CICLO
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel


Pela sua excecionalidade, E AGORA? LEMBRA-ME de Joaquim Pinto e Nuno Leonel tem sido um caso para quem o descobre desde a primeira apresentação pública no festival de Locarno 2013 (onde recebeu a primeira de múltiplas distinções), chamando a atenção internacional para o igualmente excecional trabalho de Pinto e Leonel nas últimas décadas do cinema português. É aos filmes de ambos como realizadores, a solo e a dois, que este programa volta iniciando a nova temporada de programação da Cinemateca, no momento da estreia comercial portuguesa de E AGORA? LEMBRA-ME que a 28 de agosto marca a abertura da nova vida da sala de cinema lisboeta Ideal.
O encontro no cinema como correalizadores aconteceu em meados dos anos noventa numa série de filmes documentais filmados no Brasil centrados em focos de exclusão social da realidade urbana do Rio de Janeiro e especialmente atentos às crianças de rua. Nesta perspetiva, SURFAVELA, MOLEQUE DE RUA e ENTREVISTA COM YVONNE BEZERRA DE MELLO podem ser vistos como uma trilogia, destacando-se o primeiro pelo modo como capta a vitalidade dos seus protagonistas e os dois outros pela contenção do seu registo do quotidiano destas crianças socialmente estigmatizadas (e no caso da ENTREVISTA reflexão sobre) em tudo distante de um olhar miserabilista. Do mesmo “lote”, dando voz a um cozinheiro e seguindo a confeção de um prato de feijoada brasileira, COM CUSPE E JEITO SE BOTA NO CU DO SUJEITO aligeira o tom fazendo prova do peculiar sentido de humor que é também marca do cinema de Pinto e Leonel. Trabalhado e montado entre 1999 e 2003, RABO DE PEIXE foi, de ambos, o trabalho seguinte, associado a uma experiência de proximidade com a comunidade piscatória açoriana de Rabo de Peixe, na ilha de São Miguel, onde nesses anos viveram. SOL MENOR, uma reflexão sobre o tempo que passa, e PORCA MISÉRIA, uma variação sobre o universo infantil dos filmes do “foco brasileiro” em animação, interesse especial de Nuno Leonel, são as duas curtas-metragens de 2007 que antecedem E AGORA? LEMBRA-ME, produzido pela CRIM sem deixar de seguir os mesmos princípios de escala pessoal que caracteriza o cinema dos dois, que assinam a maioria dos créditos dos seus filmes desde SURFAVELA aliando a polivalência à possibilidade de existência dos seus projetos em sintonia com a própria natureza do seu trabalho. Em 2010, ambos fundaram a editora independente de música, literatura e cinema PRESENTE como um projeto que reflete os gostos e interesses editorais dos dois, responsável pela produção de O NOVO TESTAMENTO DE JESUS CRISTO SEGUNDO JOÃO e FIM DE CITAÇÃO (2013), os seus dois mais recentes trabalhos de longa-metragem.
Nuno Leonel (nascido em 1969) começou a trabalhar em cinema aos 16 anos, como animador, operador de máquina de trucagem, assistente de decoração, técnico e montador de som, eletricista, ator, maquinista, diretor de fotografia e realizador. São dele o genérico de UMA PEDRA NO BOLSO, o genérico e o cartaz de ONDE BATE O SOL de Pinto em finais dos anos oitenta. Na realização, estreou-se na década seguinte com as curtas de ficção e animação SANTA MARIA e SCHIZOPHRENIA, produzidas por Pinto.
Joaquim Pinto (nascido em 1957) é um nome indissociável do cinema português desde o início dos anos oitenta, quando começou a trabalhar como engenheiro de som, área em que concluiu a Escola Superior de Teatro e Cinema em 1979 e na qual se distinguiu participando na captação, montagem e misturas em cerca de uma centena de projetos de cinema e televisão. É da sua responsabilidade o som de filmes de Raoul Ruiz, Alain Tanner, Manoel de Oliveira e João César Monteiro entre muitos outros. Entre 1988 e 1996 produziu cerca de vinte e cinco longas-metragens e filmes documentais de João César Monteiro (RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA e COMÉDIA DE DEUS), António Campos, José Álvaro Morais, Teresa Villaverde, Jeanne Waltz ou Maria de Medeiros. Esse ciclo de produção teve origem na experiência da sua estreia na realização com UMA PEDRA NO BOLSO (1987), que sendo um dos títulos mais revigorantes do cinema português dos anos oitenta foi uma experiência de produção a todos os títulos invulgar no minimalismo de meios, acumulação de funções da equipa técnica e atores, reveladora de uma vontade de filmar que soube encontrar nos seus cúmplices uma renovadora forma de fazer cinema. A experiência é reincidente em ONDE BATE O SOL (1989), apesar de, a este título, se tratar de um filme um pouco mais ambicioso, contando com uma equipa ligeiramente maior e um maior naipe de atores, entre os quais a italiana Laura Morante. Os dois filmes foram apresentados no festival de cinema de Berlim e, em Lisboa, na Cinemateca, tendo estreado comercialmente em Portugal respetivamente em 1989 e 1994. No início dos anos noventa, DAS TRIPAS CORAÇÃO, realizado à volta da ideia do “Fogo” no quadro da série “Os Quatro Elementos”, e PARA CÁ DOS MONTES foram os dois últimos filmes realizados apenas por Joaquim Pinto que entretanto coordena a Filmebase, associada à prestação de serviços e meios técnicos na área do trabalho de som em cinema.
A singularidade do percurso de Joaquim Pinto assente na solidez da sua experiência como na afirmação da possibilidade de correr riscos percorrendo o seu próprio caminho, o caso de Joaquim Pinto e Nuno Leonel como autores de cinema, fazem desta retrospetiva a oportunidade rara da descoberta permitida por um olhar de conjunto. O alinhamento das sessões foi pensado com os realizadores que nesta ocasião, voltando ao momento açoriano da sua obra, apresentam uma nova versão de montagem de RABO DE PEIXE. O programa inclui dois dos filmes explicitamente citados em E AGORA? LEMBRA-ME: THE TERRITORY de Raoul Ruiz e O REI DAS ROSAS de Werner Schroeter. Joaquim Pinto e Nuno Leonel acompanham as sessões desta retrospetiva.

 

Numa alteração de última hora, THE TERRITORY e O REI DAS ROSAS não são exibidos. Numa escolha de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, são programados A TREMONHA DE CRISTAL de António Campos, ZÉFIRO de José Álvaro Morais (a apresentar com PARA CÁ DOS MONTES de Joaquim Pinto); e A VINGANÇA DE UMA MULHER de Rita Azevedo Gomes.

 

 

 
02/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel

Surfavela | Com Cuspe e Jeito se Bota no Cu do Sujeito | Entrevista com Yvonne Bezerra de Mello | Porca Miséria
duração total da sessão: 97 min | M/12
 
02/09/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel

Uma Pedra no Bolso | Santa Maria
duração total da sessão: 100 min | M/12
03/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel

A Tremonha de Cristal | Zéfiro| Para Cá dos Montes
duração total da sessão: 102 min | M/12
03/09/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel

O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João
de de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 2013 - 128 min
04/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel

Fim de Citação
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 2013 - 89 min
02/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel
Surfavela | Com Cuspe e Jeito se Bota no Cu do Sujeito | Entrevista com Yvonne Bezerra de Mello | Porca Miséria
duração total da sessão: 97 min | M/12
com a presença de Joaquim Pinto e Nuno Leonel

SURFAVELA
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 1996 – 39 min
COM CUSPE E JEITO SE BOTA NO CU DO SUJEITO
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 1997 – 21 min
ENTREVISTA COM YVONNE BEZERRA DE MELLO
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 1997 – 33 min
PORCA MISÉRIA
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 2007 – 4 min

Em 1996, SURFAVELA foi o primeiro filme assinado por Joaquim Pinto e Nuno Leonel. Produzido para a ARTE para uma noite temática sobre surf e rodado nas favelas do Cantagalo e da Rocinha, no Rio de Janeiro, aborda o “projeto Surfavela”, que se centra na resistência ao racismo e à existência precária dos jovens dessas favelas através do surf. ENTREVISTA COM YVONNE BEZERRA DE MELLO e COM CUSPE E JEITO SE BOTA NO CU DO SUJEITO estão intimamente ligados. A artista plástica Yvonne Bezerra de Mello que, no regresso ao Brasil depois de vários anos a viver na Europa, se confrontou com a situação de violência sobre as crianças, foi uma figura central na denúncia do massacre de menores na Igreja da Candelária (1993). Esta é uma lúcida e crua entrevista intercalada com imagens de rua, convivendo com a realidade das crianças abandonadas pelos subúrbios do Rio de Janeiro. O trabalho político de Yvonne estende-se à proteção de testemunhas da violência extrajudicial. Em COM CUSPE E JEITO, um invulgar “documentário de culinária”, Gilson “Xica da Silva” demonstra a confeção de uma feijoada à brasileira enquanto evoca com “sentido de humor” o trajeto da sua vida até uma das mais miseráveis favelas de subúrbio onde se ocultam alguns desses sobreviventes. Dez anos depois, contando a história de um porquinho de porcelana de origem francesa que encontra “sossego em mãos pobres mas amigas”, a curta de animação PORCA MISÉRIA torna-se pertinente, evocando o universo brasileiro dos filmes anteriores, ao perceber que nada mudou... Os três primeiros títulos estão associados à produção de Phillip Brooks (Dominant 7) e Antónia Seabra (AS Produções). PORCA MISÉRIA é uma produção Filmebase.
 

02/09/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel
Uma Pedra no Bolso | Santa Maria
duração total da sessão: 100 min | M/12
com a presença de Joaquim Pinto e Nuno Leonel

UMA PEDRA NO BOLSO
de Joaquim Pinto
Portugal, 1987 – 92 min
SANTA MARIA
de Nuno Leonel
Portugal, 1992 – 8 min

 

A sessão reúne as duas primeiras obras de Joaquim Pinto e Nuno Leonel. O primeiro filme de Pinto conta uma história de iniciação e embate com a idade adulta: em férias na estalagem de uma tia à beira mar, Miguel encontra Luísa, o pescador João e o Dr. Fernando, três personagens que marcarão a entrada da sua primeira pedra no bolso. Foi filmado sem subsídios e uma reduzida equipa, uma exceção no cinema português nos anos oitenta. “Quando Joaquim Pinto apresentou em ante-estreia o seu filme na Cinemateca disse (ou escreveu) que ‘Não vale a pena filmar se não se tiver motivos para isso’. Os motivos de UMA PEDRA NO BOLSO são óbvios e começa aí a sinceridade tocante desta obra” (M.S. Fonseca). De Nuno Leonel, produzido por Joaquim Pinto para a G.E.R. (produtora de UMA PEDRA NO BOLSO), a curta-metragem de animação SANTA MARIA é apresentada pela primeira vez na Cinemateca a abrir a sessão. O filme foi apresentado em seleção oficial no Festival de Berlim. “Montanhas de informação completamente inútil, fragmentada a um extremo em que tu próprio és mais um fator oco, dentro de um espaço e de um tempo que se enquadram noutro, e noutro... Como dois espelhos que se refletem, nada existe para refletir”. Explosão de imagens, sons e ideias, foi o primeiro filme português em Dolby Stereo. Foi solicitado pela Dolby para testar os limites sonoros das salas de cinema internacionais.

 

03/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel
A Tremonha de Cristal | Zéfiro| Para Cá dos Montes
duração total da sessão: 102 min | M/12
A pedido expresso do detentor dos suportes materiais (cópias 35mm) em depósito no Arquivo da Cinemateca e neste momento disponíveis para ambos os filme, THE TERRITORY de Raoul Ruiz e O REI DAS ROSAS de Werner Schroeter não serão exibidos. Numa escolha de Joaquim Pinto e Nuno Leonel, nas sessões de dias 3 e 5 de Setembro, às 19h, são projectados A TREMONHA DE CRISTAL de António Campos, ZÉFIRO de José Álvaro Morais e PARA CÁ DOS MONTES de Joaquim Pinto (1993/94); e A VINGANÇA DE UMA MULHER de Rita Azevedo Gomes (2011). PARA CÁ DOS MONTES estava inicialmente programado com DAS TRIPAS CORAÇÃO.

filmes apresentados por Pedro Martins, Ângela Cerveira e Pedro Penha

A TREMONHA DE CRISTAL
de António Campos
com Rita Loureiro, Manuel Wiborg, Laura Soveral, José Pinto, Maria Natália, Maria Campos
Portugal,1993 – 30 min
ZÉFIRO
de José Álvaro Morais
com Paulo Pires, Paula Guedes, Inês de Medeiros, José Meireles, Rogério Paulo, Luís Miguel Cintra, Marcello Urgeghe, Manuel Lobão
Portugal, 1994 – 47 min
PARA CÁ DOS MONTES
de Joaquim Pinto
com Rita Blanco, Ângela Cerveira, Joaquim Pinto, Vasco Sequeira
Portugal, 1993 – 25 min

A sessão reúne três filmes produzidos por Joaquim Pinto para a G.E.R., no contexto de um mesmo ciclo de produção nos anos noventa. Dele próprio, realizado no ano seguinte a DAS TRIPAS CORAÇÃO a partir de um argumento de José Pedro Penha, PARA CÁ DOS MONTES retrata a aldeia transmontana da Seara Velha, onde Sant’Iago é padroeiro, nos anos noventa e durante as Invasões Francesas. Em A TREMONHA DE CRISTAL, ficção rodada em Aveiro, António Campos regressa a uma sua fixação de infância: a tremonha, minúscula pirâmide de sal que por vezes aparece nas salinas e constitui um bom augúrio para aquele que a encontra. ZÉFIRO foi uma espécie de "regresso" para José Álvaro Morais, que aqui trata um tema do seu cinema – o Sul, simultaneamente real e mitológico – num filme-mosaico feito de pequenos fragmentos narrativos e contemplativos, onde se misturam com alegria o documentário e a ficção, a realidade e o imaginário. PARA CÁ DOS MONTES é uma primeira exibição na Cinemateca.

03/09/2014, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel
O Novo Testamento de Jesus Cristo Segundo João
de de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
com com Luís Miguel Cintra
Portugal, 2013 - 128 min
M/12
com a presença de Luís Miguel Cintra

Registo de um dia de leitura por Luís Miguel Cintra de Evangelho Segundo S. João ao ar livre, no campo, a partir de O Novo Testamento de Jesu Christo Segundo João, traduzido em português, da Vulgata latina, por António Pereira de Figueiredo (1725-1797). Feito de sobreposições de imagens e sons, dos ritmos do texto e da natureza, das modulações da voz do ator, é um filme profundamente singular. “O primeiro capítulo é acompanhado por imagens do local, seguindo-se um bloco em que somos imersos no ‘grão da voz’ de Luís Miguel. A partir daí, essa voz materializa-se na expressão, no gesto, na presença, no ritmo, na respiração, na pulsão do corpo do ator, que se transforma em veículo da materialização do texto” (Joaquim Pinto, Nuno Leonel). Produção Presente. Primeira exibição na Cinemateca.

04/09/2014, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
E Agora? Lembrando Joaquim Pinto e Nuno Leonel
Fim de Citação
de Joaquim Pinto, Nuno Leonel
Portugal, 2013 - 89 min
M/12
sessão apresentada por Luís Miguel Cintra

FIM DE CITAÇÃO é um filme de Joaquim Pinto e Nuno Leonel a partir de uma peça de Luís Miguel Cintra criada em 2010 para a Cornucópia, com Diniz Gomes, Luís Lima Barreto, Luís Miguel Cintra e Sofia Marques. “Vimos esta peça como espectadores anónimos. A nossa proposta de filmar o Fim de Citação em continuidade, durante outra representação, utilizando três câmaras emprestadas durante umas horas (com diversas contingências técnicas) e sem planificação prévia, é também o desafio de cruzar os pontos de fuga dos nossos sentidos, e a partir deles reconstruir um Fim de Citação. Permitir que o espetáculo sobreviva à efemeridade de vinte uma representações. ‘Estamos prontos para novas aventuras. E com o humor que deve ser o sal da vida.’ Fim de citação”. Produção Presente. Primeira exibição na Cinemateca.