CICLO
Luis Miguel Cintra: O Cinema


Se há um ator que marca o cinema português das últimas décadas, esse ator é Luis Miguel Cintra. Desde QUEM ESPERA POR SAPATOS DE DEFUNTO…, de João César Monteiro, em 1970 (portanto, há quase cinco décadas completas), que nos habituámos a encontrar o seu rosto, o seu corpo e (não a esqueçamos) a sua voz num número impressionante de filmes dos mais significativos cineastas portugueses deste período. Homem do teatro antes de ser homem do cinema – como o atesta o notável trabalho que desenvolveu durante décadas na Cornucópia, companhia que fundou com Jorge Silva Melo em 1973, e da qual, como encenador e ator, foi o principal dinamizador durante muitos anos – dele nunca se espera, e raramente o tentou, um registo linearmente naturalista ou naturalizado. O seu território de eleição sempre esteve nessa fronteira, típica de muito cinema moderno, entre o naturalismo e o artifício teatral, com ênfase no rigor dos gestos, dos movimentos e, sobretudo, de uma relação com o texto sublinhada principalmente através da dicção. Luis Miguel Cintra é um ator da palavra, e não é surpresa, portanto, que ele seja e tenha sido o intérprete preferencial de cineastas da palavra, ou de cineasta para quem a palavra e o texto têm um peso muito específico,  como foram Manoel de Oliveira, João César Monteiro ou Paulo Rocha, nomes com quem Luis Miguel Cintra estabeleceu uma cumplicidade de muitos anos e muitos filmes. Mas importa realçar também que, sendo um ator devotado a fidelidades cimentadas pelo tempo, o seu percurso é também marcado pela abertura e disponibilidade para as primeiras obras e para os filmes de jovens cineastas – como o confirma a sua presença nos primeiros filmes de Pedro Costa, Joaquim Pinto, Manuel Mozos, Catarina Ruivo ou Jorge Cramez.
Após 47 anos de cinema, a filmografia de Luis Miguel Cintra comporta largas dezenas de títulos. No Ciclo que lhe dedicamos veremos uma amostra significativa, que inclui alguns dos seus filmes e papéis mais célebres, mas também alguns títulos mais obscuros e menos vistos, nomeadamente no que diz respeito a produção internacionais em que o ator trabalhou – casos de TRANSATLANTIQUE, de Christine Laurent, ou de THE DANCER UPSTAIRS, de John Malkovich, de resto, ambos autores com uma história de relacionamento com Portugal, com o cinema português e (no caso de Laurent) com o teatro português. O Ciclo compõe-se ainda de uma carta branca, com dez títulos selecionados por Luis Miguel Cintra, que mostraremos em cotejo com a sua obra. A 18 de setembro, às 19h e às 21h30, têm lugar um Encontro com Luis Miguel Cintra e uma sessão de homenagem, com a projeção dos primeiros filmes que protagonizou em 1971. Será publicado um catálogo.
 
04/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço | Nem Pássaro Nem Peixe
duração total da projeção : 75 min | M/12
06/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Uma Pedra no Bolso
de Joaquim Pinto
Portugal, 1987 - 92 min | M/12
08/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

O Sangue
de Pedro Costa
Portugal, 1989 - 99 min | M/12
 
11/09/2017, 19h15 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

Silvestre
de João César Monteiro
Portugal, 1981 - 118 min | M/12
 
11/09/2017, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Luis Miguel Cintra: O Cinema

A Raíz do Coração
de Paulo Rocha
Portugal, França, 2000 - 118 min | M/12
04/09/2017, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Retrospetiva
Quem Espera por Sapatos de Defunto Morre Descalço | Nem Pássaro Nem Peixe
duração total da projeção : 75 min | M/12
QUEM ESPERA POR SAPATOS DE DEFUNTO MORRE DESCALÇO
de João César Monteiro
com Luis Miguel Cintra, Carlos Ferreira, Paula Ferreira, Nuno Júdice
Portugal, 1971 – 33 min
NEM PÁSSARO NEM PEIXE
de Solveig Nordlund
com Luis Miguel Cintra, Lia Gama, Glicínia Quartin, Francisca Menezes, Robert Kramer, Manuel Amado
Portugal, 1977 – 42 min

QUEM ESPERA POR SAPATOS DE DEFUNTO MORRE DESCALÇO, exemplo do cinema que não se podia ver em Portugal antes de 25 de Abril de 1974 e que sofreu a imposição de cortes censórios que lhe impediram que estreasse, foi felizmente entendido por alguns na época como o grande filme que é – “É o filme mais português que vi até hoje… Não no sentido do Benfica. Mas no literal: aqui e agora” (Eduardo Guerra Carneiro, 1971). “Opaco, secreto como um búzio”, chamou-lhe César. Foi o primeiro filme de Luis Miguel Cintra, na personagem de Lívio, o mesmo nome da que interpretou 18 anos depois em RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA, mandando João de Deus “ir e dar-lhes trabalho”. NEM PÁSSARO NEM PEIXE marca a estreia a solo de Solveig Nordlund na realização, foi produzido pelo Grupo Zero, tem diálogos de Luísa Neto Jorge e fotografia de Acácio de Almeida. O universo do romancista americano de ficção científica H.P. Lovecraft em A Chave de Prata é o mote do argumento focado na personagem de um jornalista de televisão, sinalizando já a ressaca dos anos revolucionários posteriores a abril de 1974. QUEM ESPERA POR SAPATOS DE DEFUNTO MORRE DESCALÇO está também programado a 18, na sessão de homenagem, com A POUSADA DAS CHAGAS.
 
06/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Retrospetiva
Uma Pedra no Bolso
de Joaquim Pinto
com Bruno Leite, Inês Medeiros, Isabel de Castro, Luis Miguel Cintra, Manuel Lobão, Eduarda Chiote
Portugal, 1987 - 92 min | M/12
O primeiro filme de Joaquim Pinto conta uma história de iniciação e embate com a idade adulta: em férias na estalagem de uma tia à beira-mar, Miguel encontra Luísa, o pescador João e o Dr. Fernando, três personagens que marcarão a entrada da sua primeira pedra no bolso. Foi filmado sem subsídios e uma equipa reduzida, uma exceção no cinema português nos anos oitenta. “Quando Joaquim Pinto apresentou em ante-estreia o seu filme na Cinemateca disse (ou escreveu) que ‘Não vale a pena filmar se não se tiver motivos para isso’. Os motivos de UMA PEDRA NO BOLSO são óbvios e começa aí a sinceridade tocante desta obra” (Manuel S. Fonseca). Luis Miguel Cintra é o Dr. Fernando, que passa pelo filme ao volante de um MG e como hóspede na estalagem contracenando com os estreantes Bruno Leite e Manuel Lobão, numa das suas participações em primeiras obras portuguesas dos anos oitenta.
 
08/09/2017, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Retrospetiva
O Sangue
de Pedro Costa
com Pedro Hestnes, Inês de Medeiros, Nuno Ferreira, Luis Miguel Cintra, Henrique Viana
Portugal, 1989 - 99 min | M/12
Primeira obra de Pedro Costa, O SANGUE é um perturbante filme marcado por ecos noturnos, captados num preto e branco escuro como a noite em que maioritariamente decorre, para dar a ver os fantasmas que acompanham as personagens dos dois irmãos e da rapariga que a eles se junta. Pedro Hestnes abre o filme num dos mais belos planos do cinema português. ). Luis Miguel Cintra interpreta a personagem do tio, na primeira das duas vezes em que filmou com Costa (no seguinte CASA DE LAVA coube-lhe a personagem de médico). “O que gosto em O SANGUE é o sentido da longa noite da infância que abraça tantos filmes e tantos livros americanos (…). Provavelmente o título vem de Flannery O’Connor” (Pedro Costa).
 
11/09/2017, 19h15 | Sala M. Félix Ribeiro
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Retrospetiva
Silvestre
de João César Monteiro
com Maria de Medeiros, Luis Miguel Cintra, Teresa Madruga, Jorge Silva Melo, João Guedes
Portugal, 1981 - 118 min | M/12
SILVESTRE é um clássico do cinema português moderno, um dos mais belos filmes do seu realizador, repositório de lendas e histórias tradicionais, de cores fortes, cenários pintados não realistas. O nome do protagonista reenvia a George Cukor (SYLVIA SCARLETT), a fábula reenvia a Guimarães Rosa e à Donzela que Vai à Guerra, o imaginário a alguma pintura flamenga e italiana. Com diálogos de João César Monteiro e Maria Velho da Costa, é também o filme que revelou Maria de Medeiros aos 17 anos. No papel do peregrino, do cavaleiro, de Dom Raimundo, Luis Miguel Cintra volta à direção de César Monteiro, com quem no final da década de oitenta filmaria a “comédia lusitana” RECORDAÇÕES DA CASA AMARELA.
 
11/09/2017, 22h00 | Sala Luís de Pina
Luis Miguel Cintra: O Cinema

Retrospetiva
A Raíz do Coração
de Paulo Rocha
com Luis Miguel Cintra, Joana Bárcia, Isabel Ruth, Melvil Poupaud
Portugal, França, 2000 - 118 min | M/12
Lisboa por Paulo Rocha, mais de 30 anos depois de OS VERDES ANOS. Um candidato da extrema-direita à Câmara Municipal, que também veste as roupagens de Santo António, trava uma luta cerrada com um grupo de travestis que lhe fazem oposição política. Filmado em cores luxuriantes, A RAÍZ DO CORAÇÃO é também dilaceradamente sombrio. É um dos filmes em que Luis Miguel Cintra foi filmado por Paulo Rocha, desde que o encontro se deu em A POUSADA DAS CHAGAS (1971), e o segundo como protagonista de um filme de Rocha – depois de O DESEJADO (1987). “Luis Miguel Cintra, num dos cumes mais prodigiosos da sua prodigiosa carreira, quatro papéis, todos ligados por um fio secreto. Além de Catão, é o Catão mascarado de Santo António (o tal do menino ao colo) é Santo António ele próprio, voando nos espaços celestes e acolhendo no colo outro menino (esse mesmo Sílvio ou Sílvia, a quem aconselha a cortar o mal pela raiz) e é o travesti que inicia o filme, todo de ouro vestido, e anunciando, entre dois corvos que acabam por o devorar, qual a raiz desse mal incortável” (João Bénard da Costa).