americano

The Student Prince in Old Heidelberg
O Príncipe Estudante
de Ernst Lubitsch
Estados Unidos, 1927 - 123 min
15/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Lubitsch Americano
The Merry Widow
A Viúva Alegre
de Ernst Lubitsch
com Maurice Chevalier, Jeanette MacDonald, Una Merkel, Edward Everett Horton
Estados Unidos, 1934 - 97 min
legendado em português | M/12

Primeira adaptação sonora da célebre opereta de Franz Lehar (sucedendo à VIÚVA ALEGRE de Stroheim, uma das adaptações de 1925), que leva Lubitsch a regressar às operetas e ao então celebérrimo par Chevalier-MacDonald, numa sumptuosa produção MGM: depois de enviuvar, a mulher mais rica de um imaginário país da Europa Central muda-se para Paris, onde se diverte à grande, sendo um aristocrata incumbido da missão de trazê-la de volta à terra. Lubitsch dá aqui um magnífico exemplo do seu célebre “toque”, em sequências que são um prodígio de subtileza e insinuação.

16/03/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Lubitsch Americano
Angel
O Anjo
de Ernst Lubitsch
com Marlene Dietrich, Herbert Marshall, Melvyn Douglas, Edward Everett Horton
Estados Unidos, 1937 - 91 min
legendado em português | M/12

Depois de DESIRE, assinado por Borzage, produzido e supervisionado por Lubitsch, este volta à realização (é produtor-realizador da Paramount), e reincide em Marlene Dietrich que, em ANGEL, põe na pele de uma mulher casada a quem reaparece o homem duma ocasional noite em Paris, filmando a sua história num prodigioso testemunho das possibilidades dramáticas do seu inconfundível estilo. Há quem nele veja o primeiro dos filmes da depuração da última fase da obra de Lubitsch. É um filme quase abstrato, é quase música de câmara.

17/03/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Lubitsch Americano
Ninotchka
Ninotchka
de Ernst Lubitsch
com Greta Garbo, Melvyn Douglas, Ina Claire, Bela Lugosi, Sig Rumann
Estados Unidos, 1939 - 110 min
legendado em português | M/6

NINOTCHKA é o filme que foi lançado com o publicitário reclame “Garbo ri!”, e Garbo ri, como depois riria sob a direção de Cukor em TWO-FACED WOMAN (1941, também uma produção MGM). No seu encontro com Garbo, Lubitsch realiza uma prodigiosa sátira antissoviética (três anos antes de dirigir a corrosiva sátira ao nazismo de TO BE OR NOT TO BE), pondo a atriz no papel de uma insípida agente comunista que se deixa seduzir pelos encantos do capitalismo Ocidental – as noites de Paris, o champanhe, os trajes elegantes e o amor de Melvyn Douglas. Sobretudo conhecido por Garbo, NINOTCHKA é um puro Lubitsch.

18/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Lubitsch Americano
Bluebeard’s Eighth Wife
A Oitava Mulher do Barba Azul
de Ernst Lubitsch
com Gary Cooper, Claudette Colbert, Edward Everett Horton, David Niven
Estados Unidos, 1938 - 83 min
legendado em francês e eletronicamente em português | M/12

Com argumento de Billy Wilder e Charles Brackett (a partir de uma peça de 1921, já anteriormente adaptada ao cinema), é uma das mais populares e eroticamente sugestivas comédias de Lubitsch, com Gary Cooper na figura de um milionário americano, movido por obsessões e frustrações sexuais. O “Barba azul” de Cooper foi casado e divorciou-se de sete mulheres, propondo agora à jovem aristocrata falida interpretada por Claudette Colbert, que seja a oitava. Um filme de ritmo frenético, situações, movimentos e gags de antologia da arte lubitschiana da elipse, da ambiguidade, da sugestão.

23/03/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Lubitsch Americano
The Student Prince in Old Heidelberg
O Príncipe Estudante
de Ernst Lubitsch
com Ramon Novarro, Norma Shearer, Jean Hersholt
Estados Unidos, 1927 - 123 min
mudo, intertítulos em inglês legendados em português | M/12
Com acompanhamento ao piano por Filipe Raposo

É uma das obras-primas do período mudo de Ernst Lubitsch, um filme inspirado na famosa opereta de Sigmund Romberg, sobre os dias de estudante na Universidade de Heidelberg de um príncipe da Europa Central, e o seu amor por uma jovem estalajadeira a que, por dever, renuncia. À alegria esfuziante da primeira parte – uma perspetiva sobre a brevidade do prazer – segue-se a melancolia da segunda – a angústia do destino –, num contraponto genial encenado com a mestria de Lubitsch. Produzido pela MGM, e partindo de pressupostos de opereta vienense, THE STUDENT PRINCE IN OLD HEIDELBERG é um magnífico poema de amor e de morte.