CICLO
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc


Dando continuidade à linhagem artística e política de anteriores programas de colaboração entre o Doclisboa e a Cinemateca Portuguesa dedicados à América Latina (Luis Ospina em 2018, Carlos Reichenbach em 2022), a primeira retrospetiva europeia de Paul Leduc (1942-2020), um mestre do cinema independente mexicano, preenche a maior parte das sessões da colaboração deste ano. Para além da retrospetiva Leduc, a Cinemateca acolhe novamente o Doclisboa com algumas sessões de outras secções não-competitivas do festival (Heart Beat, Retrospetiva Back to the Future, Da Terra à Lua). O crítico e programador Boris Nelepo (habitual colaborador do Doclisboa para as secções retrospetivas) assina o texto que se segue sobre Paul Leduc bem como as notas individuais sobre as respetivas sessões. À exceção de REED, MÉXICO INSURGENTE, todos os filmes de Leduc serão apresentados em cópias digitais e são primeiras apresentações na Cinemateca.
 
UMA DANÇA PARA A MÚSICA DO TEMPO – RETROSPETIVA PAUL LEDUC
Em colaboração com Ficunam e Filmoteca de la UNAM e com o apoio da Embaixada do México em Portugal
“Nascido numa família comunista na Cidade do México, Paul Leduc (1942-2020) estudou arquitetura e teatro antes de ir para França para o Instituto de Estudos Avançados de Cinema (IDHEC), onde descobriu o trabalho de Jean Rouch. Após regressar a casa, participou ativamente no movimento dos cineclubes, fez crítica e cofundou, com Alexis Grivas, Rafael Castanedo e Felipe Cazals, o coletivo Cine 70.
A sua primeira longa-metragem, REED: MÉXICO INSURGENTE (1970), baseada no relato da Revolução Mexicana de John Reed, é um dos filmes-chave do Novo Cinema Mexicano. O curador Amos Vogel considerou-o 'uma obra notável, ambígua, de grande subtileza' e incluiu-o no seu livro de referência Film as Subversive Art. Vogel resume a abordagem militante de Leduc: 'Reed – que planeara ‘cobrir um acontecimento’ com que simpatizava – apercebe-se de que tem de participar; acaba por atirar uma pedra solitária a uma montra e torna-se num revolucionário'.
O percurso de Leduc, que o levou a recusar as palavras, foi dedicado à procura de uma nova forma e de uma linguagem cinematográfica adequada para retratar a cultura latino-
-americana. Glauber Rocha foi um cúmplice importante nestas discussões. Leduc explicou: 'O México tinha mais a ver com o que emergia de um criador como Juan Rulfo, um escritor do silêncio, do deserto, dos vales secos. O ritmo é muito diferente nos países onde existiram civilizações indígenas, a música demonstra-o'.
Os seus filmes foram exibidos três vezes em Cannes (REED na Quinzena dos Realizadores, ETNOCIDIO, NOTAS SOBRE EL MEZQUITAL na Semana da Crítica, BARROCO em Un Certain Regard) e duas vezes na Berlinale (FRIDA no Fórum e LATINO BAR no Panorama) e COBRADOR participou na secção Orizzonti em Veneza. Todavia, durante muitos anos, foi difícil vê-los por não existirem cópias.
A cartografia da obra de Leduc inclui Venezuela, Cuba, Argentina e Panamá. A sua última longa-metragem, COBRADOR. IN GOD WE TRUST (2006), foi em grande parte rodada no Brasil, inspirada pelas histórias de Rubem Fonseca e pelas canções de Tom Zé. Se os seus documentários são tratados sobre temas como a exploração do povo indígena otomi (ETNOCIDIO, NOTAS SOBRE EL MEZQUITAL, 1975) ou a guerra civil em El Salvador (HISTORIAS PROHIBIDAS DE PULGARCITO, 1980), o seu trabalho ficcional aborda a colonização mesoamericana na forma de musicais experimentais: BARROCO (1989), LATINO BAR (1990) e DOLLAR MAMBO (1993).
Com o passar do tempo, o ballet de olhares no cinema de Paul Leduc substituiu os diálogos e as canções tomaram o lugar dos mundos falados. Curiosamente, para a maior parte das suas obras visuais, o realizador aproximou-se de obras literárias, mais frequentemente de romances. Os livros de autores como Alejo Carpentier, Roque Dalton, Carlos Fuentes, Federico Gamboa e José Revueltas tornaram-se fonte de inspiração para os seus filmes. Entre as dezenas de projetos inacabados – infelizmente, Leduc conseguiu terminar muito menos filmes do que as ideias que tinha desenvolvido – encontram-se três tentativas falhadas (1974, 1994, 2014) de adaptar Debaixo do Vulcão, de Malcolm Lowry. No entanto, quase nenhuma das suas obras pode ser considerada uma adaptação, uma vez que Leduc se envolve sempre em diálogos vivos com os textos, alterando-os, por vezes, de forma irreconhecível.
A experiência formativa inicial de Leduc, enquanto estudava teatro com o ator, encenador e coreógrafo japonês Seki Sano, que no seu exílio se tornou 'um pai do teatro mexicano contemporâneo', também permite compreender melhor o desenvolvimento da sua forma cinematográfica. Os diferentes tipos de estética teatral reaparecem constantemente no seu cinema. Até a animação 3D LOS ANIMALES (1994) começa e acaba com uma cortina de teatro. Embora vindo de um lugar e de um contexto diferentes, a sua procura pela linguagem ocorreu em paralelo com as obras de cineastas modernistas como Manoel de Oliveira, Werner Schroeter ou Raúl Ruiz.
O teatro baseia-se no sentido próximo do coletivo — e Paul Leduc entrou no cinema como parte do coletivo Cine 70, ainda não suficientemente exibido e pesquisado. Foi apenas em 2022 que Nicole Brenez e Paul Grivas apresentaram na Cinemateca Francesa a primeira retrospetiva deste movimento, intitulada Ciné 70, groupe insurgé, Mexique 1967-1970. Os seus primeiros documentários são por vezes difíceis de atribuir devido aos seus créditos muito humildes, mencionando apenas os nomes dos trabalhadores, sem separar os seus papéis na produção.
Desde SUR SURESTE: 2604 (1973) e EXTENSIÓN CULTURAL (1975), as câmaras, os ecrãs de cinema, os recetores de rádio e a televisão povoam os filmes de Leduc. O realizador atravessa espaço e tempo, mostrando-nos diferentes personagens escutando a mesma canção. Frida Kahlo vai a uma sala de cinema e assiste a notícias sobre a ascensão de Adolf Hitler ao poder, sob os aplausos dos espectadores que a rodeiam. Em DOLLAR MAMBO, o ecrã informa sobre o assassinato de uma dançarina de cabaret. COBRADOR aborda os novos tipos de imagens, incluindo as digitais, e termina com os atentados do 11 de Setembro. No cinema de Paul Leduc e nesta retrospetiva, todos estes acontecimentos ocorrem em simultâneo.”
Boris Nelepo
 
 
18/10/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc

Reed, México Insurgente
Reed: México Rebelde
de Paul Leduc
México, 1970 - 107 min
 
18/10/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc

Crónica de un Reventón | Cobrador. In God We Trust
19/10/2024, 16h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc

Mesa-Redonda - Uma Revisão da Obra do Autor Paul Leduc
19/10/2024, 17h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc

Comunicados 1, 2 Y 4 del Consejo Nacional de Huelga | Hurbanistorias (Sic)
19/10/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc

Psicoprofilaxis | Extensión Cultural | El General Constante Y La Bella Féferes | Los Animales
18/10/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc
Reed, México Insurgente
Reed: México Rebelde
de Paul Leduc
com Claudio Obregón, Ernesto Gómez Cruz, Max Kerlow, Heraclio Zepeda
México, 1970 - 107 min
legendado em português e eletronicamente em inglês | M/12
Antes de Dez Dias que Abalaram o Mundo, John Reed foi ao México, para testemunhar a sua primeira revolução. O começo de Leduc, rodado de forma independente em 16mm, mostra a marcha da História de forma diferente. No seu livro de referência Film as a Subversive Art, Amos Vogel escreveu: “Acedemos às verdadeiras realidades da revolução mexicana (ou qualquer outra): calmaria e confusão, caminhos acidentados, morte inesperada, amizades repentinas e meias-ações sinuosas.
O sentimento é anti-folclórico, anti-sentimental, anti-heróico e, como tal, mais próximo da realidade revolucionária”.
 
18/10/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc
Crónica de un Reventón | Cobrador. In God We Trust
CRÓNICA DE UN REVENTÓN
México, 1985 – 28 min

COBRADOR. IN GOD WE TRUST
com Peter Fonda, Lázaro Ramos, Antonella Costa, Milton Gonçalves, Dolores Heredia, Ruy Guerra
México, Espanha, Brasil, Reino Unido, Argentina, França, 2006 – 86 min

filmes de Paul Leduc
duração total da projeção: 114 min
legendados em inglês e eletronicamente em português | M/12

Leduc assinou os primeiros oito e o décimo primeiro dos 13 episódios de Con la música por dentro, série repleta de habitantes da Cidade do México – trovadores itinerantes, românticos boémios, mariachis – que tornam a aparecer em ¿CÓMO VES?, filme-chave dos anos 1980 no México. Os verdadeiros reis do décimo primeiro capítulo são Álex Lora e Three Souls in My Mind (imediatamente antes de passarem a ser El Tri). Após uns anos de interdição do rock, entram de pleno direito num ginásio disfarçado de salão de dança à espera de alguma loucura punk. Que delícia vislumbrar a televisão mexicana no seu melhor em CRÓNICA DE UN REVENTÓN. Os caminhos de um garimpeiro brasileiro, um jornalista argentino, um polícia brasileiro e um magnata americano (Mr. X, interpretado por Peter Fonda) cruzam-se em COBRADOR. IN GOD WE TRUST, ficção baseada em cinco contos de Rubem Fonseca (Passeio Noturno 1 & 2, O Cobrador, Placebo, Cidade de Deus [1975-1997]), o único filme de Leduc no século XXI. O seu olhar implacável volta-se para a violência da globalização, mostrando a união entre todas as coisas num mundo contemporâneo. Leduc sempre esteve atento aos meios visuais e parte do seu pensamento sobre imagens digitais e de vigilância não difere muito do de Tony Scott. Por último, a música de Tom Zé é um antídoto fundamental.
 
19/10/2024, 16h00 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc
Mesa-Redonda - Uma Revisão da Obra do Autor Paul Leduc
Entrada livre, mediante levantamento de ingresso na Bilheteira trinta minutos antes do início da sessão.
Esta mesa-redonda discute o impacto e a relevância da obra de Paul Leduc, referência incontornável no cinema latino-americano. Participam na conversa Maximiliano Cruz (diretor do Ficunam), Astrid Villanueva Zaldo (investigadora) e Boris Nelepo (programador pelo Doclisboa da retrospetiva).
 
 
19/10/2024, 17h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc
Comunicados 1, 2 Y 4 del Consejo Nacional de Huelga | Hurbanistorias (Sic)
COMUNICADOS 1, 2 Y 4 DEL CONSEJO NACIONAL DE HUELGA
México, 1968 – 20 min

HURBANISTORIAS (SIC)
México, 1985 – 30 min

filmes de Paul Leduc
duração total da projeção: 50 min
legendados em inglês e eletronicamente em português | M/12

No verão de 1968, houve grandes manifestações na rua. “Não queremos os Jogos Olímpicos, queremos uma revolução.” Leduc, Rafael Castanedo, Óscar Menéndez e outros participaram no movimento, fazendo declarações públicas sob a forma de cinétracts, com base em fotografias (sobretudo de Héctor García), documentando a ação de um estado violento. Estes COMUNICADOS foram rodados em julho/agosto, para circular pelas universidades e reunir pessoas em auditórios para promover o debate político. Mais tarde, dez dias antes da abertura dos Jogos Olímpicos de Verão, os estudantes foram massacrados pelos militares. HURBANISTORIAS (SIC), sexto episódio da série Con la música por dentro, vai buscar o título ao único álbum de Rockdrigo lançado em vida. Bob Dylan local de rua, profeta com harmónica, cofundador com Jaime López de La Liga de Músicos Errantes y Cantantes Rupestres. ¿CÓMO VES? conta com a sua presença graciosa, mas morreu antes de o filme ver a luz do dia. “Só havia canções, o que era suficiente. O que é que se pode dizer de Rockdrigo que ele próprio não diga? O físico dele, a forma de cantar. Não é um vídeo musical. Ele canta em vários sítios e nós filmámo-los.” (Paul Leduc)
 
 
19/10/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Doclisboa: Paul Leduc
Psicoprofilaxis | Extensión Cultural | El General Constante Y La Bella Féferes | Los Animales
PSICOPROFILAXIS
México, 1970 – 24 min

EXTENSIÓN CULTURAL
México, 1975 – 33 min

EL GENERAL CONSTANTE Y LA BELLA FÉFERES
México, 1985 – 29 min

LOS ANIMALES
México, 1994 – 28 min

filmes de Paul Leduc
duração total da projeção: 114 min
legendados em inglês e eletronicamente em português | M/12

Em PSICOPROFILAXIS seguimos o percurso de duas grávidas de classes diferentes. A mulher rica recorre ao método psicoprofilático de parto indolor, tendo orientação, preparação e apoio adequados durante todo o processo – também conhecido como método Lamaze, desenvolvido pelo obstetra francês após a sua visita à União Soviética nos anos de 1950 e ser influenciado pelas práticas de parto comunistas. Ironia da História? Por outro lado, a protagonista pobre só tem acesso a assistência médica genérica numa clínica pública. Excelente exemplo de cinema direto realizado por Leduc com Alexis Grivas.  Durante o mandato presidencial de seis anos de Luis Echeverría Álvarez, a iniciativa da Secretaria de Educação Pública permitiu a Julio Bracho, Arturo Ripstein, Felipe Cazals e Leduc realizarem curtas. Leduc aproveitou esta encomenda como uma fábrica de imaginação do seu trabalho futuro em EXTENSIÓN CULTURAL. Nele encontram-se protótipos de cenas de BARROCO, ¿CÓMO VES? e outras obras-primas. Cada cultura – seja artesanato, pintura, música (até a mezzo-soprano soviética Zara Dolukhanova, aparece!) – é uma extensão de uma história e de uma geografia. O cinema não é esquecido: numa façanha metanarrativa, uma equipa é incluída na pesquisa. Jaime López, autor de El General Constante, álbum delirante e marco do rock mexicano, e Cecilia Toussaint são as estrelas de EL GENERAL CONSTANTE Y LA BELLA FÉFERES, terceiro episódio da série Con la música por dentro. Ambos fazem parte do universo de Leduc. É impossível imaginar Los Animales sem as suas vozes. Aqui, ouvimos pela primeira vez a sublime La Primera Calle de la Soledad, escrita por López e imortalizada na voz de Toussaint. Não admira que precisamente essa canção junte vários tempos na gloriosa interpretação final de BARROCO. LOS ANIMALES é a primeira incursão na animação de Leduc e é uma odisseia de um século (1850 – 1950) na História coletiva através de canções infantis interpretadas por Óscar Chávez, Jaime López e Cecilia Toussaint (vide ¿CÓMO VES?). A História de um país é, aqui, um sonho de um pardal triste em animações 3D primitivas. Paul Leduc cria um universo novo, procura uma linguagem envolvente para lá das palavras e convida públicos jovens para imaginarem o passado, e consequentemente o futuro, de outra maneira. Que poderia ser mais simples, mas simultaneamente mais profundo, do que mostrar as lutas e transformações sociais deste modo?