CICLO
António-Pedro Vasconcelos (I)


Na sequência dos vários Ciclos integrais que a Cinemateca dedicou aos autores do nosso Cinema Novo, chegou a vez de António-Pedro Vasconcelos, também ele obreiro decisivo de uma geração decisiva, neste caso no que se pode considerar a segunda leva dela, ou seja, os que chegaram à realização depois do trio de arranque do período 1963-65 (Paulo Rocha, Fernando Lopes e António de Macedo, que nesses anos se iniciaram na longa-metragem). Com A.-P.V., voltamos ao próprio cerne do movimento e à grande renovação cultural que nele se operou numa altura e a um nível que, de resto, a cronologia das “primeiras obras” não traduz com exatidão. Quatro anos mais novo que Rocha e Lopes, e nascido no mesmo ano de João César Monteiro, A.-P. V. entra em força nos grupos que estão na base desta nova cultura quase, quase na génese dela, passando, também ele, pela porta dos cineclubes, e fazendo, também ele, o tirocínio na capital francesa e na Cinemateca de Langlois (ficando em Paris dois anos, a partir de outubro de 1961, nomeadamente com Alberto Seixas Santos e logo a seguir à formação de Paulo Rocha no IDHEC). Mesmo antes dessa estada, a sua marca já se faz sentir quando, em 1958-60, participa na direção do Cineclube Universitário de Lisboa e começa a publicar crítica na Revista Imagem, ou ainda especialmente quando, ao longo de alguns meses de 1961, publica com Seixas Santos, no Diário de Lisboa, a coluna “Campo-Contracampo” (diálogos sobre cinema que, lidos hoje, revelam bem quanto, com eles, se estava a entrar noutra galáxia). São sinais de partida para uma atividade e uma influência no coletivo, que depois, a partir de 1963, no regresso a Portugal, é imparável e determinante, e isso tanto por aquilo que é transversal ao grupo – uma geração culta, preparada e sintonizada com a renovação do cinema europeu e mundial – como por aquilo em que se destaca especialmente nele – a escrita, o lado prolixo da intervenção crítica, a contínua presença relevante na imprensa diária e em todas as revistas decisivas da época, os contributos para a divulgação do cinema, e ainda, até aos inícios da década de oitenta, o esforço efetivo de solidariedade, participando nos atos e plataformas com que se faz o movimento e criando condições para que a generalidade dos seus membros possa filmar. Na primeira área (a escrita), é de acentuar a contribuição fundamental para o Jornal de Letras e Artes (1963-70), o Cinéfilo (1973-74, de que é Chefe de Redação, sob a direção de Fernando Lopes) ou para a M (1977), para além do muito que publica noutros órgãos (Colóquio, O Tempo e o Modo, Diário Popular, Século, Rádio e Televisão, Flama, Celulóide…, ou ainda, depois de 1974, Sempre Fixe, Expresso, mais tarde O Jornal…) Quanto às restantes áreas (a divulgação do cinema e a construção do movimento) recorde-se antes de mais a organização da Quinzena do Cinema Novo Francês (1970), a programação do Cineclube na RTP/2 (1980-81) e a grande contribuição para o Centro Português de Cinema, do qual é membro fundador em 1969 e ao qual preside em 1974-75.
Ainda no que concerne a sua participação no esforço coletivo do Cinema Novo, há que referir, por outro lado, a sua intervenção na área da produção com a aventura da VO Filmes, que cria com Paulo Branco em 1979 (a porta de entrada deste último no território onde virá a ter a influência conhecida), e na qual é produzida ou coproduzida uma dezena de longas-metragens de referência, de Manoel de Oliveira a João César Monteiro, de João Botelho a João Mário Grilo, de Raoul Ruiz a Wim Wenders… Mas é também, justamente, no quadro desta última entidade, e durante a produção da sua terceira longa de ficção (O LUGAR DO MORTO, que começa, mas já não acaba, em ligação a Paulo Branco) que surge o primeiro sinal do que virá a transformar-se na grande divergência de percursos que o afastará de muitos daqueles com quem caminha até aí. Porque se A.-P.V. é um dos grandes obreiros do Cinema Novo, ele é também autor assumido de uma dissensão histórica no seio dele, com consequências profundas na prática e nos debates que marcaram a atividade de cinema em Portugal até aos dias de hoje. Depois de emular a Nouvelle Vague (não é PERDIDO POR CEM a única obra do Cinema Novo Português realmente próxima do espírito e da letra dela?) vem então a emular a própria divisão ocorrida no movimento francês no rasto do safanão dado por Godard a partir de 1966/67, pugnando pelo “lado Truffaut” e criticando o que vê como equívoco fatal do radicalismo estético e narrativo do autor de WEEK-END. E se antes foi um dos protagonistas do movimento, nisto sê-lo-á também, espelhando-o tanto no cinema que faz como, mais uma vez, ao nível da intervenção doutrinária, que, nos anos noventa, já não tem apenas como palco Portugal mas a Europa. Apoiado pelo enorme sucesso público desse terceiro filme (O LUGAR DO MORTO torna-se um dos maiores sucessos de bilheteira de sempre do cinema português), divergindo cada vez mais da prática de outros realizadores nacionais que, nos anos oitenta, recebem acolhimento crítico internacional, e desaprovando os mecanismos de apoio ao cinema no país e no continente europeu, vem então a dividir-se de novo entre a realização e a intervenção pública em plataformas de análise e de organização do espaço audiovisual. No início da década de noventa preside ao Secretariado Nacional para o Audiovisual, e, no âmbito europeu, preside à Comissão do Livro Verde para o Audiovisual da U.E. e à Associação SCALE (projeto integrado no Programa MEDIA destinado a apoiar países com menor capacidade de produção e de área geográfica e linguística restrita).
Viajar pela obra de António-Pedro Vasconcelos é assim viajar por mais de meio século de cinema português e pelos debates levados a cabo no seio dele, desde um cinema muito próximo da vida e da vivência do autor (o lado autobiográfico que é também uma das suas vertentes Nouvelle Vague) a um outro que procura aproximar-se mais dos grandes modelos universais da ficção e de um cinema de género, sempre em cruzamento com uma sublinhada reflexão sobre a relação amorosa e a paixão. O Ciclo (que se estende por junho e primeira parte de julho) é integral, cobrindo mais uma vez toda a produção de longas e curtas-metragens e as obras feitas para televisão e excluindo os inícios na publicidade (não necessariamente por opção mas, mais uma vez, pelas lacunas de preservação).
Será editado um catálogo, centrado numa longa conversa com o realizador em torno do seu percurso, das suas maiores referências e das questões de produção e exibição do cinema em Portugal e na Europa.
 
Durante esta primeira parte (entre 14 e 30 de junho), António-Pedro Vasconcelos estará na Cinemateca a acompanhar todas as sessões, apresentando filmes e debatendo com o público.
 
14/06/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo António-Pedro Vasconcelos (I)

Perdido por Cem…
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1972 - 117 min | M/12
 
16/06/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo António-Pedro Vasconcelos (I)

Oxalá
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1980 - 133 min | M/12
 
18/06/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo António-Pedro Vasconcelos (I)

Tapeçaria–Tradição que Revive | A Indústria Cervejeira em Portugal | Exposição 22 Anos de Tapeçaria | Emigr Antes… E Depois?
duração total da sessão: 136 min | M/12
19/06/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo António-Pedro Vasconcelos (I)

A Voz e os Ouvidos do MFA | Adeus, Até ao Meu Regresso
duração total da sessão: 120 min | M/12
20/06/2018, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo António-Pedro Vasconcelos (I)

Encontro com António-Pedro Vasconcelos
14/06/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
António-Pedro Vasconcelos (I)
Perdido por Cem…
de António-Pedro Vasconcelos
com José Cunha, Marta Leitão, Nuno Martins, Ana Maria Lucas, Rosa Lobato Faria
Portugal, 1972 - 117 min | M/12
com a presença de António-Pedro Vasconcelos
Foi a primeira longa-metragem de António-Pedro Vasconcelos, com a marca da Nova Vaga francesa. É um filme lisboeta, de planos-sequência, câmara à mão, som direto, atores não profissionais, de que Fernando Lopes falou como “um imenso adeus aos nossos verdes anos.” “Nenhuma obra anterior [no cinema português] tinha aplicado tão convictamente a ‘gramática’ da Nouvelle Vague” (José Manuel Costa).
 
16/06/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
António-Pedro Vasconcelos (I)
Oxalá
de António-Pedro Vasconcelos
com Manuel Baeta Neves, Marta Reynolds, Laura Soveral, Judite Maigre, Lia Gama, Ruy Furtado, Karen Blangueron, Teresa Madruga, Adelaide João
Portugal, 1980 - 133 min | M/12
Entre 25 de Abril de 1974 e outubro de 1978, um jovem exilado em Paris faz várias viagens a Portugal, experiência que o argumento de OXALÁ trabalha através de uma série de retratos femininos. “De OXALÁ dizia-se que era um filme de mediações (‘só se tem acesso ao que se deseja através de mediações’, escreveu Eduardo Prado Coelho). Permita-se-nos deslocarmos ligeiramente a mesma ideia: OXALÁ é o desejo de pôr em imagens uma memória possível do “25 de Abril” mediado por uma forma cinematográfica alheia” (M.S. Fonseca).
 
18/06/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
António-Pedro Vasconcelos (I)
Tapeçaria–Tradição que Revive | A Indústria Cervejeira em Portugal | Exposição 22 Anos de Tapeçaria | Emigr Antes… E Depois?
duração total da sessão: 136 min | M/12
TAPEÇARIA –TRADIÇÃO QUE REVIVE
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1967 – 17 min
A INDÚSTRIA CERVEJEIRA EM PORTUGAL
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1968 – 12 min
EXPOSIÇÃO 22 ANOS DE TAPEÇARIA
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1970 – 9 min
EMIGR ANTES… E DEPOIS?
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1976 – 98 min

Todos os anos, especialmente no mês de agosto, milhares de emigrantes voltam à sua aldeia, vindos sobretudo de França e da Alemanha. No verão de 1975, em plena efervescência política, este filme tenta seguir, na zona da Guarda, algumas famílias de emigrantes, e fixar os dias de cerimónias religiosas (casamentos, procissões) e festividades tradicionais (como as touradas da raia) que então se celebram” (José de Matos-Cruz). EMIGR ANTES… E DEPOIS? é um documentário muito atento, que testemunha a grande deslocação das equipas de cinema das cidades para os campos à procura de um Portugal rural, mas também a frequente hostilidade com que muitas delas eram recebidas. A abrir a sessão, três das primeiras curtas-metragens do realizador, sobre a tradição portuguesa da tapeçaria e sobre o processo de fabrico da cerveja. São obras de “publicidade  institucional”, produzidas por um nome que acabaria por ser fulcral no lançamento de vários cineastas desta geração, o produtor Ricardo Malheiro.
 
19/06/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
António-Pedro Vasconcelos (I)
A Voz e os Ouvidos do MFA | Adeus, Até ao Meu Regresso
duração total da sessão: 120 min | M/12
A VOZ E OS OUVIDOS DO MFA
de António-Pedro Vasconcelos, Leandro Ferreira
Portugal, 2016 – 50 min
ADEUS, ATÉ AO MEU REGRESSO
de António-Pedro Vasconcelos
Portugal, 1974 – 70 min

Realizado para televisão em dezembro de 1974 no fim da guerra colonial. O título adopta a expressão utilizada pelos soldados portugueses quando, do teatro de guerra, enviavam as suas mensagens de Natal para a metrópole, como então também se dizia. António-Pedro Vasconcelos regista testemunhos de soldados que combateram na Guiné retratando a guerra colonial portuguesa quando esta era ainda uma realidade muito próxima. A sessão abre com um dos últimos trabalhos do autor, um documentário televisivo, produzido para a RTP, que foca os meses de conspiração que antecederam as ações do MFA a 25 de abril de 1974, e nomeadamente a aquisição de infraestruturas logísticas (como postos de telefone) que seriam fundamentais nas horas da Revolução. A VOZ E OS OUVIDOS DO MFA é apresentado numa primeira exibição na Cinemateca.
 
20/06/2018, 18h30 | Sala M. Félix Ribeiro
António-Pedro Vasconcelos (I)
Encontro com António-Pedro Vasconcelos
Entrada livre mediante levantamento de ingressos na bilheteira.