Os arbustos que cedem à passagem de O`Brien, a atmosfera onírica, a sensação de pecado que emerge das imagens e Margaret Livingston a retocar o rosto e os lábios, assim que se apercebe da aproximação daquele, tudo demonstrado de forma exclusivamente visual, sem a protecção de qualquer som.
Depois há os beijos e vamos percebendo – sempre e só, através da força das imagens - o domínio que aquela mulher, vestida de preto (difusamente iluminada, por contraste com a claridade que sempre recai sobre a simples Janet Gaynor), tem sobre a personagem de George O`Brien e a forma como este dificilmente resiste aos seus encantos.
Exemplo paradigmático disso, é como apesar de, ao princípio, se horrorizar com a sugestão que ela lhe faz de matar a mulher, acabar por admitir essa realidade, assim que vislumbra, num espantoso plano sobreposto, a loucura da movida da cidade e as possibilidades que se lhe abrem quando antevê a possibilidade de a gozar com uma mulher tão atraente e apetitosa.
Por isso, gosto tanto desta fotografia.
O`Brien, vergado ao fascínio do
mal, irreversivelmente seduzido pela perversidade absoluta daqueles olhos negros, do cabelo preto, do chapéu escuro, da blusa preta, das pernas com meias de rede, dos sapatos de salto alto e de tudo o que este conjunto promete em conjugação com as delícias do mundo da cidade.
Sabemos todos a continuação da história e como O`Brien passará todo o filme a gerir a culpa de ter preparado o assassínio da sua mulher, a procurar redimir-se e como encara o naufrágio desta como uma punição pelo seu anterior comportamento.
Naquela tarde de Outubro de 1981, estava ainda longe de saber que a culpa seria um conceito que me apaixonaria e que me iria perseguir a vida toda em termos profissionais.
Em
Sunrise, esse percurso
criminal, de luta entre a
honesta ruralidade e a
maldade citadina, de culpa e redenção, começa nessa sublime sequência inicial, que esta fotografia reproduz parcialmente.
Também foi com
Sunrise, que iniciei um percurso do qual me orgulho como pessoa.
Sunrise foi o primeiro dos muitos filmes que vi na Cinemateca, a casa onde aprendi a ver cinema.
Também por isso,
Sunrise é um dos filmes da minha vida.
Renato Barroso
Juiz Desembargador
Tipologia documental: prova fotográfica
Dimensões: 20,5x25,5 cm
Cota: P1-12082