CICLO
1917 no Ecrã I


“Aquilo que passou pelo cinema e foi por ele marcado, já não pode entrar noutro sítio” – Jean­Luc Godard. Esta frase, extraída das HISTOIRE(S) DU CINÉMA, aplica­‑se particularmente bem à História, quando esta “entra” para o cinema. É o que se passa com acontecimentos imediatamente anteriores à invenção do cinema e que este anexa (a Guerra da Secessão ou a “conquista do Oeste” americano) e, de modo ainda mais marcante, com os acontecimentos que tiveram lugar depois da invenção do cinema, que é uma grande máquina de fabricar mitos (no sentido de alegoria que evoca factos passados ou de relação idealizada destes factos, que passam a ter outro sentido). A nossa apreensão do nacional­‑socialismo, assim como a do comunismo, para darmos dois exemplos irrecusáveis, foi marcada para sempre pela representação que tiveram no cinema, seja este de ficção, de propaganda ou documental. O grande cinema soviético do período mudo, o cinema revolucionário que nasce da Revolução de Outubro, não é realista, não descreve os factos: dá­‑lhes a forma de alegorias, idealiza­‑os, sintetiza­‑os. A prova mais marcante disto é que poucos espectadores se lembram de que o mais célebre filme soviético de sempre, O COURAÇADO POTEMKINE, não aborda a revolução de 1917 e sim a de 1905. No entanto, o filme de Eisenstein passou a ser o símbolo absoluto da revolução de 1917. Ao mostrar uma revolução, mas acabar por representar outra, devido à perceção dos espectadores, O COURAÇADO POTEMKINE tornou­‑se uma das mais famosas metonímias históricas do cinema (“figura de estilo que consiste em designar um objeto, uma realidade por meio de um termo referente a outro objeto ou a outra realidade que se encontram ligados aos primeiros por uma relação lógica”, como se lê no nosso Dicionário da Academia de Ciências de Lisboa). Em OUTUBRO, do mesmo Eisenstein, a tomada do Palácio de Inverno também é uma alegoria, uma versão mitológica dos factos. Por isto, este Ciclo organizado por ocasião do centenário do acontecimento histórico mais marcante do século XX e aquele que teve as mais vastas consequências – a revolução comunista de 1917 – não é um Ciclo sobre o cinema soviético, nascido desta revolução, que foi durante decénios um dos seus temas centrais, através dos gelos e degelos do regime. O conceito do Ciclo “1917 no Ecrã” consiste em percorrer as diversas formas em que a Revolução Bolchevista e a guerra civil que se lhe seguiu e que durou cerca de cinco anos foram representadas no cinema, tanto na União Soviética como em outros países. Foi­‑o de diversas maneiras: como um acontecimento presente, como um momento de História (Lenine surgiu muito cedo como personagem de ficção), mas também como um simples pano de fundo para aventuras romanescas. No nosso programa, as três exceções que fogem a esta regra são O COURAÇADO POTEMKINE, pelos motivos expostos acima, “AS AVENTURAS EXTRAORDINÁRIAS DE MR. WEST NO PAÍS DOS BOLCHEVISTAS”, por ser um filme sobre a imagem do regime comunista no estrangeiro (usando as armas do adversário, para satirizá­‑lo) e “A SEXTA PARTE DO MUNDO”, por ser uma síntese de 10 anos de resultados da revolução. Por conseguinte, os quinze programas que formam a primeira parte deste Ciclo (vinte e oito outros serão apresentados em outubro e novembro) ilustram as diversas maneiras em que a Revolução e a guerra civil foram mostradas. Reunimos clássicos dos grandes nomes do cinema mudo soviético (Sergei Eisenstein, Dziga Vertov, Vsevolod Pudovkine, Aleksandr Dovjenko) e uma obra­‑prima pouco conhecida do mesmo período, de Nikolai Chenguelaia; um exemplo de um ilustre cineasta do período czarista (Evgueni Bauer), que aborda a revolução de Fevereiro; dois clássicos soviéticos dos anos trinta, em que o cinema de poesia do período mudo é substituído pela prosa narrativa (CHAPAEV e a trilogia de MAXIM) e cujas narrativas se estendem por um período de vários anos. Mas também incluímos filmes em que a revolução é um simples pano de fundo para aventuras sentimentais e exóticas (como KNIGHT WITHOUT ARMOUR), além de DR. JIVAGO, outro exemplo da representação da revolução bolchevista e das suas consequências através de um grande espetáculo.
Chamamos a atenção para o facto de O COURAÇADO POTEMKINE ser apresentado em duas versões: a “tradicional”, muda e com o acréscimo de música de Chostakovich; e a rara e insólita “versão alemã” de 1930, com a música original de Edmund Meisel, a supressão dos intertítulos e o acréscimo de diálogos falados em alemão.
Os filmes não foram deliberadamente programados em ordem cronológica, mas de modo a ilustrarem as maneiras muito diferentes como o tema foi tratado. O espectador que acompanhar todo o Ciclo não ficará a saber mais do que já sabe sobre a Revolução Bolchevista, mas terá certamente uma noção mais clara da maneira como ela foi representada em 90 anos de cinema.
 
13/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1917 no Ecrã I

Chapaiev
de Sergei Vassiliev, Guiorgi Vassiliev
URSS, 1934 - 94 min
14/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1917 no Ecrã I

Dvadtsat Shest Komissarov
“Os 26 Comissários de Baku”
de Nikolai Chenguelaia
União Soviética, 1932 - 109 min
15/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1917 no Ecrã I

Knight Without Armour
Cavaleiro sem Armas
de Jacques Feyder
Reino Unido, 1937 - 95 min
15/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1917 no Ecrã I

Dr Zhivago
Dr. Jivago
de David Lean
Estados Unidos, 1965 - 200 min
16/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1917 no Ecrã I

Chapaiev
de Sergei Vassiliev, Guiorgi Vassiliev
URSS, 1934 - 94 min
13/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1917 no Ecrã I
Chapaiev
de Sergei Vassiliev, Guiorgi Vassiliev
com Boris Babotchkine, Boris Blinov, Varvara Missinkova
URSS, 1934 - 94 min
legendado em português | M/12
Clássico do cinema soviético, correalizado por dois cineastas homónimos, CHAPAIEV evoca a vida de uma personagem real, um camponês analfabeto que comandou uma divisão do Exército Vermelho durante a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil. Tudo gira à volta da personagem titular, um chefe excecional, cuja inteligência e energia mobilizam as massas. Realizado pouco antes do início do terror de Estado estalinista e recebido com entusiasmo na União Soviética, foi considerado por Sergei Eisenstein como o modelo do “terceiro período” do cinema soviético, depois dos filmes de massas do primeiro período e as histórias de indivíduos do segundo período. Em CHAPAIEV, o indivíduo, a personagem titular, representa e encarna as massas proletárias – é ele mesmo e é todos os outros.
 
14/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1917 no Ecrã I
Dvadtsat Shest Komissarov
“Os 26 Comissários de Baku”
de Nikolai Chenguelaia
com K. Gasanov, Baba-Zade, Hairi Emir-Zade, Alaverdi Melikov
União Soviética, 1932 - 109 min
mudo, intertítulos em russo legendados eletronicamente em português | M/12
Nikolai Chenguelaia (1903-1943) foi um importante cineasta georgiano, pai de dois conhecidos realizadores, Eidar e Guiorgui. A ação de DVADTSAT SHEST KOMISSAROV situa-se em Baku, no Azerbaijão, no início da guerra civil que se seguiu à vitória da revolução bolchevista. A cidade está isolada do resto da União Soviética, assediada por tropas estrangeiras e a fome espreita. Os anticomunistas tomam o poder e os vinte e seis comissários comunistas de Baku são deportados e fuzilados, antes da vitória final: Baku torna-se soviética. Longe do simplismo político – o que lhe valeu críticas à época (falou-se em “fracasso ideológico”) –, o filme de Chenguelaia pertence à corrente de busca formal do cinema soviético mudo (nomeadamente a do “argumento emocional”). Destaque para a fotografia e a composição da imagem, que inclui referências pictóricas. Uma obra fortíssima, característica da riqueza visual de grande parte do cinema realizado nas repúblicas do Cáucaso, como a Arménia e a Geórgia. Primeira exibição na Cinemateca.
 
15/09/2017, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1917 no Ecrã I
Knight Without Armour
Cavaleiro sem Armas
de Jacques Feyder
com Marlene Dietrich, Robert Donat, Irene Vanburgh, Herbert Lomas
Reino Unido, 1937 - 95 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Produção de Alexander Korda, o húngaro que transpôs para a Grã-Bretanha o sistema e as mitologias de Hollywood. A equipa do filme é muito cosmopolita, pois além de Marlene Dietrich e Jacques Feyder, reúne Miklos Roszá na música e Lazare Meerson na cenografia. A narrativa começa nos últimos momentos do regime czarista e atravessa a revolução e a guerra civil. Marlene Dietrich é uma condessa russa, que acaba por se envolver com um jovem tradutor inglês, que se aliara a um comissário comunista. Feyder mostra a vedeta sob os mais variados aspectos: como uma aristocrata rica nas corridas de cavalos, a enfrentar a plebe no parque do seu castelo, disfarçada de camponesa para fugir da revolução, nua num banho de espuma e vestida de homem. Apesar do lado romanesco, o argumento tem um mínimo de veracidade histórica, pois as peripécias dos protagonistas são condicionadas pela instabilidade do poder, entre Brancos e Vermelhos, durante a guerra civil.
 
15/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1917 no Ecrã I
Dr Zhivago
Dr. Jivago
de David Lean
com Omar Shariff, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Tom Courtenay, Alec Guiness
Estados Unidos, 1965 - 200 min
legendado em espanhol | M/12
Sessão com intervalo
Três anos depois de LAWRENCE OF ARABIA, David Lean realizou mais uma superprodução em 70 mm, com um elenco de vedetas internacionais: DR. JIVAGO, que foi filmado em Espanha. O filme aproveitou-se do escândalo que cercara a publicação do romance de Boris Pasternak (1957), proibido na URSS, mas trazido clandestinamente para Itália, onde foi publicado no ano seguinte por um importante editor, que era membro do Partido Comunista, do qual foi expulso por este motivo. Grande escritor, Pasternak recebeu o Prémio Nobel de Literatura em 1958, por motivos inegavelmente políticos, mas as autoridades soviéticas obrigaram-no a recusá-lo. A narrativa estende-se por vários anos entre a Revolução de 1905 e a guerra civil que se seguiu à Revolução de 1917, com um epílogo situado nos anos cinquenta. Através destes acontecimentos históricos, acompanhamos as peripécias vividas pela personagem titular, um médico, que é alistado à força no Exército Vermelho e é separado da mulher que ama. Como em LAWRENCE OF ARABIA, os acontecimentos históricos são um pano de fundo para um grande espetáculo, embora a segunda parte do filme seja romanesca e psicológica, menos espetacular. A música de Maurice Jarre, sobretudo o “tema de Lara”, tornou-se mundialmente célebre. O filme não é apresentado na Cinemateca desde 1998.
 
16/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1917 no Ecrã I
Chapaiev
de Sergei Vassiliev, Guiorgi Vassiliev
com Boris Babotchkine, Boris Blinov, Varvara Missinkova
URSS, 1934 - 94 min
legendado em português | M/12
Clássico do cinema soviético, correalizado por dois cineastas homónimos, CHAPAIEV evoca a vida de uma personagem real, um camponês analfabeto que comandou uma divisão do Exército Vermelho durante a Primeira Guerra Mundial e a Guerra Civil. Tudo gira à volta da personagem titular, um chefe excecional, cuja inteligência e energia mobilizam as massas. Realizado pouco antes do início do terror de Estado estalinista e recebido com entusiasmo na União Soviética, foi considerado por Sergei Eisenstein como o modelo do “terceiro período” do cinema soviético, depois dos filmes de massas do primeiro período e as histórias de indivíduos do segundo período. Em CHAPAIEV, o indivíduo, a personagem titular, representa e encarna as massas proletárias – é ele mesmo e é todos os outros.