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Assunto: In Memoriam
Data: 15/03/2022
Jorge Silva Melo
Jorge Silva Melo
Perdemos uma referência absoluta, além mesmo do teatro, além mesmo do cinema, porque foi uma referência moral, para não dizer “política”, no único sentido – precisamente o de uma “moral” - em que creio que a palavra mais resistiu para toda uma geração. Fez tudo o que se pode fazer no teatro, mas fez também grande cinema. Não acreditem que, como às vezes se ouve, por ser gigantesco num, não poderia sê-lo no outro. Acreditem antes que foi mais um daqueles para quem o país foi injustamente pequeno, mais um dos que, insistindo em trabalhar aqui, não cabia nos limites deste “aqui”. Na última vez que esteve na Cinemateca (antes da interrupção do ciclo que lhe era dedicado, em março de 2020) falou do gosto que sentia no teatro, e que sentiu menos no cinema, pelo verdadeiro trabalho em equipa. É uma explicação que se percebe, mas que traz consigo o amargo de uma história não totalmente contada, porventura impossível de contar por quem decidiu não ser derrotado por ela. 
“Passagem ou a meio caminho” é um filme perfeito, e porventura o único que falou realmente, e como era preciso falar, dessa geração. “Agosto” é um filme perfeito, que mostrou, a quem pudesse ter dúvidas, o muito mais que o seu autor poderia ter feito no espaço do cinema europeu. Está lá tudo, no “Passagem”, incluindo as mil ideias que podemos ler na expressão “a meio caminho”: a ideia da imersão no tempo que corre, a ideia de uma urgência que, acomodaticiamente, vamos deixando cair («quando é que deixámos de usar a palavra “urgência”?»), a capacidade para usar o cinema naquilo em que é mais insubstituível, ou insuperável, que é a de registar a própria sensação da vida que passa (a menção de Büchner/Lucas à frase de Paul Cézanne “há um minuto do mundo que está a passar – pinta-o como ele é”). Como tínhamos previsto, iremos acabar o ciclo interrompido. Vamos voltar aos seus filmes. Venham ver os seus filmes!


José Manuel Costa


Clique para ver a conversa com Jorge Silva Melo na abertura do Ciclo “Jorge Silva Melo – Viver Amanhã como Hoje” (dia 10 de março de 2020, sala M. Félix Ribeiro)