CICLO
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo


Entre Roland Barthes (1915-1980), filósofo, ensaísta e pedagogo, e Hervé Guibert (1955-1991), crítico, fotógrafo e escritor de autoficções, o ponto de confluência mais incontornável terá sido, além de uma homossexualidade ferida e da morte prematura e trágica de ambos, a fotografia, arte da imagem que, em ambos, espoleta uma linguagem cravejada de desejos e de afetos. Em torno de imagens fotográficas, normalmente despidas de um artificioso “bom gosto”, o discurso de Barthes torna-se mais íntimo na obra que nos deixou à guisa de uma muito inquiridora herança crítica: A Câmara Clara. “Se ele gosta de uma fotografia, (...) é por razões íntimas, desviadas, românticas, perversas, é pelos seus defeitos (...). De facto, para cada fotografia, o que o choca é o que está errado, a anomalia, o pormenor enigmático, ou o que diz respeito à sua própria biografia ou ao seu corpo”, observou Guibert (Roland Barthes et la photographie : la sincérité du sujet, Le Monde, 28 de fevereiro de 1980) a propósito dessa obra final de Barthes. A correspondência intelectual torna-se significativa com a sequela espiritual que Guibert escreveu, já na ausência física do outrora amigo epistolar, sobre imagens que o assombram e que, por isso, só existem como coisas mentais: A Imagem Fantasma (editado recentemente em Portugal pela BCF Editores) é um poderosíssimo livro de fotografias sem fotografias mas repleto de imagens de escrita e descritas, que faz de uma “escrita da escrita” (exercício de se pensar, com a caneta, uma certa “escrita de luz”) um modo de revelação de aspetos do “eu”.
O cinema, arte que habitualmente move paixões, seria assunto controverso entre Barthes e Guibert: o primeiro confessava-se pouco interessado no fenómeno, sem ser, talvez, de um ponto de vista estritamente cultural ou antropológico, ao passo que o segundo sempre sonhou com a possibilidade de animar a sua prática como fotógrafo, realizando ficções com argumento, décors e atores de primeira água (em particular, com a amiga Isabelle Adjani). Mesmo assim ou por causa disso, Barthes foi “sugado” pela sua aversão, a ponto de participar como ator no filme do seu amigo – ex-crítico dos Cahiers du Cinéma – André Téchiné, les soeurs brontë, interpretando o romancista inglês William Makepeace Thackeray, autor de Barry Lyndon, num filme com um elenco luxuoso, em que sobressaiu Isabelle Adjani na pele de Emily Brontë. Por seu lado, “o sonho” de Guibert foi traído pelo tempo da doença que o vitimou, a sida. Todavia, pouco antes de morrer finalizou um retrato filmado, corajoso testemunho da solidão humana face à degradação física e à iminência da morte. Previamente a LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR, Guibert já se havia insinuado no mundo do cinema quando coescreveu com o realizador Patrice Chéreau o argumento de L’HOMME BLESSÉ, história da iniciação sexual de um rapaz apaixonado por um brutamontes que faz da violência e do crime um modo de vida. Já o texto mais popular de Roland Barthes, Fragmentos de um Discurso Amoroso, compêndio sobre as diferentes maneiras que encontramos para codificar – e ocultar – o mais alto e inexprimível sentimento, o amor, foi convertido recentemente num filme airoso de Claire Denis e com Juliette Binoche: Un Beau Soleil Intérieur.
O presente programa resulta de uma parceria celebrada entre a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (ICNOVA e IELT) e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CEComp). As mesmas entidades organizam, entre os dias 2 e 3 de outubro, no Auditório B1 da Faculdade de Ciênciais Sociais e Humanas, a conferência Hervé Guibert e Roland Barthes: escrita, fotografia, cinema e cultura queer, que terá como convidado internacional o escritor Brian Dillon, autor de Ensaísmo e, mais recentemente, de Affinities, que irá marcar presença na sessão inaugural deste ciclo para apresentar LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR.
 
 
02/10/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

La Pudeur ou l’impudeur
de Hervé Guibert
França, 1992 - 57 min
 
03/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

L’Homme Blessé
de Patrice Chéreau
França, 1983 - 109 min
04/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Les Soeurs Brontë
de André Téchiné
França, 1979 - 120 min
06/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Un Beau Soleil Intérieur
O Meu Belo Sol Interior
de Claire Denis
França, Bélgica, 2017 - 94 min
07/10/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

La Pudeur ou l’impudeur
de Hervé Guibert
França, 1992 - 57 min
02/10/2023, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Em colaboração com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
La Pudeur ou l’impudeur
de Hervé Guibert
França, 1992 - 57 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Sessão apresentada por Brian Dillon
Hervé Guibert fez-se conhecer como crítico de fotografia do Le Monde, antes de escrever o argumento de L’HOMME BLESSÉ, de Patrice Chéreau, e ser consagrado como escritor (publicou o seu primeiro romance em 1982). Em 1990, o seu romance autobiográfico Ao Amigo que Não me Salvou a Vida revelou a sua seropositividade e a partir daí Guibert viveu publicamente a sua doença, até aos últimos e terríveis estágios. LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR, diário filmado com vídeo, é um autorretrato final do escritor, um dos primeiros filmes a exporem de maneira franca os suplícios do corpo face ao avanço inclemente dessa doença. Estreou-se diretamente na televisão pouco tempo após o desaparecimento físico do seu autor, relançando o debate público sobre a sida. “[É] um daqueles filmes que nos perseguem durante muitos anos”, escreveu Joana Ascensão na respetiva folha de sala, redigida por altura da primeira passagem do filme na Cinemateca Portuguesa, em 2018. A exibir em cópia digital.

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03/10/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Em colaboração com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
L’Homme Blessé
de Patrice Chéreau
com Jean-Hugues Anglade, Vittorio Mezzogiorno, Roland Bertin, Claude Berri, Armin Mueller-Stahl
França, 1983 - 109 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Patrice Chéreau, conhecido pelas suas encenações teatrais e operáticas, juntou-se ao escritor e fotógrafo Hervé Guibert para escrever o argumento, premiado com um César, de um filme puxado pela pulsão descontrolada de um jovem, proveniente de uma família trabalhadora da classe média, por um homem embrutecido que faz do crime violento um modo de vida. A relação entre estes dois homens, privilegiando-se a perspetiva atordoada do jovem, é filmada como se fosse uma adicção, tal é a força do desejo de posse sobre o outro, ou um pesadelo febril vivido no tempo suspenso do verão, numa cidade deixada ao abandono e empestada pelo tédio e pelo spleen. “Chéreau supera-se no retrato que faz da atracão irracional movida pelo desejo”, notou Dave Kehr (Chicago Reader) aquando da estreia do filme. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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04/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Em colaboração com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Les Soeurs Brontë
de André Téchiné
com Isabelle Adjani, Isabelle Huppert, Marie-France Pisier, Pascal Grégory, Roland Barthes
França, 1979 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Realizando este filme sobre Charlotte, Emily e Anne Brontë, as ilustres irmãs e escritoras britânicas, André Téchiné e o seu coargumentista Pascal Bonitzer quiseram evitar as convenções habituais do filme de época e sobretudo da biografia filmada. Organizaram a estrutura narrativa a partir das lembranças de Charlotte e sobretudo quiseram fazer de Branwell, o irmão das escritoras, o centro do filme. A escolha dos atores revela cuidado e ambição, destacando-se Isabelle Adjani e Isabelle Huppert. De acordo com Luís Miguel Oliveira na respetiva folha de sala, elas são “duas das maiores atrizes francesas dos últimos trinta anos, (...) em registos duma absoluta interioridade”. Relativamente ao elenco, saliente-se ainda a presença de Roland Barthes interpretando o escritor Thackeray: “A vida é demasiado curta para a arte”, parece dizer o filósofo bem para lá do seu papel.

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06/10/2023, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Em colaboração com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
Un Beau Soleil Intérieur
O Meu Belo Sol Interior
de Claire Denis
com Juliette Binoche, Xavier Beauvois, Philippe Katerine, Gérard Depardieu
França, Bélgica, 2017 - 94 min
legendado em português | M/12
Uma análise do discurso amoroso transformada num drama quase mundano sobre uma mulher divorciada com dúvidas sobre se o amor ainda será possível quando se atinge a casa dos 50 anos. Cada (potencial) amante serve de interlocutor para essa reflexão posta em prática. O filme foi buscar inspiração direta a Fragmentos de um Discurso Amoroso, porventura a obra mais popular do pensador e escritor Roland Barthes, que refletia sobre a natureza dispersa, fragmentária e, por vezes, profundamente solitária do discurso amoroso. Filme sereno, muito open e, por causa disso, algo démodé, protagonizado por uma das atrizes mais emblemáticas do cinema francês, Juliette Binoche. Ela é, como escreveu Inês N. Lourenço (Diário de Notícias), “a luz íntima deste filme de Claire Denis. Um filme que não se prende a nenhuma estrutura ou configuração rígida, explorando esquinas narrativas assim como a protagonista explora as nuances do amor, à procura de uma cor primária, pura”. Primeira apresentação na Cinemateca.

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07/10/2023, 19h30 | Sala Luís de Pina
Hervé Guibert e Roland Barthes: Os Fantasmas do Íntimo

Em colaboração com a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
La Pudeur ou l’impudeur
de Hervé Guibert
França, 1992 - 57 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Hervé Guibert fez-se conhecer como crítico de fotografia do Le Monde, antes de escrever o argumento de L’HOMME BLESSÉ, de Patrice Chéreau, e ser consagrado como escritor (publicou o seu primeiro romance em 1982). Em 1990, o seu romance autobiográfico Ao Amigo que Não me Salvou a Vida revelou a sua seropositividade e a partir daí Guibert viveu publicamente a sua doença, até aos últimos e terríveis estágios. LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR, diário filmado com vídeo, é um autorretrato final do escritor, um dos primeiros filmes a exporem de maneira franca os suplícios do corpo face ao avanço inclemente dessa doença. Estreou-se diretamente na televisão pouco tempo após o desaparecimento físico do seu autor, relançando o debate público sobre a sida. “[É] um daqueles filmes que nos perseguem durante muitos anos”, escreveu Joana Ascensão na respetiva folha de sala, redigida por altura da primeira passagem do filme na Cinemateca Portuguesa, em 2018. A exibir em cópia digital.

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