CICLO
Double Bill


Na primeira dupla deste fevereiro associamos OS ASSASSINOS ESTÃO ENTRE NÓS (1946), primeiro filme a estrear na Alemanha após a Segunda Guerra, considerado como a primeira “obra-prima” de Wolfgang Staudt (e bem mereceu esse desígnio!) e “um dos mais fascinantes, encantatórios e complexos filmes de Fritz Lang” (João Bénard da Costa), SECRET BEYOND THE DOOR (1948). Dois filmes mergulhados no expressionismo do pós-guerra, nos horrores por vir ou nos horrores que acabam de acontecer; personagens encurraladas em espaços onde a vida se quebra para deles querer renascer. A segunda é uma dupla de viagens. A viagem de dois realizadores, Werner Schoeter e Pierre Léon, que em fuga à escassez de meios de produção, perseguem o prazer de filmar a qualquer custo. E, simultaneamente, a viagem das personagens por eles criadas, sobre fundos de tela pintada, que a cada gesto, a cada música, a cada sinal, vão improvisando a busca da pureza do amor ou procuram escapar ao ambiente que os sufoca. Chegados ao terceiro sábado, a agulha parece mudar. Mas, não tanto. Chamámos aqui dois filmes rentes ao chamado “direct cinema” e, tanto na forma como D.A. Pennebaker segue e capta Dylan e a sua banda rock (DON’T LOOK BACK,1967) como no surpreendente e tocante CLASSICAL PERIOD, do jovem Ted Fendt (2018, a mostrar numa primeira apresentação em Portugal), estamos frente a um tipo de cinema “em fuga”, que recusa o convencional, que nega a narrativa, que retrata pessoas reais e, no entanto, desenha-os como personagens, que precisamente “olhando para trás”, existem numa linha de confronto, numa tentativa de escapar ao vazio e talvez à solidão. A quarta dupla, o mais recente filme de Zelimir Zilnik, THE MOST BEAUTIFUL COUNTRY IN THE WORLD (2018), seguido do filme que Aki Kaurismaki realizou em 2011, LE HAVRE, propõe diferentes abordagens a temas atuais, como é o da imigração ou dos refugiados, mas numa forma livre de sentimentalismos, arquétipos, especulações ou sedimentos herdados, lançando-nos para a pura convicção de que a vida suplanta a morte, ou de que “o cinema ainda pode mais do que a vida”. Dois filmes exibidos como antecâmara do grande Ciclo sobre temas afins (as migrações em histórias individuais e coletivas) a apresentar nos próximos meses de março e abril.
 
02/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Die Mörder Sind Unter Uns | Secret Beyond The Door
duração total da projeção: 183 min | M/12
09/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Weisse Reise | Deux Dammes Sérieuses
duração total da projeção: 147 min | M/12
 
16/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Classical Period | Don’t Look Back
duração total da projeção: 158 min | M/12
 
23/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

The Most Beautiful Country in the World | Le Havre
duração total da projeção: 194 min | M/12
02/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Die Mörder Sind Unter Uns | Secret Beyond The Door
duração total da projeção: 183 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
DIE MÖRDER SIND UNTER UNS
“Os Assassinos Estão entre Nós”
de Wolfgang Staudte
com Hildegard Knef, Elly Burgmer, Erna Sellmer, Hilde Adolphi
Alemanha, 1946 – 85 min / legendado em português
SECRET BEYOND THE DOOR
O Segredo da Porta Fechada
de Fritz Lang
com Michael Redgrave, Joan Bennett, Anne Revere, Barbara O’Neil
Estados Unidos, 1948 – 98 min / legendado em português

DIE MÖRDER SIND UNTER UNS, que marca o renascimento do cinema alemão das ruínas do nazismo, tem como tema precisamente as interrogações sobre o momento presente e o passado imediato: em Berlim, arrasada pelas bombas, um homem encontra um criminoso nazi disfarçado e quer fazer justiça com as próprias mãos. Staudte, de certa, forma inverte o que Fritz Lang fizera nos seus últimos filmes alemães: Lang teve premonição dos horrores por vir, Staudte denuncia os que tinham acabado de acontecer. Do ponto de vista formal, o filme reata com a tradição “expressionista”, explorando os jogos de sombra e luz. SECRET BEYOND THE DOOR é um dos mais rigorosos filmes de Fritz Lang em Hollywood, construído como um mecanismo de relógio ou como um desenho arquitetónico. A prodigiosa sequência dos quartos, na qual a perturbação é introduzida por uma quebra de simetria, reflete também um universo mental em que o desequilíbrio se instala. Na década da psicanálise no cinema americano, SECRET BEYOND THE DOOR é o filme em que ela tem mais importância, sendo também aquele em que menos se faz sentir.
 
09/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Weisse Reise | Deux Dammes Sérieuses
duração total da projeção: 147 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
WEISSE REISE
“A Viagem Branca”
de Werner Schroeter
com Jim Auwae, Tilly Soffing, a voz de Bulle Ogier
Alemanha, 1983 – 52 min / legendado eletronicamente em português
DEUX DAMMES SÉRIEUSES
de Pierre Léon
com Brigitte Ollier, Frédérique Vuarnet, Max Léon, Renaud Legrand.
França, 1988 – 95 min / legendado eletronicamente em português

Schroeter realizou WEISSE REISE entre O REINO DE NÁPOLES e PALERMO ODER WOLFSBURG, com um pequeno orçamento e um grupo de amigos. Filmado diante de telas pintadas de Harald Vogel, sem diálogos, com narração em off e uma belíssima seleção musical, esta “viagem branca” é a de dois marinheiros embarcados num barco americano, en que “a pureza do seu amor contribui para manter uma atmosfera sã a bordo”. Em DEUX DAMMES SERIÉUSES, Christina Goering e Frieda Copperfield decidem fugir ao ambiente sufocante que as envolve. De um momento para o outro, iniciam uma viagem à volta do mundo, em busca de uma santidade impossível. Dois destinos paralelos para uma comédia trágica sob um fundo de telas pintadas. Primeira longa-metragem realizada por Pierre Léon e por ele restaurada em 2015, DEUX DAMMES SERIÉUSES é uma primeira exibição na Cinemateca.
 
16/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Classical Period | Don’t Look Back
duração total da projeção: 158 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
CLASSICAL PERIOD
de Ted Fendt
com Calvin Engime, Evelyn Emile, Sam Ritterman, Chris Stump, Michael Carwile.
Estados Unidos, 2018 – 62 min / legendado eletronicamente em português
DON’T LOOK BACK
Eu Sou Bob Dylan
de D.A. Pennebaker
com Bob Dylan, Joan Baez, Donovan
Estados Unidos, 1967 – 96 min / legendado eletronicamente em português

CLASSICAL PERIOD é (nas palavras do realizador) “uma longa conversa – que tão depressa se afasta como se aproxima – de uma tradução de 1864 da Divina Comédia”.
Num impasse com o tipo de análise comportamental de personagens que vinha fazendo, Ted Fendt retira, neste caso, a narrativa e os seus artefactos para se centrar apenas nas pessoas. O filme é um retrato de Cal (amigo de longa data de Tendt) e do seu grupo de amigos em Filadélfia. Eles discutem livros, arquitetura, música: Denise Levertov, Beethoven e Philip Massinger, Vitruvius e, sobretudo, a tradução de Henry Longfellow da obra de Dante. Filmado com a belíssima textura da película 16 mm, neste filme os interesses literários não funcionam tanto como contexto dramático mas são antes a própria substância do filme. DON’T LOOK BACK é um dos mais famosos documentários do Direct Cinema dos anos sessenta. D.A. Pennebaker seguiu Bob Dylan na primavera de 1965 durante uma sua digressão de três semanas em Inglaterra: do aeroporto à sala de espetáculos, entre conversas e concertos, em longos planos-sequência. Se Pennebaker encarou a possibilidade de acompanhar e filmar Bob Dylan essencialmente como um “campo de provas”, o certo é que o filme se constituiu como um título essencial da iconografia de Dylan, como o provam a quantidade de momentos aqui contidos – mais ou menos encenados – que não mais abandonariam o imaginário da cultura “dylaniana”. Teve ainda o condão de interessar Dylan (que detestou ver-se no filme) pelo cinema para lá do espectador curioso e informado que já era: a sua primeira experiência como realizador (EAT THE DOCUMENT) foi uma reação direta ao filme de Pennebaker, completado com a ajuda de… Pennebaker. E este deu o primeiro passo para se tornar especialista no “documentário rock”. CLASSICAL PERIOD é uma primeira exibição em Portugal.
 
23/02/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
The Most Beautiful Country in the World | Le Havre
duração total da projeção: 194 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
THE MOST BEAUTIFUL COUNTRY IN THE WORLD
de Zelimir Zilnik
Áustria, Croácia, Eslovénia, Sérvia, 2018 – 101 min / legendado eletronicamente em português
LE HAVRE
Le Havre
de Aki Kaurismaki
com André Wilms, Blondin Miguel, Jean-Pierre Darroussin, Kati Outinen
Alemanha, França, Finlândia, 2011 – 93 min / legendado em português

Viena de Áustria, 2016. Uma manifestação frente ao Parlamento. Dois estranhos encontram-se na multidão. Um tinha fugido da guerra de Alepo e o outro tinha escapado aos talibãs no Afeganistão. Têm coisas e interesses em comum: um sincero intercâmbio de experiências, uma tentativa de consolo mútuo, um abraço. Um filme incisivo que difere de qualquer outro sobre imigrantes, uma descodificação sem sentimentalismos, exploração ou sensacionalismos. Zilnik propõe uma forma única de olhar para os temas atuais oferecendo uma análise inteligente, não esquecendo o aspecto humano, a vida quotidiana e o humor. Em 2015, a Cinemateca, em colaboração com o Doclisboa, organizou a mais completa retrospetiva até então dedicada à obra de Zelimir Zilnik. O seu recentíssimo THE MOST BEAUTIFUL COUNTRY IN THE WORLD (primeira exibição na Cinemateca) é um exemplo puro do seu cinema. LE HAVRE, do finlandês Aki Kaurismaki, é o filme de uma cidade portuária da Normandia francesa protagonizado pelas personagens de Marcel Marx (André Wilms) e Arletty (Kati Outinen) que aí procuram um novo começo, em que ele, escritor sem sorte, se torna engraxador de sapatos e conhece uma criança africana refugiada de que se torna protetor. “Neste mundo ‘de cinema’ – a fotografia de Timo Salminen faz o milagre habitual: recupera uma luz de estúdio, totalmente em desuso, a aplica-a mesmo às cenas de exteriores – o cinema ainda pode mais do que a vida. É o mais otimista dos filmes de Kaurismaki em muitos anos, mesmo se, por todas, se trata de um otimismo ‘de fábula’” (Luís Miguel Oliveira, Ípsilon).