CICLO
Luis Miguel Cintra: O Cinema


Luis Miguel Cintra escreveu sobre as razões das suas escolhas para esta carta branca no texto que em baixo publicamos na íntegra. Ressalva para as indicações aos filmes que não integram o programa final, fechado num momento posterior à escrita do texto, que revelam a seleção de início idealizada por Luis Miguel Cintra.
 
Se fui eu que levei o Jorge Silva Melo para o teatro foi ele quem me levou ao cinema. Estamos quites.
Mas foi com certeza com Manoel de Oliveira, apesar de ele falar de Méliès, que percebi que o cinema não filma ficções como os romances dão em filmes, filma o que tem diante dos olhos, às vezes com aqueles pozinhos mágicos que transformam a vida em ilusão. São sonhos. Como aquilo que o realizador tem nos olhos, aquela poeira que se chama ilusão. Filma sonhos, ou filma a vida que é de outro autor. A vida é sonho. Quem se põe diante da câmara são os atores, que se olharmos bem para eles, nos podem ilusionar. Sim, filma quem pode provocar ilusões: os atores. E como o que se filma é o que há, quando nos dão a ver atores, ou seja, pessoas incomuns, extraordinários, gosto muito. As mulheres são muito vaidosas, já se sabe, julgam que perante os homens devem cuidar de si próprias. Dá bom resultado pensar que a câmara é um espelho. São as melhores atrizes, péssimas esposas, difíceis colegas de trabalho. Pensei tudo isto porque para escolher filmes comecei por escolher atrizes. E acabei por ficar com uma lista de grandes realizadores e quem as sonharam e talvez uma seleção de grandes clássicos.
O pudor poupa-vos a ouvir-me contar com que homens sonhei; Charlie Chaplin, James Mason, Alain Delon, Jacques Perrin, os homens do Vangelo?
Pensei logo, e reincidi, na mais mãe de todas as mães, a nossa mãe, MAMMA ROMA de uma espécie de companheiro/mestre imaginário: Pier Paolo Pasolini.
E a ROMA, CIDADE ABERTA do Rosselini (de quem só por causa de ter saudades da Magnani diante da Bergmann, não incluo a VIAGEM A ITÁLIA e o SANTO DOS POBREZINHOS, os dois filmes que os católicos deviam ver todos os dias, apesar da nórdica). Não escolhi, mas cá por mim faço a lista ainda maior e escolhia pensando nos católicos, todos os Pasolinis. Voltando à Magnani, vem ainda a “mamma” num Visconti dos pobres e a preto e branco, e vem um a cores e de um génio, Jean Renoir, que era amigo dum amigo, o Paulo Rocha que gostou ainda mais da Isabel Ruth (e como a vi nos VERDES ANOS, não sei se não faria de facto inveja à Magnani), filme esse em que nos ensina a pôr cada coisa em seu lugar e o seu melhor lugar seria com os dois pés bem assentes na terra, onde toda a gente é boa. E é o filme que disse ao João Bénard que era o filme da minha vida e afinal não era. Era um filme que tirava toda a proa ao teatro, substituía o artifício ou trazia-o para a vida, e mandava o ouro às urtigas: LE CARROSSE D’OR. Vem depois outra reincidente: Jeanne, Jeanne Moreau. Que das estrelas mesmo foi a única que tive a sorte de conhecer e de reconhecer quem pela sua simples presença se torna também autora dos filmes em que representa. Escolho dois filmes ásperos, difíceis de amar, impossível deixar de amá-los: QUERELLE de Rainer Werner Fassbinder e HISTOIRE IMMORTELLE de Orson Welles. E duas americanas que nos levariam até ao fim do mundo que é o céu, “way above”, a Judy Garland de A STAR IS BORN, de George Cukor (agora sim um grande elogio ao teatro), e THE SEVEN YEAR ITCH com a Marilyn com o poema de Ruy Belo a acompanhá-la e o poema que o Ruy Belo lhe fez. “Last but not the least”, com a mais desumana das vedetas, e a menos católica de todas as atrizes, Agente X27 de Joseph von Sternberg.
Passo para mais quatro filmes que veria sem cessar e de que gosto porque reconstroem o mundo, tentam falar da História, esses sim, com a carga que os mitos têm, são como a Ilíada e a Odisseia, OS PÁSSAROS de Hitchcock e PLAYTIME de Jacques Tati. E mais dois que são como a Bíblia, ou que a acompanham: A PALAVRA de Dreyer e O ACTO de Manoel de Oliveira. Ora aí estão quatro grandes elegantes, quatro grandes senhores: Tati, Hitchcock, Dreyer e Oliveira. Grandes, grandes artistas.

Luis Miguel Cintra
 
 
22/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

The Seven Year Itch
O Pecado Mora ao Lado
de Billy Wilder
Estados Unidos, 1955 - 105 min
 
27/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

The Birds
Os Pássaros
de Alfred Hitchcock
Estados Unidos, 1963 - 120 min
28/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Le Carrosse d’Or
A Comédia e a Vida
de Jean Renoir
França, Itália, 1952 - 100 min
29/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Acto da Primavera
de Manoel de Oliveira
Portugal, 1962 - 90 min | M/12
30/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Dishonored
Fatalidade
de Josef von Sternberg
Estados Unidos, 1931 - 91 min
22/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Carta Branca
The Seven Year Itch
O Pecado Mora ao Lado
de Billy Wilder
com Marilyn Monroe, Tom Ewell, Evelyn Keyes, Sonny Tufts
Estados Unidos, 1955 - 105 min
legendado eletronicamente em português | M/12
O primeiro encontro de Billy Wilder com Marilyn é logo marcado por uma divertida paródia ao mito da vedeta, com uma personagem que não tem nome e corresponde aos fantasmas eróticos dos espectadores, materializados na figura de Tom Ewell, vizinho dessa loura de sonho, num momento em que tem a mulher ausente em férias. Marilyn estava no auge da fama e este é um dos seus mais célebres e citados filmes. É ainda o filme da mais icónica das suas cenas, de vestido branco esvoaçante a refrescar-se num respiradouro de metropolitano no sufocante verão que THE SEVEN YEAR ITCH retrata. A cena foi filmada em setembro de 1954 numa rua de Nova Iorque. A apresentar em cópia digital.
 
27/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Carta Branca
The Birds
Os Pássaros
de Alfred Hitchcock
com Tippi Hedren, Rod Taylor, Jessica Tandy, Susanne Pleshette
Estados Unidos, 1963 - 120 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Um dos maiores êxitos públicos de Hitchcock e uma das suas obras mais perfeitas. Adaptado de um conto de Daphne du Maurier, THE BIRDS segue a personagem de Tippi Hedren na ida à cidade costeira de Bodega Bay e ao encontro de uma estranha revolta de pássaros que começam a atacar as pessoas. Como estrelas dos efeitos especiais deste filme, elaboradas miniaturas de pássaros, que foram combinadas com pinturas e uso de retroprojeção. “Tudo acontece sem causa, ou, usando o conceito equivalente no campo moral, sem culpa. No termo dum processo que nos foi progressivamente mostrando ilusórias aparências dessa culpa. THE BIRDS desmonta essa mesma aparência e coloca-nos face ao vazio mais radical” (João Bénard da Costa).
 
28/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Carta Branca
Le Carrosse d’Or
A Comédia e a Vida
de Jean Renoir
com Anna Magnani, Duncan Lamont, Edoardo Spadaro
França, Itália, 1952 - 100 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Baseado numa peça de Merimée, que estabelece paralelos entre a comédia e a vida, como diz o título português, é a primeira das três obras estilizadas e “mozartianas” que Renoir realizaria de enfiada nos anos cinquenta, ao lado de ELENA ET LES HOMMES e FRENCH CANCAN. Longe da tensão entre realismo e artifício que carateriza a sua produção dos anos trinta, é um filme que assume o seu aspecto teatral e artificial. Foi realizado em três versões – inglesa, francesa e italiana – sempre com os mesmos atores, daí que tenha também os títulos LA CAROZZA D’ORO e THE GOLDEN COACH. Renoir considerava a versão inglesa como a mais autêntica e é esta que apresentamos.
 
29/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Carta Branca
Acto da Primavera
de Manoel de Oliveira
com com habitantes da aldeia da Curalha
Portugal, 1962 - 90 min | M/12
ACTO DA PRIMAVERA fixa uma representação da Paixão de Cristo numa aldeia de Trás-Os-Montes, e mostra também, de forma magistral, a impercetível passagem do quotidiano à representação do sagrado e o regresso ao quotidiano, confundindo o ritual com a representação. Também programado em “Filmes Portugueses Legendados” na versão legendada em francês, a 6, às 18h30.
 
30/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Carta Branca
Dishonored
Fatalidade
de Josef von Sternberg
com Marlene Dietrich, Victor McLaglen, Lew Cody, Warner Oland, Gustav von Seyffertitz
Estados Unidos, 1931 - 91 min
legendado em português | M/12
No “duelo” que as duas divas dos anos trinta, Marlene e Greta Garbo, travaram por imposição dos estúdios (Paramount e MGM, respetivamente), DISHONORED é uma resposta a MATA HARI, interpretada pela segunda. E é imensamente superior, não só pela qualidade da encenação de Sternberg, naquele que talvez seja o seu filme mais venenoso e fetichista, como pela imagem transmitida por Marlene Dietrich, de um erotismo inultrapassável, na figura de uma espia (Agente X27) que se deixa matar por amor durante a Primeira Guerra Mundial. A cena do fuzilamento é uma das mais provocantes do cinema americano antes do código da censura.