CICLO
Cinemateca Com O Queer Lisboa: Lionel Soukaz


Em setembro a Cinemateca presta homenagem ao pioneiro do cinema queer francês Lionel Soukaz, falecido no passado mês de fevereiro, em mais uma colaboração com o Queer Lisboa – Festival Internacional de Cinema Queer.
Membro do coletivo de ativistas e intelectuais FHAR (Frente Homossexual de Ação Revolucionária) e colaborador do teórico Guy Hocquenghem (com quem assinaria RACE D’EP, um dos títulos fundamentais da História do cinema queer), Soukaz começou a deixar a sua marca no cinema experimental nas décadas de 1970 e 1980, sobretudo na promoção de obras no formato Super 8, ao mesmo tempo que conquistaria um papel central na divulgação do cinema queer em França, ao criar o primeiro festival de cinema gay e lésbico de Paris, Écrans Roses et Nuits Bleues, em 1978.
O seu cinema, que começa por apresentar uma enorme liberdade criativa na abordagem de temas como o desejo e a urgência de viver, liberdade essa que lhe garantiu a censura de alguns filmes nessa época – à qual este viria a responder com IXE, filme-manifesto contra o silenciamento institucional, onde a palavra “vivre” ecoa sobre imagens de corpos nus, de sexualidade explícita, de uso de drogas e de tudo o que os censores procuravam proibir – ganha um novo rumo no final dos anos 1980 e durante a década seguinte, tornando-se mais diarístico e autobiográfico. Nesta fase o foco do seu trabalho é um retrato pungente da epidemia da SIDA, de perdas pessoais e da luta diária pela sobrevivência de uma comunidade altamente discriminada. Exemplo disso são as mais de mil horas da série Journal annales, que filmou ao longo desse período.
Com o início do século XXI dá-se uma nova redescoberta da sua obra, graças aos esforços da crítica Nicole Brenez, e Lionel Soukaz torna-se mentor e colaborador de toda uma nova geração de artistas e realizadores queer franceses.
Com esta retrospetiva, a Cinemateca e o Queer Lisboa propõem-se a fazer justiça ao cinema vital e insubmisso de um cineasta inquieto, onde a vida e a arte se fundem numa prática intransigente de liberdade. “Devemos ver e falar dos filmes de Lionel de modo que nos inspirem com essa mesma consistência contra a repressão e a censura, esse mesmo apelo pela liberdade e justiça, esse mesmo respeito pelo desejo e pelo amor que sempre guiaram o Lionel”, escreve Stéphane Gérard, destacado pupilo de Soukaz, que estará em Lisboa para apresentar algumas das sessões na Cinemateca e participar numa conversa com o público. Todos os filmes são primeiras exibições na Cinemateca, exceto RACE D'EP.
 
 
26/09/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Cinemateca Com O Queer Lisboa: Lionel Soukaz

La Loi X – La Nuit En Permanence | Le Sexe Des Anges
 
27/09/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Cinemateca Com O Queer Lisboa: Lionel Soukaz

Ballade pour un Homme Seul | Lolo Mégalo Blessé en Son Honneur | Maman que Man
26/09/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Cinemateca Com O Queer Lisboa: Lionel Soukaz
La Loi X – La Nuit En Permanence | Le Sexe Des Anges
LA LOI X – LA NUIT EN PERMANENCE
de Lionel Soukaz
com Michel Guy
França, 2001 – 9 min

LE SEXE DES ANGES
de Lionel Soukaz
com Bruno Maddaléna, Tom Myers, Patrice Gouron, Kamel Tounssi
França, 1977 – 45 min

Duração total da projeção: 54 min | legendados eletronicamente em português | M/18
Em LA LOI X – LA NUIT EN PERMANENCE, Lionel Soukaz lê em voz alta o seu manifesto publicado no Libération em 1979, texto que desafia o apagamento da cultura e da vida queer sob o peso da repressão e da indiferença. A leitura – dedicada a Nicole Brenez – é performativa, feita com o corpo e contra o silêncio. É também uma convocação da noite como território político, onde a marginalidade se converte em criação. LE SEXE DES ANGES responde a essa mesma violência estrutural com imagens em que o corpo masculino é celebrado como matéria desejante. As vinhetas recusam os papéis impostos por uma sociedade que, nos anos 70, canalizava e reprimia a sexualidade adolescente, forçando à dissimulação e ao exílio simbólico. Contra essa lógica binária e moralizante, o filme reclama um imaginário de travessia, onde o travestismo, o erotismo e o desejo emergem como formas de afirmação identitária e política. A inocência dos adolescentes não existe; ao contrário dos anjos a que são frequentemente associados, eles afirmam a sua sexualidade.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui
 
27/09/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Cinemateca Com O Queer Lisboa: Lionel Soukaz
Ballade pour un Homme Seul | Lolo Mégalo Blessé en Son Honneur | Maman que Man
BALLADE POUR UN HOMME SEUL
de Lionel Soukaz
com Pascal Gaétan
França, 1968 – 18 min / sem diálogos

LOLO MÉGALO BLESSÉ EN SON HONNEUR
de Lionel Soukaz
com Lionel Soukaz
França, 1974 – 17 min / sem diálogos

MAMAN QUE MAN
de Lionel Soukaz
com Didier Hercend, Luc Bernard, Marie Thonon
França, 1982 – 48 min | legendado eletronicamente em português

Duração total da projeção: 83 min | M/16
Em BALLADE POUR UN HOMME SEUL, o seu primeiro filme, Soukaz evoca a figura de um amigo de infância numa corrida colina abaixo a toda a velocidade, uma “inocente cavalgada, só que conduzida pelo seu desejo”, como lembra Stéphane Gérard. A câmara acompanha o movimento com um travelling que vai dar a um corpo tombado entre papoilas – “não se sabe se estaria morto ou vivo” – num gesto em que o sofrimento perante a betonização das cidades se depara com a força da natureza. “Éramos já todos ecologistas de alma”, disse Soukaz. LOLO MÉGALO BLESSÉ EN SON HONNEUR revela o jovem cineasta – com apenas 20 anos – em processo de descoberta artística e identitária. A saudade, a solidão e o travestismo fundem-se num grito performativo – “Ama-me!” – que dança entre a memória política e a afirmação de um lado feminino. Nixon e Giscard desfilam no televisor enquanto o corpo se move, vulnerável e rebelde, diante da câmara. MAMAN QUE MAN é, talvez, o mais cru dos filmes desta sessão. Enquanto a mãe morre de cancro, Laurent entrega-se a uma relação com um estranho que promete fazer avançar a sua carreira. A promessa e a perda colidem numa narrativa que não busca consolo, apenas presença – mesmo que fugaz – diante do abismo.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui