CICLO
Audry, Jacqueline Audry


Jacqueline Audry (1908-1977) foi uma realizadora ativa em meados do século XX e uma realizadora de filmes atentos às perspetivas das mulheres por via de personagens marcadas pela emancipação, a única com uma produção regular na França da época: uma curta documental e dezasseis longas de ficção realizadas entre 1943 e 1969, produção que considerava insuficiente, e que atravessou a cronologia do cinema francês sob Ocupação, o da Quarta República e o da Nouvelle Vague. Desalinhada do cinema francês do pós-guerra e da posterior vaga trazida pelos “jovens turcos” dos Cahiers du cinéma (“Demasiado libertina para a crítica dos anos 1950, demasiado ‘qualité française’ para a Nouvelle Vague”, nota Tania Capron), desapareceu do radar nas décadas seguintes, sem que se notasse a marca da irreverência sob o filtro cuidado das produções.
A atitude livre, a perspetiva transgressora, a sexualidade, um olhar feminista (historicamente situado no rasto da vanguarda de Germaine Dulac) estão presentes na filmografia que sublinha o perfil irreverente das suas protagonistas – quase invariavelmente mulheres –, mas também um sentido de mise-en-scène, a curiosidade da alegria e do humor, um trabalho inspirado com os intérpretes. Inclinada para a subversão dos códigos, a sua obra abarca a disparidade do filme de época (com predileção pela Belle Époque), da comédia dramática, “de capa e espada”, do road movie. Sobre o percurso firmado num mundo eminentemente masculino, Audry sintetizou: “Toda a minha vida profissional foi uma espécie de torneio, tive de guerrear muito.” Sobre os filmes, notou retrospetivamente como “tiveram por objeto as relações passionais entre os seres”.
Da biografia, retenha-se que cresce numa família de tradição republicana, ao lado da irmã, a romancista, ensaísta e feminista militante Colette Audry, que vem a ser sua colaboradora, tal como o argumentista Pierre Laroche, com quem casa. Antiquária antes de se iniciar no cinema no início da década de 1930, Jacqueline Audry é primeiro anotadora e montadora, depois assistente de realização de Pabst, Jean Delannoy, Georges Lacombe, Max Ophüls ou Maurice Cloche. Com o documental LES CHEVAUX DU VERCORS (1943) abre caminho às ficções assinadas entre 1945 (LES MALHEURS DE SOPHIE, uma adaptação do livro homónimo da Condessa de Ségur) e 1969 (LE LIS DE MER, a partir de Vanina de André Pieyre de Mandiargues). Reincidindo em adaptações literárias, parte de romancistas como, além da Condessa de Ségur e Colette Audry (de quem adapta a peça Soledad em FRUITS AMERS, 1966), Colette (a trilogia de 1950-56 GIGI, MINNE, L’INGÉNUE LIBERTINE e MITSOU) e Dorothy Bussy (OLIVIA, 1951). São dos seus filmes mais estimados, a par de HUIS-CLOS (1954) e LA GARÇONNE (1957), a partir de Jean-Paul Sartre e Victor Margueritte. Para televisão, realiza uma série de 13 episódios temáticos intitulada “Le Bonheur conjugal” (1965), e um último trabalho, correalizado em 1973 com Wojtek Solarz, “Un grand amour de Balzac”.
A obra de Audry tem reclamado a atenção em anos recentes, seja graças aos esforços de realizadores como Bertrand Tavernier (VOYAGE e VOYAGES À TRAVERS LE CINÉMA FRANÇAIS, 2015/18) e Mark Cousins (WOMEN MAKE FILM, 2018), seja à digitalização e consequente divulgação alargada do seu filme OLIVIA, seja a estudos como o que lhe dedicou Brigitte Rollet (Jacqueline Audry La femme à la caméra, 2015), que nota como “Jacqueline Audry encarna o exemplo típico de uma cineasta à frente dos costumes e práticas do seu tempo”. É também Rollet quem assinala o traço do anticonformismo e sintetiza: “A cineasta dá início [nos seus primeiros trabalhos realizados durante a guerra e no imediato pós-guerra] a um jogo constante com as aparências, os papeis e as identidades, quer se trate da liberdade mantida com os textos adaptados, com os géneros cinematográficos escolhidos ou com a espécie de jogo das escondidas que é tentador resumir deste modo: estar simultaneamente onde é esperado e frustrar as expectativas.”
Num primeiro olhar da obra de Jacqueline Audry em Portugal (onde apenas dois dos seus filmes estrearam comercialmente: C’EST LA FAUTE D’ADAM / ADÃO TEVE A CULPA, 1957 e LE SECRET DU CHEVALIER D’ÉON / O SEGREDO DO CAVALEIRO D’ÉON, 1959), a retrospetiva integra os títulos atualmente disponíveis para projeção. Todos os filmes são primeiras apresentações na Cinemateca, exceto HUIS-CLOS, mostrado em abril numa sessão de antecipação do Ciclo, organizado pela Cinemateca em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français. O programa conta com a presença em Lisboa da investigadora Brigitte Rollet, autora da monografia Jacqueline Audry, la femme à la caméra, para apresentar duas das sessões iniciais do programa.
 
08/10/2021, 21h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Audry, Jacqueline Audry

Olivia
de Jacqueline Audry
França, 1950 - 95 min
09/10/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Audry, Jacqueline Audry

Les Chevaux du Vercors | Les Malheurs de Sophie
duração total da projeção: 89 min | M/12
09/10/2021, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Audry, Jacqueline Audry

Minne, L’Ingénue Libertine
de Jacqueline Audry
França, 1950 - 90 min
11/10/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Audry, Jacqueline Audry

Les Chevaux du Vercors | Les Malheurs de Sophie
duração total da projeção: 89 min | M/12
 
12/10/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Audry, Jacqueline Audry

Minne, L’Ingénue Libertine
de Jacqueline Audry
França, 1950 - 90 min
 
08/10/2021, 21h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Audry, Jacqueline Audry

Em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français
Olivia
de Jacqueline Audry
com Edwige Feuillère, Yvonne de Bray, Simone Simon, Suzanne Dehelly, Marie-Claire Olivia
França, 1950 - 95 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A exibição do filme é antecedida de uma conferência por Brigitte Rollet sobre a obra de Jacqueline Audry (cerca de 30 minutos, em francês, sem tradução).
Filme-chave na obra de Jacqueline, escrito com a irmã Colette Audry e dialogado por Pierre Laroche a partir de um romance de Dorothy Bussy, é um retrato do despertar da sexualidade juvenil de extrema sensibilidade, que aborda o desejo lésbico dispensando juízos e preconceitos. Mais referida pelo desassombro narrativo, a quinta ficção da realizadora é reveladora da peculiaridade da sua visão, mise-en-scène ou direção de atores (no caso, exclusivamente atrizes). A história é a de Olivia (interpretada por Marie-Claire Olivia): uma adolescente inglesa ingressa numa escola francesa de raparigas no século XIX e apaixona-se por uma de duas mestras (as personagens de Edwige Feuillère e Simone Simon), amantes ou ex-amantes que entre si disputam a atenção das alunas. Especialmente polémico na época, em que fez escândalo e despertou violência crítica, tornou-se a mais conhecida obra da realizadora. “Um filme raro em todos os sentidos – belo, precioso, secreto” (Camille Nevers, Libération). A apresentar em cópia digital.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
09/10/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Audry, Jacqueline Audry

Em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français
Les Chevaux du Vercors | Les Malheurs de Sophie
duração total da projeção: 89 min | M/12
LES CHEVAUX DU VERCORS
de Jacqueline Audry
França, 1943 – 18 min / legendado eletronicamente em português

LES MALHEURS DE SOPHIE
de Jacqueline Audry
com Madeleine Rousset, Marguerite Moreno, Michel Auclair, André Alerme, Colette Darfeuil
França, 1945 – 71 min / legendado eletronicamente em português

LES CHEVAUX DU VERCORS é a estreia de Jacqueline Audry na realização e única das suas incursões documentais, no fim dos estudos no Centre artistique et technique des jeunes du cinéma, em Nice, onde terá sido a primeira mulher a estudar realização. A curta-metragem fixa-se nos cavalos do maciço do Vercors, na Camarga francesa, na transumância, na vastidão das pradarias. Audry volta à paisagem provençal da Camarga em LA CARAQUE BLONDE (1953), “um drama rural, história de rivalidade entre os pastores e os cultivadores de arroz” com “planos únicos no cinema francês de aventuras” (Bertrand Tavernier), por vezes referido como um western francês. Como primeira longa-metragem, assina em LES MALHEURS DE SOPHIE uma comédia dramática a partir do romance da Condessa de Ségur (1858), numa adaptação livre (da sua irmã Colette Audry) que descarta a perspetiva infantil, retrata a jovem Sophie como uma adulta independente na segunda parte do filme e privilegia um tom feminista. De produção atribulada, dificultada pelos entraves da censura de Vichy ao argumento sobre cujos infortúnios Pierre Laroche publicou um texto elucidativo (Les malheurs d’un scénario), o filme é rodado na primavera de 1945 e estreia no ano seguinte. Pode ser considerado um filme-matriz, “o embrião do que se tornará a marca da realizadora, uma maneira de contornar as regras, frustrar as expectativas e desconsiderar as convenções” (Brigitte Rollet).

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
09/10/2021, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Audry, Jacqueline Audry

Em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français
Minne, L’Ingénue Libertine
de Jacqueline Audry
com Danièle Delorme, Franck Villard, Jean Tissier, Armontel, Simone Paris, Yolande Laffon
França, 1950 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A exibição do filme é antecedida de uma apresentação por Brigitte Rollet (cerca de 10 minutos, em francês, sem tradução).
Segundo dos três filmes de Audry adaptados de Colette por Pierre Laroche (GIGI, 1948; MINNE, L’INGÉNUE LIBERTINE, 1950; MITSOU, 1956), que além do trabalho recorrente com a realizadora, foi argumentista/dialoguista de Carné, Feyder, Grémillon, Gerorges Lautner ou Gilles Grangier. Como GIGI e MITSOU, é protagonizado por uma fabulosa Danièle Delorme, que alcançou uma popularidade extraordinária nos filmes de Audry. A história desta “libertina ingénua” é filmada com uma surpreendente desenvoltura na abordagem do desejo e da sexualidade feminina, um motivo já de si extraordinário num romance de 1909 (L’ingénue libertine), mas não menos original no cinema francês dos anos 1950. Nas suas VIAGENS PELO CINEMA FRANCÊS, Bertrand Tavernier nota como Audry o faz ao arrepio da época, com o máximo da elegância e o mínimo do recato, recorrendo a uma “espécie de montra açucarada”, isto é, “dissimulando-se por detrás dos encantos da Belle Époque, por detrás de cenários bastante elegantes, de um guarda-roupa muito sofisticado”.

Consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui.
11/10/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Audry, Jacqueline Audry

Em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français
Les Chevaux du Vercors | Les Malheurs de Sophie
duração total da projeção: 89 min | M/12
LES CHEVAUX DU VERCORS
de Jacqueline Audry
França, 1943 – 18 min / legendado eletronicamente em português

LES MALHEURS DE SOPHIE
de Jacqueline Audry
com Madeleine Rousset, Marguerite Moreno, Michel Auclair, André Alerme, Colette Darfeuil
França, 1945 – 71 min / legendado eletronicamente em português

LES CHEVAUX DU VERCORS é a estreia de Jacqueline Audry na realização e única das suas incursões documentais, no fim dos estudos no Centre artistique et technique des jeunes du cinéma, em Nice, onde terá sido a primeira mulher a estudar realização. A curta-metragem fixa-se nos cavalos do maciço do Vercors, na Camarga francesa, na transumância, na vastidão das pradarias. Audry volta à paisagem provençal da Camarga em LA CARAQUE BLONDE (1953), “um drama rural, história de rivalidade entre os pastores e os cultivadores de arroz” com “planos únicos no cinema francês de aventuras” (Bertrand Tavernier), por vezes referido como um western francês. Como primeira longa-metragem, assina em LES MALHEURS DE SOPHIE uma comédia dramática a partir do romance da Condessa de Ségur (1858), numa adaptação livre (da sua irmã Colette Audry) que descarta a perspetiva infantil, retrata a jovem Sophie como uma adulta independente na segunda parte do filme e privilegia um tom feminista. De produção atribulada, dificultada pelos entraves da censura de Vichy ao argumento sobre cujos infortúnios Pierre Laroche publicou um texto elucidativo (Les malheurs d’un scénario), o filme é rodado na primavera de 1945 e estreia no ano seguinte. Pode ser considerado um filme-matriz, “o embrião do que se tornará a marca da realizadora, uma maneira de contornar as regras, frustrar as expectativas e desconsiderar as convenções” (Brigitte Rollet).

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
12/10/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Audry, Jacqueline Audry

Em colaboração com a 22ª Festa do Cinema Francês e o Institut Français
Minne, L’Ingénue Libertine
de Jacqueline Audry
com Danièle Delorme, Franck Villard, Jean Tissier, Armontel, Simone Paris, Yolande Laffon
França, 1950 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Segundo dos três filmes de Audry adaptados de Colette por Pierre Laroche (GIGI, 1948; MINNE, L’INGÉNUE LIBERTINE, 1950; MITSOU, 1956), que além do trabalho recorrente com a realizadora, foi argumentista/dialoguista de Carné, Feyder, Grémillon, Gerorges Lautner ou Gilles Grangier. Como GIGI e MITSOU, é protagonizado por uma fabulosa Danièle Delorme, que alcançou uma popularidade extraordinária nos filmes de Audry. A história desta “libertina ingénua” é filmada com uma surpreendente desenvoltura na abordagem do desejo e da sexualidade feminina, um motivo já de si extraordinário num romance de 1909 (L’ingénue libertine), mas não menos original no cinema francês dos anos 1950. Nas suas VIAGENS PELO CINEMA FRANCÊS, Bertrand Tavernier nota como Audry o faz ao arrepio da época, com o máximo da elegância e o mínimo do recato, recorrendo a uma “espécie de montra açucarada”, isto é, “dissimulando-se por detrás dos encantos da Belle Époque, por detrás de cenários bastante elegantes, de um guarda-roupa muito sofisticado”.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui