Alberto Seixas Santos
Há neste contemporâneo da geração inicial do Cinema Novo Português um tempo que o distingue de todos os outros. Esse tempo não é o da criação, ou o da reflexão, mas o da tensão permanente entre as duas. Ninguém desta geração pôde filmar muito, mas, por motivos que não são apenas contextuais, Alberto Seixas Santos apenas realizou até hoje seis longas-metragens num intervalo de trinta e seis anos entre a primeira e a última, uma das quais (A Lei da Terra) foi assumida como obra coletiva. Nesse número, e acima de tudo na natureza dos seus filmes e de todo o seu trabalho no cinema, ficou evidente uma tal tensão, que fez da sua obra, ao mesmo tempo, algo demasiado racional para dispensar um constante trabalho das formas e algo demasiado visceral para pôr à cabeça a ideia de perfeição. A perfeição, encontrou-a em alguns títulos (de que Gestos & Fragmentos é claro exemplo, como adiante se verá também para o próprio), sem que em todos se deixe de sentir a luta entre a coerência formal e uma qualquer forma de impaciência que a põe em causa. O seu é assim um percurso de risco, feito de experiências nunca repisadas (mais discreto do que contínuo), em que cada filme é sempre uma etapa sólida e densa tanto quanto complexa e rica de contradições. De título para título, há um intervalo e uma rutura, que têm correspondência nas ruturas internas dos filmes, onde nunca há só um nível de representação e são para ver as fraturas da construção. Gestos, fragmentos, grupo zero: o que este cinema dá a ver é também a sua própria matéria, sublinhando o concreto e a materialidade dos gestos tanto quanto do ato de filmá-los – sendo portanto coerente que, na altura em que o contexto pediu ao autor, como a todos, um ainda maior comprometimento social e político, este lhe tenha respondido interrogando os fundamentos e as relações éticas do ato de filmar. Por outro lado ainda, desde o seu início este é um cinema sobre o presente e a História, primeiro de modo explícito e depois, cada vez mais, pelo modo como aborda as transformações da nossa vivência coletiva sob um ponto de vista que parece ser já também de síntese ou com recuo histórico. Esse recuo, ou, de novo, essa tensão entre tempos (um tempo presente filmado com uma densidade de tempo histórico), incide portanto tanto sobre o cinema como sobre o país, dando à obra no seu conjunto um óbvio caráter de ensaio sobre os dois. Nisso, Alberto Seixas Santos não foi o único entre nós, antes pelo contrário; mas de facto, quem mais terá levado a este extremo o binómio cinema-Portugal como tema central, porventura único, da respetiva obra?