CICLO
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri


Marco Ferreri (1928-1997) é uma figura singularíssima do cinema italiano, e alguém que, a partir do élan fornecido pela última época áurea do cinema daquele país (os anos cinquenta/sessenta, em que os grandes autores coexistiam com um cinema de géneros, como a comédia, na máxima pujança) construiu um universo pessoal e idiossincrático, dificilmente enquadrável em movimentos ou tendências mais vastas. Talvez por isso pareça hoje uma figura razoavelmente solitária na paisagem do cinema europeu das últimas décadas do século XX, muito lembrado por dois ou três títulos que ficaram celebérrimos (à cabeça LA GRANDE BOUFFE, que causou considerável escândalo em 1973 e permanece como o seu filme mais famoso) mas porventura demasiado ignorado para além deles. Com este Ciclo, propomos a possibilidade de reencontrar essa obra com alguma profundidade, e com isso reequilibrar o olhar sobre o cinema de Marco Ferreri.
Se foi um cineasta singular, singular foi a sua chegada ao cinema. Estava, em princípio, destinado à medicina veterinária, área em que se formou (e que talvez explique a muito peculiar animalística que vários dos seus filmes exibem). Mas nem chegou a exercer, atraído pelo cinema. Primeiro como produtor, em Itália, e depois, dando como falhadas as suas primeiras tentativas na produção, como vendedor de equipamento para salas de cinema. Essa atividade levou-o a radicar-se em Espanha, e foi aí, num período particularmente fértil (e subversivo) do cinema espanhol (que culminaria no caso VIRIDIANA), que se estreou como realizador e assinou os primeiros dois filmes. O segundo, EL COCHECITO, seria proibido pela censura franquista, e Ferreri achou melhor regressar a Itália (embora conservando o argumentista espanhol Rafael Azcona como um dos colaboradores regulares ao longo da sua obra). Em Itália, em filmes como L’APE REGINA, BREAK UP ou LA DONNA SCIMMIA, apanhou o élan da “commedia all’italiana”, género que habitou com um olhar pessoal e algumas detetáveis influências de gente como Fellini ou Buñuel (sendo razoavelmente indiscutível afirmar que Ferreri terá sido o que de mais parecido houve com um Buñuel italiano).
Com o final da década, e as transformações sociais (mas também no próprio tecido do cinema europeu) que a época trouxe, os seus filmes tornaram-se mais radicais, e sobretudo mais violentamente alegóricos. LA GRANDE BOUFFE, LA CAGNA, L’ULTIMA DONNA, CIAO MASCHIO, entre outros, testemunham um olhar crítico sobre diferentes aspectos da vida (e da economia) “burguesas”, sempre enformados por um humor corrosivo e não raras vezes perturbadoramente absurdo. Um “cómico anarquista”, definia-se Ferreri, e essa anarquia nota-se na sua sistemática decomposição de estereótipos de classe ou de género (alguém, notando a habitual “falência” dos homens nos seus filmes, chamou a Ferreri um “inventor do feminismo”). Mas acima de tudo, é uma obra que permanece viva e atuante. Eis uma ocasião de a redescobrir.
 
 
06/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo 11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri

Il Seme Dell’Uomo
de Marco Ferreri
Itália, 1969 - 105 min
 
07/04/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri

La Donna Scimmia
de Marco Ferreri
Itália, 1964 - 115 min
09/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo 11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri

L’Ape Regina
O Leito Conjugal
de Marco Ferreri
Itália, 1963 - 86 min
10/04/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri

Break Up / L’Uomo dei Palloni
Colapso
de Marco Ferreri
Itália, França, 1968 - 85 min
10/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo 11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri

El Cochecito
de Marco Ferreri
Espanha, 1960 - 85 min
06/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri
Il Seme Dell’Uomo
de Marco Ferreri
com Anne Wiazemsky, Marco Margine, Annie Girardot
Itália, 1969 - 105 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Um dos mais estranhos filmes de Ferreri, parábola “civilizacional” que utiliza elementos de ficção científica (a humanidade está prestes a ser dizimada por um vírus terrível) para criar uma espécie de Éden ao contrário (porque é o fim, não o princípio), onde um casal discute os prós e os contras da procriação. De notar que foi o primeiro filme de Anne Wiazemsky fora do universo do seu (então ainda) marido Jean-Luc Godard, isto excluindo, claro, a sua estreia em AU HASARD, BALTHASAR. Primeira exibição na Cinemateca.
 
07/04/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri
La Donna Scimmia
de Marco Ferreri
com Ugo Tognazzi, Achille Majeroni, Annie Girardot
Itália, 1964 - 115 min
legendado eletronicamente em português | M/14
sessão apresentada por Emiliano Morreale
Um dos maiores sucessos do período inicial da obra de Ferreri, quando ele habitou exemplarmente um dos traços mais distintivos da “commedia all’italiana”,  o balanço entre o riso e a amargura. Aqui, é Ugo Tognazzi na pele de um empresário circense do século XIX, que descobre uma “mulher macaca” (Girardot) num convento e a exibe em “freak shows” pela Itália fora. É baseado numa história verídica. A apresentar em cópia digital.
 
09/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri
L’Ape Regina
O Leito Conjugal
de Marco Ferreri
com Ugo Tognazzi, Marina Vlady, Linda Sini
Itália, 1963 - 86 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Depois de iniciar a sua carreira em Espanha, Marco Ferreri regressou a Itália, onde logo se integrou na indústria cinematográfica. L’APE REGINA, por um lado, renova a comédia italiana, que, no começo dos anos sessenta, começava a usar formas estereotipadas; por outro, é um exemplo do gosto do realizador pelas fábulas grotescas, que seriam levadas ao extremo na década seguinte. Esta fábula sobre a “guerra dos sexos”, em que a mulher sai vitoriosa, mostra-nos um quarentão que se casa com uma mulher mais jovem, mas que é incapaz de acompanhar o apetite sexual dela e acaba relegado para um canto da casa, como um objeto. Marina Vlady recebeu o prémio de interpretação no Festival de Cannes.
 
10/04/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri
Break Up / L’Uomo dei Palloni
Colapso
de Marco Ferreri
com Marcello Mastroianni, Catherine Spaak, Ugo Tognazzi
Itália, França, 1968 - 85 min
legendado eletronicamente em português | M/14
BREAK UP (ou L’UOMO DEI PALLONI) foi um filme absolutamente maldito: censurado devido a cenas “inconvenientes” e a seguir reduzido pelo produtor, à revelia de Ferreri, a 25 minutos e inserido como um dos episódios de OGGI, DOMANI, DOPODOMANI. Acabou por ser reconstituído e visto numa versão próxima das intenções do realizador. Trata-se da história de um industrial que está sempre a encher balões, para saber onde até onde pode fazê-lo, sem que estes explodam. No seu livro sobre Ferreri, Alberto Scandola descreve-o como “uma fábula cruel sobe a fratura entre a razão e o caos, que abala a rotina protetora de um industrial prisioneiro de uma regressão infantil”.
 
10/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
11ª Festa do Cinema Italiano: Marco Ferreri
El Cochecito
de Marco Ferreri
com José Isbert, José Luis López Vazquez, Chus Lampreave
Espanha, 1960 - 85 min
legendado eletronicamente em português | M/16
O segundo filme de Marco Ferreri, realizado, tal como o primeiro (EL PISITO), em Espanha, e com Pere Portabella entre os produtores. Outro colaborador importante de Ferreri é o argumentista Rafael Azcona, que já escrevera a sua estreia e se manteria como um parceiro regular do realizador italiano. Como outros filmes de Ferreri, centra-se na obsessão de uma personagem: no caso, a de um septuagenário que quer tanto ter uma cadeira de rodas a motor que está disposto a tudo para a obter, inclusive a viver como se fosse inválido. Depois deste filme, que não apenas por ser um “filme espanhol” lembra bem as ligações entre os universos de Ferreri e de Buñuel, o realizador voltaria ao país natal para dar início à sua obra italiana.