CICLO
Delphine Seyrig, Insubmusa


Insubmusa, como o coletivo que formou nos anos 1970 com Carole Roussopoulos, Ioana Wieder e Nadja Ringart, quando reconheceu no vídeo um espaço de liberdade criativa e uma arma para o combate pelos direitos da mulher: Les Muses s’amusent (“as musas divertem-se”) haviam de tornar-se Les Insoumuses (“as insubmusas”) e estar na origem do Centro Audiovisuel Simone de Beauvoir, fundado em 1982. Na altura, Delphine Seyrig (1932-1990) era já a atriz celebrizada por Alain Resnais em L’ANNÉE DERNIÈRE À MARIENBAD e MURIEL OU LE TEMPS D’UN RETOUR e era já a atriz tornada cúmplice de Marguerite Duras e Chantal Akerman em filmes tão decisivos do cinema do século XX como INDIA SONG ou JEANNE DIELMAN, 23, QUAI DU COMMERCE, 1080 BRUXELLES. Entre várias outras férteis cumplicidades, no teatro e no cinema. Então como ainda agora, o vulgo conhecia melhor a sua imagem pública de atriz do que os trabalhos como realizadora iniciados em 1974.
Graças ao trabalho de recuperação e divulgação destes últimos em anos recentes, essa falha tem vindo a ser reparada melhor revelando o legado de Delphine Seyrig. É o propósito desta iniciativa: com a ambição de uma integral da realizadora, a retrospetiva conjuga essas sete sessões com sete outras representativas do seu trabalho como atriz, aberta a títulos pouco vistos de Marin Karmitz, Sami Frey, Stanislav Stanojevic, Joseph Losey, mas incluindo forçosamente um dos seus dois importantes filmes com Alain Resnais (MURIEL), o seu primeiro encontro com Marguerite Duras (LA MUSICA, o primeiro filme de Duras, correalizado com Paul Seban) e o filme ímpar de Chantal Akerman (JEANNE DIELMAN), e ainda o conhecido François Truffaut em que contracena com Jean-Pierre Léaud (BAISERS VOLÉS) e a primeira vez sob o olhar beat de Robert Frank e Alfred Leslie (PULL MY DAISY).
Delphine Seyrig nasceu no Líbano, iniciou-se como atriz aos 17 anos no teatro, “para me expor e exprimir plenamente as minhas emoções”, instalou-se em França aos 20 anos, onde estudou teatro, e partiu para Nova Iorque em 1956. Nessa estadia de três anos foi “observadora”, nos seus termos, do método de Lee Strasberg no Actors Studio, fez teatro e estreou-se no cinema coincidindo com a estreia cinematográfica independente de Robert Frank. Lá a notou Alain Resnais assistindo a uma peça de Ibsen (O Inimigo do Povo), que no regresso a França a filmou no labiríntico MARIENBAD (e depois MURIEL). MARIENBAD e BAISERS VOLÉS de Truffaut deram-lhe notoriedade, firmando uma imagem de diva que ela não cessou porém de desconstruir na extensa filmografia de atriz, desde logo pelas escolhas criteriosas que fez e a variedade de registos, ainda assim pouco reconhecida.
Resnais, François Truffaut, Joseph Losey (L’ACCIDENT, e mais tarde A DOLL’S HOUSE), Jacques Demy (PEAU D’ÂNE), William Klein (MR. FREEDOM), Luis Buñuel (LA VOIE LACTÉE, antes de LE CHARME DISCRET DE LA BOURGEOISIE) são alguns dos realizadores com quem trabalhou nos anos 1960. A partir da década seguinte, o empenho artístico seguiu a par da militância política e feminista no contexto da França da época, tendo Seyrig filmado bastante com realizadoras mulheres: recorrente e crucialmente com Marguerite Duras, que a definia como “a maior atriz de França e porventura do mundo inteiro”, e com Chantal Akerman, que lhe entregou Jeanne Dielman. “Acontece que Marguerite Duras e Chantal Akerman são grandes realizadoras, a sua visão cinematográfica é na minha opinião da maior importância na segunda metade do século XX”, dizia Seyrig em 1978. Liliane de Kermadec, Patricia Moraz, Pomme Meffre, Márta Mészáros, Ulrike Ottinger são outras das cineastas que a dirigiram. Os nomes não esgotam a série de colaborações e trabalhos cujo conjunto configura uma constelação de afinidades, exigência, importantes variações.
A imagem etérea e sublime de Seyrig no cinema reflete-se no espanto com que Léaud a descreve em BAISERS VOLÉS adjetivando uma “aparição”. Muitos se renderam à “presença excecional aliada a uma interpretação extremamente precisa”, à “atriz imensa” e à sua “voz irrealista de violoncelo” (Hélène Fleckinger), à “atriz proustiana” (David Thomson). Verdade e aquém da verdade. A feminilidade, beleza, elegância, que sempre a caracterizaram, podiam ter feito dela a grande estrela do cinema francês, mas escolhendo escolher o seu caminho, Delphine Seyrig aliou-as à sensibilidade e inteligência com que também intensamente se implicou nas causas que defendeu, militante. É parte do segredo da sua raridade.
O envolvimento ativo no MLF-Mouvement de libération des femmes torna-se público a partir de 1971, quando é uma das signatárias do “Manifesto das 343” escrito por Simone de Beauvoir. Graças ao seu encontro com Carole Roussopoulos, Seyrig percebe o poder da liberdade do vídeo: o combate pela emancipação da mulher e o seu registo documental levam-na à realização nesses anos 1970, no seio do coletivo fundado a quatro das Muses, que observou as lutas pelas causas da emancipação feminina, direito ao aborto, liberdade sexual, condições de vida das trabalhadoras do sexo, direitos das prisioneiras políticas.
Um dos primeiros trabalhos das Insoumuses, em 1974, faz eco em França do caso português das “Três Marias” perseguidas pela publicação das Novas Cartas Portuguesas (LES TROIS PORTUGAISES), centrando-se outro deles na perseguição da militante brasileira Inês Etienne Romeu (INÊS). Ambos de 1976, S.C.U.M. MANIFESTO 1967, a partir de Valerie Solanas, e o desconstrutor MASO ET MISO VONT EN BATEAU, em que arrasam uma prestação televisiva de Françoise Giroud, são dois dos títulos mais cáusticos e poderosos do coletivo. É neste último, especialmente instilado de sentido de humor, que um cartão final declara, “É o vídeo que nos contará”. A múltiplas vozes, como em SOIS BELLE ET TAIS-TOI! (também de 1976), em que Seyrig entrevista e filma eloquentemente 24 eloquentes atrizes sobre a sua experiência, num filme-ensaio central do seu trabalho na realização. Outro ficou por fazer, o projeto à volta dos escritos de Calamity Jane, não a lendária Calamity, mas a Calamity Jane de Calamity Jane’s Letters to Her Daughter. O seu rasto encontra-se no recente filme de Babette Mangolte que regressa a esse projeto de Seyrig e a material com ela filmado em 1983.
Todos os filmes realizados por Delphine Seyrig são distribuídos pelo Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir e apresentados em digital, em primeiras exibições na Cinemateca, e na sua maioria inéditos em Portugal, o que é também o caso de COMÉDIE de Marin Karmitz ou os recentes CALAMITY JANE & DELPHINE SEYRIG, A STORY de Babette Mangolte, e L’ANNÉE DERNIÈRE À DACHAU de Mark Rappaport. Mais informação biofilmográfica sobre Delphine Seyrig disponível numa brochura digital em www.cinemateca.pt.
 
14/10/2020, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Delphine Seyrig, Insubmusa

Où Est-Ce Qu’on Se “Mai”?
de Ioana Wieder (Les Insoumuses)
França, 1976 - 55 min
15/10/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Delphine Seyrig, Insubmusa

Pull My Daisy | Autour de Jeanne Dielman
duração total da projeção: 98 min | M/12
15/10/2020, 21h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Delphine Seyrig, Insubmusa

Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles
de Chantal Akerman
Bélgica, França, 1975 - 201 min
16/10/2020, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Delphine Seyrig, Insubmusa

Il ne Fait pas Chaud 1 | Il ne Fait pas Chaud 2
de Carole Roussopoulos, Ioana Wieder, Delphine Seyrig, Nadja Ringart (Les Insoumuses)
França, 1977 - 75 min (49 min, 26 min)
17/10/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Delphine Seyrig, Insubmusa

A Doll's House
A Casa da Boneca
de Joseph Losey
Reino Unido, França, 1972 - 106 min
14/10/2020, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Delphine Seyrig, Insubmusa

com a 21ª Festa do Cinema Francês, em colaboração com o Institut Français Portugal e o Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir
Où Est-Ce Qu’on Se “Mai”?
de Ioana Wieder (Les Insoumuses)
França, 1976 - 55 min
legendado eletronicamente em português | M/12
As manifestações do 1º de maio de 1976 em Paris são a matéria do filme das Insoumuses assinado por Ioana Wieder que alinha sequências do desfile feminista, testemunhos das manifestantes agredidas por elementos da CGT (confederação geral do trabalho) com a qual a participação das feministas fora negociada e leituras de um artigo do L’Humanité e da carta da CGT por Delphine Seyrig. A condição das mulheres no mundo da política está no centro do filme que revela a curiosidade e ironia do olhar das “Insubmusas”, partilhando as palavras de ordem e as canções jubilosamente preparadas para a manifestação. Les Muses s’amusent no combate pela sua causa.

consulte a folha da Cinemateca aqui
15/10/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Delphine Seyrig, Insubmusa

com a 21ª Festa do Cinema Francês, em colaboração com o Institut Français Portugal e o Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir
Pull My Daisy | Autour de Jeanne Dielman
duração total da projeção: 98 min | M/12
PULL MY DAISY
de Robert Frank, Alfred Leslie
com Allen Ginsberg, Gregory Corso, Delphine Seyrig e narração de Jack Kerouac
Estados Unidos, 1959 – 30 min / legendado eletronicamente em português

AUTOUR DE JEANNE DIELMAN
de Sami Frey
França, 1975-2004 – 68 min / legendado eletronicamente em português

PULL MY DAISY é a estreia no cinema de Robert Frank, até aí sobretudo conhecido pelo seu trabalho de fotógrafo, e pelo influente livro de fotografias The Americans (1958, com texto de Jack Kerouac), que em si continha o germe de um pensamento cinematográfico. Sendo um dos títulos pioneiros do movimento de cinema independente americano, PULL MY DAISY é uma paródia à Beat Generation concebida por alguns dos seus protagonistas – como Allen Ginsberg, que faz de ator, e o próprio Kerouac, que escreveu o argumento e diz o irónico comentário em off. Delphine Seyrig surge no seu primeiro papel em cinema, numa estreia nova-iorquina da época em que estudara no Actors Studio de Lee Strasberg. Filmado por Sami Frey na rodagem do crucial filme de 1975 de Chantal Akerman, JEANNE DIELMAN, 23, QUAI DU COMMERCE, 1080 BRUXELLES, e montado em 2004 por Agnès Ravez e Akerman, AUTOUR DE JEANNE DIELMAN (primeira apresentação na Cinemateca) é um vislumbre dessa filmagem e do trabalho de ensaios e organização das cenas da então jovem realizadora com a sua equipa e a sua atriz, Delphine Seyrig, num dos seus trabalhos magistrais no cinema.

consulte aqui a folha da Cinemateca de PULL MY DAISY

consulte aqui a folha da Cinemateca de AUTOUR DE JEANNE DIELMAN
15/10/2020, 21h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Delphine Seyrig, Insubmusa

com a 21ª Festa do Cinema Francês, em colaboração com o Institut Français Portugal e o Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir
Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles
de Chantal Akerman
com Delphine Seyrig, Henri Storck, Jan Decorte
Bélgica, França, 1975 - 201 min
legendado em português | M/12
Atenção ao horário
Assente num rigoroso trabalho sobre a duração e a repetição, foi o filme mais decisivo na consagração de Chantal Akerman, e é um título fulcral na filmografia de Delphine Seyrig, que voltaria a trabalhar com a realizadora em GOLDEN EIGHTIES (1985) E LETTERS HOME (1986). JEANNE DIELMAN... é uma observação sistematizada, quase “maníaca”, do dia a dia rotineiro de uma mulher de Bruxelas (Seyrig), com a prostituição a aparecer como um espectro de coloração realista. A dureza formal do filme de Akerman revela-se na sua obsessiva calendarização do tempo e das rotinas. Uma obra única na História do cinema. A apresentar em cópia digital.

consulte a folha da Cinemateca aqui
16/10/2020, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Delphine Seyrig, Insubmusa

com a 21ª Festa do Cinema Francês, em colaboração com o Institut Français Portugal e o Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir
Il ne Fait pas Chaud 1 | Il ne Fait pas Chaud 2
de Carole Roussopoulos, Ioana Wieder, Delphine Seyrig, Nadja Ringart (Les Insoumuses)
França, 1977 - 75 min (49 min, 26 min)
legendado eletronicamente em português | M/12
Em duas partes, documenta o contencioso de Brigitte Fontaine, Monique Piton, Mireille e Erin Pizzey com as Éditions de femmes em 1976 e os de Catherine Leguay e Brigitte Fontaine em 1977. Editora fundada nos anos 1970 no seio do MFL-Mouvement de Libération des Femmes, a Éditions de femmes nasceu com o intuito de publicar obras de escritoras ou dedicadas à emancipação das mulheres. Em 1976, um conflito laboral de uma ex-funcionária com a editora extravasa o seu caso pessoal, dando origem a IL NE FAIT PAS CHAUD. “As coisas não estão animadas na Éditions des femmes quando nos fazem calar porque a animação é muita, por assim dizer” – assim arranca a série de testemunhos quase integralmente captados em planos frontais das autoras que denunciam comportamentos e práticas da editora. Os seus casos pessoais são vistos como capítulos da mesma história duvidosa, sempre a mesma. Sucedendo à longa lista dos nomes envolvidos na produção e realização, o último quarto de hora é acústico dando a ver um encontro social.

consulte a folha da Cinemateca aqui
17/10/2020, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Delphine Seyrig, Insubmusa

com a 21ª Festa do Cinema Francês, em colaboração com o Institut Français Portugal e o Centre Audiovisuel Simone de Beauvoir
A Doll's House
A Casa da Boneca
de Joseph Losey
com Jane Fonda, Edward Fox, Trevor Howard, Delphine Seyrig, David Warner, Anna Wing
Reino Unido, França, 1972 - 106 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Delphine Seyrig filmara uma primeira vez com Joseph Losey em 1968 (L’ACCIDENT, a partir de Harold Pinter) e reencontra-o nesta adaptação por David Mercer da clássica peça de Ibsen ambientada na Noruega do século XIX, em que interpreta o papel de Kristine. Coprotagoniza o filme com Jane Fonda, que é Nora, a mulher que se liberta do papel de mascote que vive ao lado do marido dominador que ajudou secretamente no passado cometendo um ato ilícito. A DOLL’S HOUSE é um título subestimado de um cineasta subestimado, que filmou recorrentemente personagens femininas fortes e conheceu alguma tensão com Fonda e Seyrig durante esta rodagem em que, não obstante, ambas compõem impressivamente os seus papeis. Primeira apresentação na Cinemateca, em cópia digital.

consulte a folha da Cinemateca aqui