CICLO
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)


A colaboração entre a Cinemateca e o IndieLisboa, em 2018 na sua 15ª edição, resulta na programação e organização de uma retrospetiva da obra de Jacques Rozier e retoma a apresentação, na Cinemateca, da secção do festival “Director’s Cut”, em rima com sessões “em contexto”, refletindo a História do cinema, a sua memória e o seu património. A Cinemateca acolhe ainda uma sessão da secção “Silvestre” do festival para dar a ver um filme recente de James Benning, a cuja obra dedicou uma retrospetiva em 2016, então na presença do realizador. O programa acompanha as datas do festival, que decorre em Lisboa entre 26 de abril e 6 de maio, estendendo-se portanto ao próximo mês.
 
Jacques Rozier
Jacques Rozier é um dos grandes autores do cinema contemporâneo, mas também um dos mais secretos. Em cerca de três dezenas de filmes de curta e longa-metragem, filmou um punhado de longas-metragens de ficção fulcrais numa obra que marca a História do cinema a partir de finais dos anos cinquenta (RENTRÉE DES CLASSES, 1955, e BLUE JEANS, 1958, de que o então jovem crítico Jean-Luc Godard foi um dos acérrimos defensores), mas cuja raridade intrínseca permanece paradoxalmente rara. Reconhecida pela sua importância, esplendorosamente afirmada em ADIEU PHLIPPINE (1962), que se tornou um dos títulos icónicos da Nouvelle Vague e certamente o mais divulgado dos seus filmes, é ainda uma obra desconhecida. É também uma obra mais prolífera e variada do que a ideia feita que circunscreve o cineasta francês às suas longas-metragens, como a importante retrospetiva organizada em 2001 no Centro Pompidou tornou claro, fazendo prova da sua amplitude.
A aventura das suas produções e trajetórias complicadas de difusão contribuíram para a intermitência da visibilidade da obra de Jacques Rozier. Em Portugal, nenhum dos seus filmes estreou, e mesmo em França nem todos chegaram à distribuição, casos de LES NAUFRAGÉS DE L’ÎLE DE LA TORTUE (1976) e FIFI MARTINGALE (2001). Entre ADIEU PHLIPPINE e a segunda longa-metragem de ficção, DU CÔTÉ D’OROUËT (1969) passam seis anos; entre este e LES NAUFRAGÉS, sete; MAINE OCÉAN é de 1985, acentuando-se o intervalo de tempo no salto de doze anos que decorre até FIFI MARTINGALE, depois do qual Rozier filmou trabalhos que permanecem inéditos, de que é exemplo L’OPÉRA DU ROI. Estas datas estão, no entanto, longe de circunscrever a obra, aberta à pluralidade das suas inspirações e à diversidade dos seus registos cinematográficos.
A energia e singularidade criativas de Jacques Rozier produziram uma série de outros títulos ao longo de todo este período, assinalando-se, entre os trabalhos realizados para televisão ou no contexto de emissões históricas da televisão francesa, JEAN VIGO (1964, filme da série “Cinéastes de Notre Temps” de Janine Bazin e André S. Labarthe) ou JEANNE MOREAU (1972, da série “Vive le Cinéma”, da mesma dupla); dois números de 1965 da emissão “Ni Figue ni Raisin” em que se aproxima da “comédia musical”, com Anna Karina (nº 5) ou Dalida (nº 8); LETTRE DE LA SIERRA MORENA (1983, inicialmente concebido para a série “Cinéma Cinémas – Lettres de Cinéastes”) ou COMMENT DEVENIR CINÉASTE SANS SE PRENDRE LA TÊTE (1995, resultante de uma encomenda da Arte), em que, avesso à biografia, Rozier responde às avessas, e pela ficção, à proposta de uma incursão biográfica pela sua formação cinematográfica no IDHEC, onde estudou nos anos quarenta.
Obstinadamente livre, Jacques Rozier é um realizador de filmes de matriz livre que respiram a liberdade do seu entendimento do cinema, umbilicalmente ligado à mise-en-scène e a um andamento musical, feito de um apurado sentido da combinação de imagens e sons, diálogos, canções, atores, personagens, paisagens, os exteriores, o estúdio, a ligeireza e a gravidade narrativa, uma lógica de duração intrínseca aos planos e sequências. Exprimindo-os, o movimento das personagens segue recorrentemente em direcção a situações e lugares que, em férias ou em viagem, as retiram do quotidiano sem que a brutalidade da realidade se eclipse no horizonte, como, no caso de ADIEU PHILIPPINE (rodado no verão de 1960), a guerra da Argélia. A evasão e as digressões narrativas são inauguradas no percurso do pequeno protagonista de RENTRÉE DES CLASSES. A presença do mar e da água atravessa boa parte dos seus filmes, por outro lado atentos aos bastidores dos holofotes (veja-se o díptico PAPARAZZI / LE PARTI DES CHOSES: BARDOT / GODARD, de 1963, filmado durante a rodagem de LE MÉPRIS de Godard), mas também dos palcos (como em FIFI MARTINGALE). Cineasta visceralmente independente, Jacques Rozier faz da inteligência, da sensibilidade, do sentido de humor, a matéria que os seus filmes trabalham com rigor e fulgurância.
À data de hoje, a situação patrimonial da obra de Jacques Rozier, cuja preservação e restauro está em curso, não permite apresentar a totalidade dos filmes programados nas condições de excelência que todos eles merecem e respeitando os seus formatos originais. A retrospetiva que as notas seguintes apresentam e se estende a maio corresponde, no entanto, ao desejo veemente de dar visibilidade aqui e agora a esta obra a vários títulos extraordinária.
 
Jacques Rozier virá a Lisboa em datas a anunciar | a retrospetiva conta com a apresentação de um importante lote de filmes inéditos em Portugal e de raras exibições públicas absolutas
 
 
27/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Have you Seen my Movie?
de Paul Anton Smith
Reino Unido, 2016 - 136 min
 
27/04/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Rentrée des Classes | Blue Jeans | Paparazzi | Le Parti des Choses: Bardot / Godard | Roméos Et Jupettes
duração total da projeção:87 min | M/12
27/04/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Voyage en Terre – Philippine | Adieu Philippine
duração total da sessão: 118 min | M/12
28/04/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Elettra
de Tonino De Bernardi
Itália, 1987 - 93 min
28/04/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

O Termómetro de Galileu
de Teresa Villaverde
Portugal, 2018 - 105 min
27/04/2018, 18h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Em colaboração com o Indielisboa – Associação Cultural
Have you Seen my Movie?
de Paul Anton Smith
Reino Unido, 2016 - 136 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Director’s Cut
A primeira obra de Paul Anton Smith é um jogo de espelhos, um elogio ao cinema e uma celebração cinéfila – um filme de montagem de cenas de ficção em que as personagens se tornam espectadores de filmes numa sala de cinema. “O que acontece numa sala escura cheia de sombras? Os filmes são entretenimento, inspiração, terapia, sonho, uma fuga ou algo completamente diferente?” Aos espectadores de HAVE YOU SEEN MY MOVIE? é proposto que assistam a uma compilação de imagens cinematograficamente diversas em termos de registo, género e proveniência em travessia pela história pelo cinema.
 
27/04/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Em colaboração com o Indielisboa – Associação Cultural
Rentrée des Classes | Blue Jeans | Paparazzi | Le Parti des Choses: Bardot / Godard | Roméos Et Jupettes
duração total da projeção:87 min | M/12
Jacques Rozier
RENTRÉE DES CLASSES
com Marius Sumian, Léon Sauve, Jean Remy, Nicole Foudrain
França, 1955 – 24 min / legendado eletronicamente em português
BLUE JEANS
com René Ferro, Francis de Peretti, Elizabeth Klar, Laure Coretti, Christian Besin
França, 1958 – 22 min / legendado eletronicamente em português
PAPARAZZI
com Brigitte Bardot, Jean-Luc Godard, Michel Piccoli, Jack Palance, Fritz Lang
França, 1963 – 22 min / legendado eletronicamente em português
LE PARTI DES CHOSES: BARDOT / GODARD
com Brigitte Bardot, Jean-Luc Godard, Michel Piccoli, Jack Palance, Fritz Lang
França, 1963 – 8 min / legendado eletronicamente em português
ROMÉOS ET JUPETTES
com Pierre Richard, Margaret Clementi
de Jacques Rozier
França, 1966 – 11 min / legendado eletronicamente em português

Jacques Rozier estabelece a curta-metragem RENTRÉE DES CLASSES como a sua primeira obra, realizada pouco depois da conclusão dos estudos no IDHEC. A ação decorre numa vila da Provence e segue um miúdo que atira a mochila ao rio e penetra na floresta, em gazeta ao primeiro dia de aulas; a inspiração é a do cinema francês dos anos trinta, muito especialmente de Jean Vigo e Jean Renoir. Imbuído do espírito veranil, BLUE JEANS prefigura ADIEU PHILIPPINE: num passeio à beira-praia em Cannes, dois rapazes de motorizada metem conversa com duas raparigas parisienses que aí passam férias. Foi o filme que fez com que Jean-Luc Godard descobrisse Jacques Rozier, de quem falou ao produtor Georges de Beauregard como um dos realizadores da – então ainda inexistente – Nouvelle Vague. PAPARAZZI e LE PARTI DES CHOSES: BARDOT / GODARD formam um díptico vindo do mesmo material, filmado durante a rodagem mediterrânica de LE MÉPRIS de Godard, testemunhada pela câmara de Rozier. O primeiro é um retrato da imprensa sensacionalista ancorado no assalto que a dita imprensa faz a Brigitte Bardot, no auge da sua fama. Nele, Rozier não prescinde de encenar a atriz e alguns dos seus paparazzi para um “filme de ficção sobretudo composto por elementos registados com a consciência de uma e de outros”. De tom mais acentuadamente melancólico, o segundo capta o encontro Brigitte Bardot / Jean-Luc Godard, o do cinema e da realidade. Era Godard quem dizia, “Il faut prendre le parti des choses”. Dos anos sessenta impregnados de amores de juventude, ROMÉOS ET JUPETTES partiu da ideia de uma reflexão sobre a moda e o correio das leitoras às revistas femininas. Frívolo, dizia Rozier. BLUE JEANS é uma primeira exibição na Cinemateca.
 
27/04/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Em colaboração com o Indielisboa – Associação Cultural
Voyage en Terre – Philippine | Adieu Philippine
duração total da sessão: 118 min | M/12
Jacques Rozier
VOYAGE EN TERRE – PHILIPPINE
de Jacques Rozier
França, 2008 – 12 min / legendado eletronicamente em português
ADIEU PHILIPPINE
de Jacques Rozier
com Jean-Claude Aimini, Yveline Cery, Stefania Sabatini
França, 1962 – 106 min / legendado eletronicamente em português

O mais amado dos filmes desconhecidos (a sua carreira foi atribulada, em Portugal nunca estreou) do mais raro dos cineastas da Nouvelle-Vague, Jacques Rozier, cujo percurso fulgurante nunca mais terá tido sossego, filmando desde então os mais livres dos filmes. Nunca ninguém filmou tão perto a errância da gente nova, a hesitação, os dias inseguros, os adeuses, os acasos, o peso da guerra – aqui, a da Argélia. Tudo é fresco e novo neste documento único em que a Graça visita os corpos 24 vezes por segundo. “Incompreendido no momento da sua estreia, ADIEU PHILIPPINE é o mais belo retrato da França do início dos anos sessenta” (Louis Skorecki, 1998). Antecede-o VOYAGE EN TERRE – PHILIPPINE (primeira exibição na Cinemateca), em que Jacques Rozier evoca a história da sua primeira longa-metragem, filmada em tempo de guerra e censura, a cuja banda musical  reserva uma atenção particular.
 
28/04/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Em colaboração com o Indielisboa – Associação Cultural
Elettra
de Tonino De Bernardi
com Anna Coppo, Cristina Crovella, Luciana Pasin, Rosetta Rej
Itália, 1987 - 93 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Director’s Cut em Contexto

com a presença de Tonino De Bernardi
Profundamente ligado à literatura e à música, à arte de um modo geral, o trabalho de Tonino De Bernadi em cinema vem de meados dos anos sessenta assumindo o seu percurso inicial um lado experimental, e assinalavelmente prolífero, marcado pela influência dos movimentos de vanguarda e do cinema independente americano da década de setenta. ELETTRA, filmado a partir da tragédia de Sófocles, é o título normalmente referido como a sua “primeira longa-metragem oficial”, interpretada por atores não profissionais de Casalborgne e produzida pela RAI. Programado em rima com O TERMÓMETRO DE GALILEU de Teresa Villaverde. A apresentar em cópia vídeo, numa primeira exibição na Cinemateca.
 
28/04/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Indielisboa: Jacques Rozier | Director’s Cut / Director’s Cut em Contexto (I)

Em colaboração com o Indielisboa – Associação Cultural
O Termómetro de Galileu
de Teresa Villaverde
Portugal, 2018 - 105 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Director’s Cut

com a presença de Teresa Villaverde
O mais recente filme de Teresa Villaverde é um retrato de amigos e de cumplicidades, um encontro proporcionado pelo cinema que vai para lá do cinema, e começa com imagens do realizador italiano Tonino De Bernardi, imagens de ELETTRA, título fundamental da sua singular filmografia iniciada em finais dos anos sessenta. “Filmado em Itália com a família do cineasta Tonino De Bernardi, um filme sobre a transmissão entre gerações, sobre o respeito que todos têm uns pelos outros, pela vida, e pela arte.”