CICLO
Revisitar os Grandes Géneros – A Guerra no Cinema (Parte III): Para Além do Campo de Batalha


Nesta terceira parte do ciclo que ao longo do ano dedicámos ao “filme de guerra” afastamo-nos justamente das convenções, e do “filme de guerra” como género normalmente identificado pelo relato de manobras estratégicas e militares, e ações no campo de batalha.
Reunimos assim um conjunto de filmes onde a guerra é o principal signo, mas não necessariamente o principal objeto. Embora possa haver exceções (como logo a abrir, porque é irresistível juntar SHOULDER ARMS, primeiro filme anti-bélico de Chaplin, ao seu grande manifesto pacifista e anti-nazi, THE GREAT DICTATOR), o foco destes filmes não está na descrição de combates, está no relato das muitas maneiras que uma guerra tem de afetar a vida mesmo dos que não são combatentes no sentido estrito do termo, ou vivem longe do campo de batalha, que, este, não tem sentido estrito, e numa guerra total qualquer sítio é um campo de batalha (como o foram, por exemplo, as ruas de Londres durante o blitz, como no-las mostram, em pleno retrato contemporâneo, o MRS. MINIVER, de Wyler ou, com recuo de algumas décadas, o HOPE AND GLORY, de John Boorman).
Fassbinder comentou a propósito do A TIME TO LOVE AND A TIME TO DIE, de Douglas Sirk (também incluído no ciclo), que o filme mostrava um amor “que não teria existido sem guerra”. Mutatis mutandis, a observação serve para esta terceira parte do ciclo, onde mostramos filmes que também “não teriam existido sem guerra”, sem as guerras reais, concretas, específicas, que sacudiram o século XX, e que sobre elas, e sobre o que foi a vida durante elas, propõem uma reflexão, mais imediata ou mais mediada, mais fria ou mais romântica, às vezes em fuga da guerra outras vezes olhando-a de frente. E se só alguns filmes do ciclo foram feitos durante a guerra e em situações de guerra, se calhar são esses (como os belíssimos UNTER DEN BRÜCKEN, de Kautner, e “Às Seis da Tarde, Depois da Guerra”, de Pyriev) os que mais lancinantemente procuram desviar o olhar e encontrar uma vida que resista ao carácter avassalador de um contexto de guerra. Outros são filmes de “antes da guerra”, narrativamente e mesmo historicamente, como é o caso de LA RÈGLE DU JEU, de Renoir, porventura o filme que mais pressente a inevitabilidade da guerra que viria a ser a II (a par do DICTATOR, de Chaplin), que o curso da História depois confirmou. É, finalmente, outra coisa que esta terceira parte do ciclo (que se poderia estender infinitamente, pensando nas muitas centenas de filmes que aqui teriam cabimento) deixa como sugestão: que o cinema, talvez mais do que qualquer outra forma de arte, está condenado, quase “ontologicamente”, a ter uma relação profunda e de duplo sinal com a História, a ser gerado por ela no mesmo passo em que sobre ela fornece uma perspetiva. A guerra será o exemplo mais extremo, mas também por isso mais claro, das formas tomadas por essa obrigatória relação.
 
 
29/11/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Revisitar os Grandes Géneros – A Guerra no Cinema (Parte III): Para Além do Campo de Batalha

Supai no Tsuma
Mulher de um Espião
de Kiyoshi Kurosawa
Japão, 2020 - 115 min
 
29/11/2023, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Revisitar os Grandes Géneros – A Guerra no Cinema (Parte III): Para Além do Campo de Batalha
Supai no Tsuma
Mulher de um Espião
de Kiyoshi Kurosawa
com Yu Aoi, Issey Takahashi
Japão, 2020 - 115 min
legendado em português | M/12
Kiyoshi Kurosawa, um dos mais interessantes cineastas japoneses contemporâneos (e já objeto de um pequeno ciclo na Cinemateca, no início dos anos 2010), ensaia aqui um registo bastante diferente do dos filmes, na fronteira com o fantástico, que mais o celebrizaram. É um mergulho na sociedade japonesa de imediatamente antes, durante e logo depois da II Guerra, através da história da relação de um casal onde o marido, como o título indica, conspira contra o regime nacionalista. Mas a protagonista é ela, Yu Aoi, magnífica, tão estóica e sofrida como uma heroína de Mizoguchi (cujos filmes, a dado ponto, ela menciona).

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