De 15 a 18 de setembro, no Porto, o Cinema Trindade apresenta o ciclo especial
“Luís Filipe Rocha: Os Primeiros Filmes”. Quatro longas-metragens, produzidas entre 1976 e 1984, que foram para o realizador como uma escola de cinema, uma aprendizagem pela prática que consolidou a sua abordagem e visão, explorando diversos géneros, temas e territórios.
O ciclo abre com CERROMAIOR (1980) no dia 15 às 19h00, sessão que contará com uma conversa com o realizador após a projeção. No dia 16 às 19h30, terá lugar a estreia mundial da nova cópia digital de BARRONHOS: QUEM TEVE MEDO DO PODER POPULAR? (1976), em sessão apresentada por Luís Filipe Rocha. Dia 17 às 19h30, será exibido o filme SINAIS DE VIDA (1984), sobre a vida e obra do escritor Jorge de Sena. Dia 18 às 19h30, fecha-se o ciclo com A FUGA (1977), ficção baseada na conhecida fuga de António Dias Lourenço da Fortaleza de Peniche.
Estes quatro filmes serão exibidos em novas cópias digitais, com distribuição por parte da Cinemateca Portuguesa e resultado do seu plano de digitalização do cinema português.
Luís Filipe Rocha descreve assim a relação que tem com os seus primeiros filmes:
“Em 1970, perto de cumprir 23 anos de vida, fui convidado pelo José Fonseca e Costa para trabalhar como ator na sua primeira longa-metragem, O RECADO. Até então, jamais sonhara fazer cinema, mas a ficção — a arte de contar histórias — sempre me atraiu e fascinou: desde a infância e até hoje, na literatura; a partir da adolescência e até ao cinema, no teatro. A mecânica humana, técnica e artística da criação cinematográfica, que adivinhei no platô da rodagem de O RECADO, teve em mim o efeito do que imagino ser uma epifania.
Entre janeiro de 1971 e abril de 1974, a guerra colonial portuguesa obrigou-me a algumas viravoltas intercontinentais, aventurosas e enriquecedoras, que culminaram no exílio. Pelo caminho, creio que comecei a ver filmes com outro olhar e, secreta e envergonhadamente, muito de vez em quando, a imaginar fazê-los algum dia. Esse dia chegou com o 25 de Abril, com o meu regresso a Portugal, cansado do teatro, disponível para aproveitar a oportunidade que a liberdade recuperada e o entusiasmo coletivo de erguer um país novo me ofereceram: poder aprender cinema fazendo-o.
Consciente da minha ignorância profissional (técnica e artística), estabeleci prudentes e modestas etapas de aprendizagem e crescimento: comecei por realizar, entre 1974 e meados de 1975, pequenos documentários a preto e branco e com meios muito frugais, sobre a atualidade nacional, para a única televisão então existente (RTP); quando me senti mais confiante, atrevi-me a fazer o meu primeiro filme, BARRONHOS – QUEM TEVE MEDO DO PODER POPULAR?, um documentário dramatizado sobre um crime de morte num bairro de lata, durante o Verão Quente de 1975; a seguir, em 1977, voltei ao preto e branco, e realizei a primeira longa-metragem de ficção, A FUGA, baseada numa fuga real de um preso político do forte de Peniche; em 1979, adaptei o romance
Cerromaior, de Manuel da Fonseca, um escritor que sempre admirei; e em 1982/84, dediquei o meu quarto filme, SINAIS DE VIDA, à vida e obra de um grande escritor, poeta e pensador do século XX português, Jorge de Sena. A seguir, voltei a sair de Portugal e parei de filmar por quase 7 anos, embora continuando a escrever e a tentar concretizar alguns projetos, acabando por realizar um deles… na China.
Vejo os meus quatro primeiros filmes como “exercícios preparatórios” de criação cinematográfica, nos quais fui descobrindo, expressando e afirmando o meu olhar e a minha voz, os meus temas nucleares e recorrentes, o meu estilo, a minha forma de narrar e de comunicar humanamente através do cinema. Todos os filmes que se lhes seguiram brotaram desses quatro filmes “iniciais, inteiros e limpos”, numa evocação sentida das palavras imorredouras de Sophia de Mello Breyner Andresen.”