CICLO
O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida


A colaboração anual da Cinemateca com o Queer Lisboa, em 2018 na sua 22ª edição, tem a forma de um Ciclo à volta da epidemia da sida, com sete programas diferentes. Todos os filmes, exceto KIDS, PENSÃO GLOBO, ECCE HOMO e LES NUITS FAUVES, são apresentados em cópias digitais, que em muitos casos foi o suporte original utilizado. De todos os filmes programados, só KIDS, LES NUITS FAUVES e PENSÃO GLOBO já tinham sido apresentados na Cinemateca. Propomos a seguir um texto de João Ferreira, Diretor Artístico do Queer Lisboa.
 
O vírus-cinema: cinema queer e VIH/sida
Quando a 3 de julho de 1981, é publicado o famigerado artigo do The New York Times, com o título “Rare cancer seen in 41 homosexuals”, dá-se início não apenas à introdução no espaço público daquela que viria a ser uma das mais mortais epidemias da história contemporânea, mas também ao começo de um implacável estigma social que, desde a primeira hora, associa a epidemia do VIH/sida aos homossexuais. Basta recordar que, antes de ser fixada a nomenclatura, em finais de 1982, de “Síndrome de Imunodeficiência Adquirida”, além de “Cancro Gay”, o vírus foi ainda denominado de “GRID – Gay-Related Immune Deficiency”, uma categorização que foi breve no espaço de tempo, mas com consequências simbólicas e práticas que marcaram para sempre as histórias do VIH/sida e da comunidade gay.
Desde meados da década de oitenta que a epidemia de VIH/sida viu nas expressões artísticas um importante veículo para a representação das vidas e problemáticas daqueles direta e indiretamente afetados pelo vírus, e para a criação de metáforas à volta dessas mesmas problemáticas. Hoje, é reconhecida a importância, não apenas social e política, mas cultural do cinema que abordou este tema, na medida em que muitos dos filmes que focaram a epidemia trouxeram inovações estéticas e narrativas à história do cinema. Se olharmos o caso específico da evolução do cinema queer, com expressões importantes desde a década de sessenta, chegado à década de oitenta, com a eclosão da epidemia, essa evolução esbarra numa parede: como representar o indivíduo (corpo) queer perante o espectro de morte que agora o assombra? Como representar a ideia emancipatória do corpo como lugar de desejo e de uma sexualidade livre, quando o sexo agora significa morte? Como lidar com a construção de uma identidade que é eminentemente sexual (e que a partir dessa sexualidade constrói identidades sociais, culturais, pessoais) quando aquilo que a define, afirma e dá poder, pode ter agora consequências mortais? Em suma, como responder à epidemia – e ao estigma social e homofobia que ela carrega –, ao mesmo tempo em que se afirmam esses corpos, essas sexualidades e essas expressões de género?
O ciclo organizado pelo Queer Lisboa – Festival Internacional de Cinema Queer, em colaboração com a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema e o Cinema São Jorge, pretende dar a conhecer os realizadores do vídeo-ativismo do VIH/sida, colocando estas obras de emergência em diálogo com algumas das longas-metragens mais emblemáticas sobre este tema, com um foco quase exclusivo nas décadas “negras” de oitenta e noventa. De entre as longas-metragens programadas, fazem parte obras como LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR (1992), o vídeo-diarístico na primeira pessoa de Hervé Guibert; KIDS (1995), de Larry Clark, um dos expoentes do cinema indie norte-americano e primeiro argumento cinematográfico de Harmony Korine; ou LES NUITS FAUVES (1992), a controversa obra de Cyril Collard que desencadeou um aceso debate em França. De entre os filmes ligados ao movimento do vídeo-ativismo, destaque para as obras de realizadores como Gregg Bordowitz, Mike Kuchar, Gran Fury, Jerry Tartaglia, Mike Hoolboom ou Matthias Müller, realizador alemão que rodou em Lisboa as duas obras aqui aparentadas.
 
 
20/09/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida

The Pictures of Dorian Gay | The Last Time I Saw Ron | Listen to This | (In)visible Women | A.I.D.S.C.R.E.A.M. | Ecce Homo | Final Solutions
duração total da sessão: 10 min | M/16
 
21/09/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida

Danny | La Pudeur ou l’Impudeur
duração total da sessão: 77 min | M/16
22/09/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida

Les Nuits Fauves
Noites Bravas
de Cyril Collard
França, 1992 - 126 min
20/09/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida
The Pictures of Dorian Gay | The Last Time I Saw Ron | Listen to This | (In)visible Women | A.I.D.S.C.R.E.A.M. | Ecce Homo | Final Solutions
duração total da sessão: 10 min | M/16
THE PICTURES OF DORIAN GAY
de Mike Kuchar
com Dan Turner, Earl L. Corse
THE LAST TIME I SAW RON
de Leslie Thornton
com Ron Vawter
LISTEN TO THIS
de Tom Rubnitz
com David Wojnarowicz
(IN)VISIBLE WOMEN
de Ellen Spiro
com Marina Álvarez, Ellen Spiro
A.I.D.S.C.R.E.A.M.
de Jerry Tartaglia
ECCE HOMO
de Jerry Tartaglia
FINAL SOLUTIONS
de Jerry Tartaglia
Estados Unidos, 1995, 1994, 1992, 1988, 1989m 1990 e 1991 – 23, 12, 16, 25, 7, 7 e 10 min / legendados eletronicamente em português

Mike Kuchar e o seu irmão George são conhecidas figuras do cinema trash, com uma obra relativamente vasta. PICTURES OF DORIAN GAY é uma homenagem afetuosa e irreverente a dois amigos do realizador, à sombra da epidemia da sida. Leslie Thornton é uma artista e realizadora, que estudou com Stan Brakhage e Peter Kubelka. THE LAST I SAW RON é uma homenagem ao ator Ron Vawter, fundador da companhia The Wooster Group. Vemo-lo em palco, na peça Philoktetes-Variations, escrita a seu pedido, em que a figura mitológica de Filoctetes, abandonado por todos devido ao fedor da ferida incurável que tinha, torna-se símbolo da rejeição das vítimas da sida. Tom Rubnitz (1956-92) foi uma figura da cena “drag” nova-iorquina na segunda metade dos anos oitenta, apogeu da epidemia da sida, que o vitimaria. Em LISTEN TO THIS, o artista e ativista David Wojnarowicz dá vazão à sua cólera diante da situação. Nascida em 1968, Ellen Spiro é uma documentarista, autora de uma dezena de filmes sobre diversos temas. Em (IN)VISIBLE WOMEN, o seu primeiro filme, vemos o combate de três mulheres seropositivas. Jerry Tartaglia é um conhecido realizador experimental e ensaísta, de quem apresentamos a sua trilogia sobre a sida. Em A.I.D.S.C.R.E.A.M. o realizador exprime a sua cólera diante da reação americana à epidemia; ECCE HOMO alterna imagens de UN CHANT D’AMOUR, de Jean Genet e outras, de filmes pornográficos, e interpela a reação do espectador diante das imagens pornográficas; em FINAL SOLUTIONS, o realizador explora o tratamento da sida pela cultura televisiva.
 
21/09/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida
Danny | La Pudeur ou l’Impudeur
duração total da sessão: 77 min | M/16
DANNY
de Stashu Kybartas
Estados Unidos, 1987 – 20 min /
LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR
de Hervé Guibert
França 1992 – 57 min / legendados eletronicamente em português

Hervé Guibert (1955-91) fez-se conhecer como crítico de fotografia do Le Monde, antes de escrever o argumento de L’HOMME BLESSÉ, de Patrick Chéreau e ser consagrado como escritor (publicou o seu primeiro livro em 1982). Em 1990, o seu romance autobiográfico À L’Ami Qui ne m’a Pas Sauvé la Vie revelou a sua seropositividade e a partir daí Guibert viveu publicamente a sua doença, até os últimos e terríveis estágios. LA PUDEUR OU L’IMPUDEUR é um autorretrato final do escritor. A abrir a sessão, um documentário de Stashu Kybartas sobre um amigo já gravemente atingido pela sida, que tenta reconciliar-se com a sua família, enquanto enfrenta a iminência da própria morte. A apresentar em cópias digitais em primeiras exibições na Cinemateca.
 
22/09/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
O Vírus-Cinema: Cinema Queer e VIH/Sida
Les Nuits Fauves
Noites Bravas
de Cyril Collard
com Cyril Collard, Romane Bohringer, Carlos López
França, 1992 - 126 min
legendado em português | M/18
Cyril Collard teve uma breve carreira como ator e realizador, interrompida pela sida, que o matou aos 35 anos, poucos meses depois da estreia deste filme, que veio a ser a sua única longa-metragem. Realizado no auge dos horrores da epidemia da sida, trata-se da história de um jovem homossexual que descobre que é seropositivo, enquanto tem uma ligação passional com uma mulher, que tenta conciliar com o seu desejo pelo seu amante. O próprio realizador encarna o papel principal. Este foi um dos primeiros filmes sobre a sida a ter grande alcance de público no mercado internacional.