CICLO
Glauber Rocha


Quando Glauber Rocha morreu, aos 42 anos, em 1981, Serge Daney escreveu no Libération: “De todos os grandes perturbadores do cinema moderno, ele era sem dúvida aquele que estava mais longe de nós”. De facto, ao morrer, o cineasta brasileiro estava muito isolado e parecia pertencer ao passado. E, no entanto, Glauber Rocha fora uma das mais fulgurantes figuras dos novos cinemas dos anos sessenta, a personalidade mais conhecida do Cinema Novo brasileiro, que deu que falar junto à crítica internacional. A sua carreira começou verdadeiramente com o segundo filme, DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL que causou sensação no Festival de Cannes em 1964. Três anos depois, TERRA EM TRANSE, bastante diferente, causaria uma imensa polémica no Brasil, que ultrapassou as fronteiras do cinema e marcou o apogeu do prestígio do realizador. Mas O DRAGÃO DA MALDADE E O SANTO GUERREIRO, mais conhecido como ANTONIO DAS MORTES, foi atacado pelos cineastas brasileiros undergound, que o consideraram académico e decorativo. Depois da apresentação deste filme no Festival de Cannes em 1969, onde recebeu o prémio de melhor realização ex aqueo, diante de um júri presidido por Luchino Visconti, Glauber Rocha preferiu exilar-se, devido à violenta repressão política que se abatera sobre o Brasil em fins do ano anterior. Ficaria sete anos num exílio que o levou a França, Itália e Cuba. E neste período, o seu cinema mudou radicalmente, tornando-se cada vez mais alegórico: DER LEONE HAVE SEPT CABEZAS, CABEZAS CORTADAS, CLARO. Ao regressar ao Brasil em 1976, é recebido com efusão e realiza uma brilhante curta-metragem, DI CAVALCANTI. Mas em breve torna-se uma figura altamente polémica e contestada, tornando-se objeto de uma certa rejeição. Realiza uma ambiciosa longa-metragem, A IDADE DA TERRA, apresentada no Festival de Veneza, onde foi pessimamente recebida. Decide então permanecer na Europa, primeiro em Paris e depois em Sintra, onde trabalhou num argumento sobre Os Maias. Patrick Bauchau realizou então um documentário sobre ele, significativamente intitulado SINTRA IS A BEAUTIFUL PLACE TO DIE. Em agosto de 1981, Glauber Rocha regressaria ao Rio de Janeiro em estado de coma e morreria no dia seguinte. Há trinta e um anos, Serge Daney concluía o seu artigo necrológico da seguinte maneira: “Ele desnorteou, inventou, chocou, dececionou. Nada cedeu do seu desejo. Com obstinação, nunca deixou de fazer uma pergunta, que temo se tenha tornado obsoleta: o que seria um cinema que não devesse nada aos Estados Unidos? Talvez seja perguntar demais. Mas quem responderá?”. A sua obra veemente continua cercada por um misto de veneração (é praticamente proibido criticá-lo no Brasil) e incompreensão. Este Ciclo talvez contribua para indicar se Glauber Rocha está mais ou menos “longe de nós” do que em 1981.

24/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Glauber Rocha

História do Brasil
de Glauber Rocha, Marcos Medeiros
Cuba, Itália, 1972-73 - 160 min
 
25/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Glauber Rocha

O Dragão da Maldade contra O Santo Guerreiro / Antonio das Mortes
de Glauber Rocha
Brasil, 1969 - 95 min
 
26/09/2012, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Glauber Rocha

A Idade da Terra
de Glauber Rocha
Brasil, 1980 - 151 min
26/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Glauber Rocha

Claro
de Glauber Rocha
Itália, 1975 - 106 min
27/09/2012, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Glauber Rocha

Curtas-metragens de Glauber Rocha
duração total da sessão: 54 min
24/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Glauber Rocha

Em colaboração com Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e Cinemateca Brasileira (São Paulo)
História do Brasil
de Glauber Rocha, Marcos Medeiros
Cuba, Itália, 1972-73 - 160 min
legendado em espanhol

Ambicioso work in progress correalizado com um ex-líder estudantil brasileiro exilado, HISTÓRIA DO BRASIL tem uma narração em off permanente, em alta velocidade, que retraça e comenta a História do Brasil desde o desembarque de Pedro Álvares Cabral em 1500 até o regime militar instalado em 1964. Em contraponto, as imagens, vindas das fontes mais diversas (filmes de ficção, atualidades cinematográficas), não ilustram de modo direto a catarata de palavras do comentário.

25/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Glauber Rocha

Em colaboração com Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e Cinemateca Brasileira (São Paulo)
O Dragão da Maldade contra O Santo Guerreiro / Antonio das Mortes
de Glauber Rocha
com Maurício do Valle, Odete Lara, Lorival Pariz, Antonio Piranga
Brasil, 1969 - 95 min

Mais conhecida como ANTONIO DAS MORTES, esta primeira longa-metragem a cores de Glauber Rocha amplia o universo de DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL, com uma mise-en-scène que tem alguns pontos em comum com o western spaghetti. O filme aproxima certos mitos populares brasileiros e a alegoria política. O protagonista, Antonio das Mortes, assassino por contrato a serviço dos poderosos, já surgira em DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL. Mas desta feita acaba por se voltar contra eles e massacra os representantes da ordem estabelecida. “ANTONIO DAS MORTES é o meu ALEXANDRE NEVSKI, é o ALEXANDRE NEVSKI do sertão, a ópera global inspirada pelas lições de Eisenstein” (Glauber Rocha).

26/09/2012, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Glauber Rocha

Em colaboração com Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e Cinemateca Brasileira (São Paulo)
A Idade da Terra
de Glauber Rocha
com Tarcísio Meira, Jece Valadão, Ana Maria Magalhães, Maurício do Valle
Brasil, 1980 - 151 min

Último filme de Glauber Rocha, pessimamente recebido no Festival de Veneza, onde foi apresentado numa versão de 160 minutos. Obra sem nenhuma forma de narrativa, absolutamente alegórica e enigmática, que obriga cada espectador a trazer a sua própria chave para nela penetrar. Filmado em diversas regiões do Brasil, escolhidas pelo seu caráter simbólico, o filme mostra figuras como um Anticristo, quatro Cristos (um negro, um índio, um militar e um guerrilheiro), uma rainha das amazonas, um diabo. “Trabalho com a surpresa, o exorcismo das emoções, a catarse do ator. Como se fosse um psicanalista”, declarou o cineasta a propósito deste filme.

26/09/2012, 22h00 | Sala Luís de Pina
Glauber Rocha

Em colaboração com Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e Cinemateca Brasileira (São Paulo)
Claro
de Glauber Rocha
com Juliet Berto, Carmelo Bene, Luis Maria Olmedo
Itália, 1975 - 106 min
legendado eletronicamente em português

Inteiramente rodado em Roma, o último filme realizado por Glauber Rocha antes do seu regresso ao Brasil é o menos visto entre todos aqueles que fez e suscitou indiferença ao ser apresentado à época. Entre os personagens: o Papa, dois irmãos gémeos, um soldado americano vindo do Vietname, um travesti, incarnado por Carmelo Bene. Sylvie Pierre, amiga e admiradora incondicional do cineasta, comenta: “CLARO não é claro, sobretudo se quisermos perceber o que Glauber Rocha ‘quer dizer’. Creio que o filme não tem chave, tem apenas grandes portas arrombadas e fechadas. Alucinação ou lucidez? Em todo caso, uma nova forma do conflito entre poesia e política que já surgira em TERRA EM TRANSE”.

27/09/2012, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Glauber Rocha

Em colaboração com Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura e Cinemateca Brasileira (São Paulo)
Curtas-metragens de Glauber Rocha
duração total da sessão: 54 min

PÁTIO

Brasil, 1959

12 min
AMAZONAS AMAZONAS

Brasil, 1966

15 min
MARANHÃO 66

Brasil, 1966

11 min

DI CAVALCANTI
Brasil, 1976 

16 min

de Glauber Rocha


Este programa reúne as curtas-metragens realizadas por Glauber Rocha ao longo de dezoito anos (duas outras ficaram incompletas e de JORJAMADO NO CINEMA perderam-se os negativos originais e não existe hoje cópia projetável). PÁTIO é um filme surpreendente vindo do seu realizador, uma obra purista e abstrata, situada num terraço suspenso entre o céu e o mar, onde um homem e uma mulher se aproximam e se afastam um do outro. AMAZONAS AMAZONAS, o seu primeiro filme a cor, foi uma encomenda sobre as “belezas” e as “riquezas” da região: mas “descobri que não havia a Amazónia lendária e mágica”. MARANHÃO 66 foi outra encomenda, feita por um político de província chamado José Sarney (que o acaso transformaria em Presidente da República nos anos oitenta), que pediu que Glauber Rocha documentasse a cerimónia da sua posse como governador. O realizador alternou imagens da cerimónia com outras em que se vê miséria da população. DI CAVALCANTI marcou o regresso do realizador ao Brasil, ao termo do seu exílio. Ao filmar o velório de um pintor, Glauber Rocha também fez um brilhante epitáfio sobre tudo o que desaparecera no Brasil durante a sua ausência.