CICLO
James Gray em Contexto


O cinema americano mudou muito, e quase radicalmente, no século XXI. Uma nova demografia (o público adolescente) e uma nova economia (o “blockbuster”, o filme de super-heróis e efeitos digitais) tomaram conta da sua primeira linha, no mesmo passo em que aquela que foi provavelmente a sua última grande geração (a dos anos 70) foi saindo de cena, por vontade própria (como Coppola) ou por falta de espaço (Bogdanovich, Schrader, De Palma, para não mencionar o quase criminoso caso de Michael Cimino, tornaram-se figuras secundárias em Hollywood). Talvez só Scorsese, e de modo diferente Spielberg, tenham conseguido resistir mais ou menos incólumes – mas em todo o caso a questão põe-se: quem colheu o testemunho dessa geração?
A resposta não é fácil, mas há um nome que se impõe: James Gray. Nascido em 1969, ele é hoje o mais claro herdeiro de um cinema que se atribui a si próprio a missão de narrar o grande mosaico da História americana a partir de temas e obsessões pessoais, e de o fazer com um sentido profundo da tradição em que se insere. Desde Little Odessa, que realizou com 25 anos em 1994 e logo conquistou um Leão de Prata em Veneza, que James Gray não faz outra coisa, interrogando alguns pilares da sociedade americana (a família, por todos) à luz, muita própria, da natureza heteróclita dessa sociedade (e Gray filma a imigração russa, aliás a origem remota da sua família, de uma forma aproximável da maneira como Coppola ou Scorsese filmaram a imigração italiana). É uma obra curta e espaçada no tempo, apenas seis longas-metragens em 23 anos, mas que nesse intervalo também exprime o enorme cuidado com que Gray trata cada novo filme, e a sua indisponibilidade para filmes indiferentes.
É portanto uma boa altura para ver e reflectir sobre o conjunto desta obra. Gray tem 48 anos, a mesma idade que Scorsese tinha quando a Cinemateca primeiro lhe dedicou uma retrospectiva, e mais dois anos do que Coppola tinha quando organizámos, nos anos 80, um ciclo Coppola em Contexto. Como nesses casos, não há nada de prematuro. Mostraremos toda a obra de Gray à excepção do último filme, Lost City of Z (ainda em cartaz nas salas do circuito comercial português), e juntamos um punhado de filmes (de Cimino a Coppola, de Visconti a King Vidor) com que a obra do cineasta tem dialogado, até numa perspectiva deliberada de relacionamento com o legado do cinema clássico – e como escreveu Jean Douchet, citado numa das notas que se seguem, “os filmes de James Gray, no seu pensamento como na sua expressão, são obras clássicas que reinventam a nossa conceção do classicismo. São, portanto, inteiramente modernos”.
 
04/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo James Gray em Contexto

Little Odessa
Viver e Morrer em Little Odessa
de James Gray
Estados Unidos, 1994 - 98 min
06/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo James Gray em Contexto

Komonosu-jo
O Trono de Sangue
de Akira Kurosawa
Japão, 1957 - 110 min
07/07/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo James Gray em Contexto

Heaven’s Gate
As Portas do Céu
de Michael Cimino
Estados Unidos, 1980 - 219 min
08/07/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo James Gray em Contexto

The Yards
Nas Teias da Corrupção
de James Gray
Estados Unidos, 2000 - 115 min
 
11/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo James Gray em Contexto

War and Peace
Guerra e Paz
de King Vidor
Estados Unidos, 1956 - 208 min
 
04/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
James Gray em Contexto
Little Odessa
Viver e Morrer em Little Odessa
de James Gray
com Tim Roth, Edward Furlong, Maximilian Schell, Vanessa Redgrave
Estados Unidos, 1994 - 98 min
legendado electronicamente em português | M/16
O filme que revelou James Gray, que tinha apenas 25 anos à data da estreia e de imediato conquistou um Leão de Prata no Festival de Veneza. Ambientado no subúrbio nova-iorquino de Brighton Beach, LITTLE ODESSA trata dos temas preferidos do autor: as comunidades imigrantes de origem russa, e as variações sobre a parábola do filho pródigo (também desenvolvidas em THE YARDS, WE OWN THE NIGHT, TWO LOVERS), através da história de dois irmãos em que o mais velho é um assassino a soldo da máfia, um pai e uma mãe moribunda. Interpretações admiráveis do quarteto protagonista (Furlong, Roth, Schell, Redgrave), e uma construção imaculada que devolve à mise en scène, no seu sentido mais clássico, um papel essencial. A atmosfera invernosa – que foi mais um acaso do que uma intenção à partida – permite a Gray arrancar algumas sequências soberbas com o branco da neve e o vermelho do sangue.
 
06/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
James Gray em Contexto
Komonosu-jo
O Trono de Sangue
de Akira Kurosawa
com Toshiro Mifune, Isuzu Yamada
Japão, 1957 - 110 min
legendado em espanhol | M/12
Também conhecido como “O CASTELO DA ARANHA”, KOMONOSU-JO foi realizado no apogeu da carreira e da obra de Kurosawa e adaptou Macbeth, de Shakespeare, cuja trama segue fielmente (apesar de diferenças de pormenor), transpondo-a para um contexto japonês. O filme ilustra e renova o cinema japonês “de época” (jidai-geki), de que o próprio Kurosawa foi mestre e é dos mais perfeitos e singulares de toda a sua obra. KOMONOSU-JO é um dos seus filmes mais belos, mas a sua beleza vem do uso de muito poucos elementos visuais: a bruma, a chuva, o vento, as árvores, com uma fotografia a preto e branco fortemente contrastada. Um dos pontos culminantes do cinema de Kurosawa e uma das melhores adaptações de Shakespeare ao cinema.
 
07/07/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
James Gray em Contexto
Heaven’s Gate
As Portas do Céu
de Michael Cimino
com Kris Kristofferson, Christopher Walken, Isabelle Huppert, Jeff Bridges, Joseph Cotten
Estados Unidos, 1980 - 219 min
legendado em espanhol | M/12
A sessão decorre com intervalo
Um filme envolto em aura de mistério e polémica, devido aos atropelos que sofreu, e que o inclui, ao lado de GREED, WALKING DOWN BROADWAY, THE MAGNIFICENT AMBERSONS e THE RED BADGE OF COURAGE, na lista dos filmes mais “massacrados” de sempre, em remontagens impostas pelos produtores. A versão distribuída reduziu-o a 149 minutos. A carreira de Michael Cimino nunca mais se endireitou, mas o tempo encarregou-se de deixar clara a enorme injustiça que marcou o acolhimento do filme, hoje, e muito nitidamente, uma peça crucial de todo o cinema americano, em especial daquele que, como o de Griffith ou o de Ford, interrogou obsessivamente as origens, históricas e mitológicas, da nação americana. James Gray cita-o, discreta mas explicitamente, em LITTLE ODESSA, sinalizando a importância de HEAVEN’S GATE, formal e tematicamente, na sua própria obra. Vamos ver a versão integral de 219 minutos desta saga sobre a guerra no condado de Jackson, no Wyoming, entre rancheiros e colonos imigrantes no século XIX.
 
08/07/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
James Gray em Contexto
The Yards
Nas Teias da Corrupção
de James Gray
com Mark Wahlberg, James Caan, Joaquin Phoenix, Charlize Theron
Estados Unidos, 2000 - 115 min
legendado em português | M/12
Foi THE YARDS, segunda longa-metragem de James Gray, que juntou Gray e os atores Mark Wahlberg e Joaquin Phoenix, um “trio” que voltou a reunir-se sete anos depois para WE OWN THE NIGHT / NÓS CONTROLAMOS A NOITE. THE YARDS é uma história de Nova Iorque, de família e crime organizado, em grande parte filmada nos subúrbios da cidade. Do elenco constam ainda James Caan, Faye Dunaway, Ellen Burstyn.
 
11/07/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
James Gray em Contexto
War and Peace
Guerra e Paz
de King Vidor
com Audrey Hepburn, Henry Fonda, Mel Ferrer, Vittorio Gassman, Anita Ekberg, Oskar Homolka, Herbert Lom, John Mills
Estados Unidos, 1956 - 208 min
legendado electronicamente em português | M/12
A sessão decorre com intervalo
A melhor adaptação ao cinema do clássico de Tolstoi, onde Audrey Hepburn é a mais bela materialização de Natasha. Fonda e Ferrer são, respetivamente Pedro e André, os dois homens que giram à volta dela. Um prodígio de encenação com sequências inesquecíveis como o baile de Natasha, o incêndio de Moscovo e a retirada do exército napoleónico. Provavelmente a mais conseguida recriação americana de um universo “russo”, ou pelo menos de um universo banhado numa ideia (estética, filosófica) da cultura russa clássica, elementos que também encontramos muito frequentemente no cinema de James Gray.