CICLO
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino


Ao longo dos anos, a Cinemateca tem organizado ciclos consagrados a cinematografias nacionais, muitas delas pouco conhecidas além das suas fronteiras, como aconteceu recentemente com a grega e a suíça, além, naturalmente, de diversas cinematografias não europeias. A Índia, a China, o Brasil, o México, o Egito ou a África negra, para citar apenas alguns exemplos, foram também objeto de vários ciclos históricos. Temos agora a oportunidade de proporcionar aos espectadores portugueses uma viagem pelo cinema das Filipinas, que só é conhecido na Europa através de alguns poucos autores, como Lino Brocka, “descoberto” nos anos 80 e, nos dias de hoje, sobretudo Brillante Mendoza, Lav Diaz ou Raya Martin. No entanto, a cinematografia filipina arrancou cedo (as primeiras longas-metragens datam dos anos de 1910) e os filipinos sempre fizeram parte dos mais ávidos espectadores de cinema do mundo. Por outro lado, e por diferentes razões que em muitos casos são semelhantes às que se verificaram em outros grande países asiáticos, muito do seu passado é hoje um continente considerado perdido, o que torna difícil ou praticamente impossível organizar uma retrospetiva que abranja as décadas iniciais. Este facto e a própria ênfase que se desejou dar às décadas que (com os dados conhecidos à data presente) são quase sempre assumidas como “décadas de ouro” desse longo percurso, levaram-nos a optar por um programa que se inicia com um grande clássico de 1950.
Durante o período mudo, a influência do cinema americano sobre o filipino é muito forte, embora os filmes abordem quase exclusivamente temas locais. A influência da antiga potência colonizadora, a Espanha, também se faz sentir nos filmes musicais, feitos ainda na era do mudo, com as sarswelas (corruptela de zarzuela). No período que vai de 1933 (ano do primeiro filme sonoro filipino) à ocupação japonesa, em 1942, os filmes filipinos têm grande êxito público, também porque os filmes americanos são distribuídos sem legendas e, naturalmente, a maioria dos espectadores não domina o inglês. É então no fim da Segunda Guerra Mundial que começa a chamada Idade de Ouro do cinema filipino, que vai, aproximadamente, até meados dos anos 50. Quatro grandes estúdios, organizados de acordo com o modelo americano, dominam a produção, que ronda então os duzentos filmes por ano. Estes ilustram géneros como a comédia musical, o melodrama, os filmes de aventuras (inclusive com a criação de super-heróis) ou o filme de guerra. Os realizadores que alcançam uma posição na indústria trabalham sem parar e assinam filmes em continuidade e grande profusão. Mas esta idade de ouro chega ao fim, bruscamente, nos finais da década de 50, e a indústria cinematográfica entra em terreno incerto. A produção diminui e os filmes filipinos deixam de circular nos festivais internacionais. Este marasmo relativo estende-se por mais de dez anos. Paradoxalmente, o período em que o país está sob a lei marcial, que vai de 1971 a 1983, assinala uma segunda idade de ouro do cinema filipino. Por um lado, surgem ou afirmam-se fortes personalidades, como Lino Brocka e Kidlat Tahimik, com grandes diferenças nos seus percursos individuais, pouco afeitas ao cinema de puro entretenimento ou às formas clássicas. Por outro lado (e em parte criando condições para essa emergência de autores), o Estado passa a subsidiar cinema mesmo de grande público, o que dá azo à produção de obras de qualidade e solidez artesanal, agora protegidas pelos subsídios públicos das incertezas do box office. Finalmente, já nos anos de 2000, a produção diminui mas surge aquilo que pode ser considerado como uma terceira idade de ouro, com a produção de muitos filmes independentes com qualidade e ambição artística realizados por nomes como Lav Diaz, Brillante Mendoza, Raya Martin ou Pepe Diokno.
Os filmes que apresentamos neste ciclo, realizados entre 1950 e 2015, foram divididos em três grandes capítulos, que ilustram esses três grandes períodos da vasta e complexa cinematografia filipina: “A Primeira Idade de Ouro, com GENGHIS KHAN e NOLI ME TANGERE, que marcam o triunfo de um cinema industrial e popular; “A Segunda Idade de Ouro, em que as obras contundentes e realistas de Lino Brocka e um filme originalíssimo como “PESADELO PERFUMADO” de Tahimik são contemporâneos de produções “grande público”, que, por sua vez, têm frequentemente ambição de qualidade e excelente nível técnico; e “A Ascensão dos Filmes Independentes”, representada por nomes consagrados e por outros, pouco conhecidos fora das Filipinas.
Dos quinze filmes apresentados (todos em cópias digitais de alta definição, à exceção de INDEPENDENCIA e SERBIS, que serão projetados em 35mm), apenas três já foram programados na Cinemateca: MANILA, “PESADELO PERFUMADO” e SERBIS. Uma delegação filipina composta por Liza Diño, Diretora do Film Development Council of the Philippines, o realizador Kidlat Tahimik, e o historiador Nick Deocampo (que fará uma conferência sobre o cinema filipino no dia 12 de novembro às 18h30) estará presente durante o ciclo, que permitirá aos espectadores portugueses percorrer parte de um vasto continente: o cinema filipino, ou, em língua local, o sine filipino.
 
 
13/11/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

Independencia
de Raya Martin
Filipinas, 2009 - 77 min
 
13/11/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

Maynila Sa Mga Kuko Ng Liwanag/Manila
“Manila nas Garras da Luz”
de Lino Brocka
Filipinas, 1975 - 123 min
14/11/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

Genghis Khan
de Lou Salvador (assinado por Manuel Conde)
Filipinas, 1950 - 77 min
15/11/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

Noli Me Tangere
“Não me Toques”
de Gerardo de León
Filipinas, 1961 - 180 min
15/11/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

Insiang
Insiang, o Lírio de Manila
de Lino Brocka
Filipinas, 1976 - 95 min
13/11/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

em colaboração com a Embaixada das Filipinas em Portugal e com o Film Development Council of the Philippines
Independencia
de Raya Martin
com Sid Lucero, Tetchie Agbayani, Alessandra de Rossi
Filipinas, 2009 - 77 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A Ascensão dos Filmes Independentes
Nascido em 1984 (e já autor de doze longas-metragens de ficção, além de diversas curtas-metragens e documentários), Raya Martin é um dos grandes nomes do atual cinema filipino. Em INDEPENDENCIA, através da história de um jovem e da sua mãe idosa que se escondem na selva, devido ao perigo iminente de uma invasão, o realizador tomou como tema a colonização americana das Filipinas, que foram ocupadas sucessivamente pelos espanhóis, os japoneses e os norte-americanos, pois “a imagem que os filipinos têm de si mesmos é baseada no espelho colonial”. O realizador adota deliberadamente um estilo semelhante à “estética dos filmes americanos sobre o período da ocupação. “Percebi que poderia falar da resistência durante este período usando esta estética”. O crítico Gonzalo de Pedro vê o filme como “um complexo exercício que se situa entre a apropriação, o simulacro e a reivindicação política”.
 
13/11/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

em colaboração com a Embaixada das Filipinas em Portugal e com o Film Development Council of the Philippines
Maynila Sa Mga Kuko Ng Liwanag/Manila
“Manila nas Garras da Luz”
de Lino Brocka
com Hilda Koronel, Bembel Roco, Lou Salvador Jr.
Filipinas, 1975 - 123 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A Segunda Idade de Ouro
Lino Brocka (1940-91) foi uma das grandes descobertas da crítica europeia na passagem dos anos 70 para os 80. Trabalhando num sistema industrial (MAYNILA é o décimo-segundo dos sessenta e cinco filmes que realizou), Brocka faz um cinema popular, em todos os sentidos do termo: destinado às plateias populares e situado nos meios populares, como nos bairros de lata de Manila, de onde são originários muitos dos seus atores, que não têm nenhuma formação escolar e são provenientes de um grupo teatral criado pelo realizador. MANILA (o título original traduz-se por “Manila, nas Garras das Luzes de Néon”) foi o filme que tornou internacionalmente conhecido o nome de Brocka. O filme retrata o cruel percurso de um rapaz que vem da província para Manila atrás da sua amada e vê-se diante da terrível luta que é a sobrevivência na metrópole. A apresentar em cópia digital.
 
14/11/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

em colaboração com a Embaixada das Filipinas em Portugal e com o Film Development Council of the Philippines
Genghis Khan
de Lou Salvador (assinado por Manuel Conde)
com Manuel Conde, Elvira Reyes, Inday Jalandoni
Filipinas, 1950 - 77 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A Primeira Idade de Ouro
Embora, nos anos 40 e 50, o melodrama fosse o género preferido do público popular filipino, a indústria do país abordava diversos géneros. Os swashbucklers (filmes de espadachins) também eram popularíssimos e Manuel Conde era considerado o “rei” do género. GENGHIS KHAN é um marco na história do cinema filipino e o primeiro filme do país a ter tido projeção internacional, tendo sido apresentado no Festival de Veneza e distribuído internacionalmente pela United Artists, com o acréscimo do comentário em inglês da autoria de James Agee. É esta versão que veremos. Na verdade, Manuel Conde interpretou o papel-titular e o filme foi realizado por Lou Salvador, como provam documentos da época. De um estilo semelhante ao dos epics americanos do período, o filme leva o seu herói de aventura em aventura e foi bastante elogiado ao ser estreado na Europa: “O filme é interessantíssimo e muito empolgante, como na grande cena de luta. Toda a ação se situa num plano grandioso e heróico e as cenas de batalha são encenadas quase como se fossem bailados” (Monthly Film Bulletin). O filme foi objeto de um restauro em 2012 e será apresentado em cópia digital. Primeira exibição na Cinemateca.
 
15/11/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

em colaboração com a Embaixada das Filipinas em Portugal e com o Film Development Council of the Philippines
Noli Me Tangere
“Não me Toques”
de Gerardo de León
com Eddie del Mar, Edita Vital, Johnny Monteiro
Filipinas, 1961 - 180 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A Primeira Idade de Ouro
Gerardo (ou Gerry) de León (1913-81) é considerado um dos mestres do cinema filipino e Charles Tesson define-o como “uma das grandes figuras do cinema mundial. Uma coisa é certa: é impossível ver um dos seus filmes sem falarmos imediatamente do prazer de ver cinema, do puro encanto da mise en scène”. Gerardo de León começou a sua carreira como ator e estreou-se como realizador com uma zarzuela, chegando a um total de oitenta longas-metragens. NOLI ME TANGERE, considerado um dos seus filmes mais importantes, adapta um romance de um herói nacional filipino de fins do século XIX, José Rizal, executado pelas autoridades espanholas devido ao seu combate anticolonialista. O livro, de leitura obrigatória nas escolas, é uma crítica às autoridades coloniais e à Igreja Católica e foi adaptado pela primeira vez ao cinema em 1915. Para transpor a complexa trama do romance, Gerardo de León lança mão dos seus vastos recursos de cineasta, com um resultado impressionante. A apresentar em cópia digital. Primeira exibição na Cinemateca.
 
15/11/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sine, Cinema das Filipinas | Nos Cem Anos do Cinema Filipino

em colaboração com a Embaixada das Filipinas em Portugal e com o Film Development Council of the Philippines
Insiang
Insiang, o Lírio de Manila
de Lino Brocka
com Hilda Koronel, Mona Lisa, Rez Cortez
Filipinas, 1976 - 95 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A Segunda Idade de Ouro
Único filme de Lino Brocka com distribuição comercial em Portugal, INSIANG, O LÍRIO DE MANILA ilustra a mesma vertente da obra de Brocka que JAGUAR ou MANILA. O filme é situado num bairro de lata, numa barraca na qual coabitam uma mulher, a sua filha e o novo namorado da primeira, numa situação cada vez mais insuportável para a filha, vítima de abusos verbais e sexuais. A jovem acabará por recusar os códigos sociais que a sufocam. O filme enriquece a veia “realista” do realizador com um sentido subjacente da fantasmagoria individual. Como observou Philippe-Alexandre Saulnier, “INSIANG tem as proporções características de uma obra clássica: conjugação geométrica de um tempo (absurdo), de um lugar (fechado) e da ação e o filme consiste na afirmação de uma identidade e na interpenetração destas três unidades. INSIANG é um filme sobre a identidade de um ser e de um mundo que sufoca esta identidade”. A apresentar em cópia digital, em primeira exibição na Cinemateca.