CICLO
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX


Numa cinemateca não se vê senão o arquivo e, paradoxalmente, quase nunca se vê o arquivo. Se a maior parte do que revelamos – nas salas, no centro de documentação, nas próprias edições… – tem origem no nosso próprio arquivo ou em arquivos homólogos, a estrutura de arquivo, essa, é a parte invisível do icebergue. Ora, uma cinemateca não tem um arquivo, ela é um arquivo, num sentido ontológico e identitário que o carácter recente da arte cinematográfica convidou a que fosse também, e no nosso caso foi-o programaticamente, o do museu. Por outro lado, este não é um arquivo como os outros e a conservação do cinema e dos seus materiais pressupõe condições técnicas, humanas e financeiras de monta – uma estrutura técnico-científica pesada, erguida à imagem da tecnologia que foi a do cinema no seu primeiro século, e que tem hoje o desafio adicional de juntar a isso (sem substituir nada) a resposta ao novo padrão digital. Num momento de drástica redução de recursos para toda a Cinemateca, e portanto acima de tudo para a Cinemateca enquanto arquivo, sabendo a que ponto isso tem consequências desde o nível mais básico da sobrevivência do património, decidimos voltar o fato de avesso e, por uma vez, dar a ver o arquivo. Filmes, máquinas, documentos e objetos patrimoniais de qualquer tipo, serão aqui expostos ao longo do mês de janeiro também para que neles se vejam, e através deles se discutam, os próprios requisitos da sua salvaguarda. Para que se saiba. Para que se conheça. Para que se discuta melhor – isto é, menos mecânica ou superficialmente – o que pode e deve ser o investimento coletivo nessa salvaguarda.


Em termos de programação, o “Foco no Arquivo” traduz-se num longo Ciclo de projeções, estruturado em dois grandes eixos. "A Coleção / As Coleções" propõe um olhar sobre a coleção da Cinemateca, fazendo desta coleção um tema específico de programação e reflexão sobre a actividade de programação. "O Nosso Século XX" percorre o cinema do século XX português, salientando o vínculo entre os filmes e a História do país, entre cada filme e o momento histórico em que foi produzido, para tornar evidente como este cinema – que a Cinemateca tem a missão de salvaguardar – é também, e porventura principalmente, uma poderosíssima testemunha da nossa História coletiva. Do que foi a nossa vida, do que é a nossa vida. Estes dois grandes eixos encontram-se, na mesma preocupação, no mesmo "foco": pois se com eles fazemos do património um assunto de programação, com eles dizemos que também a programação é um assunto de património.

15/01/2013, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX

Humberto Delgado | Natureza Morta
duração total da sessão: 76 min
15/01/2013, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX

Programa de curtas-metragens | A Coleção / As Coleções / Raridades V
duração total da sessão: 68 minutos
15/01/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX

Sarilho de Fraldas
de Constantino Esteves
Portugal, 1966 - 111 min
16/01/2013, 15h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX

Show Boat
Magnólia
de James Whale
Estados Unidos, 1936 - 83 min
16/01/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Ciclo Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX

Catembe | Cortes de Censura de Catembe
de Faria de Almeida
duração total da sessão: 56 min
15/01/2013, 19h30 | Sala Luís de Pina
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX
Humberto Delgado | Natureza Morta
duração total da sessão: 76 min
O Nosso Século XX / Anos 50

com a presença de Susana de Sousa Dias

HUMBERTO DELGADO
Portugal, 1957 - 4 min
NATUREZA MORTA – VISAGES D’UNE DICTATURE
de Susana de Sousa Dias
Portugal, França, 2005 – 72 min


Neste seu (multipremiado) filme, mergulhando nos arquivos do Estado Novo, Susana de Sousa Dias trabalhou exclusivamente imagens de arquivo filmadas entre 1926 a 1974, os 48 anos da ditadura portuguesa, cujos “aspectos” aqui se revelam a partir de imagens de atualidades, documentários de propaganda, fotografias de presos políticos e material inédito não montado, dos discursos político e eclesiástico como suporte do regime, das realidades dos prisioneiros políticos, da repressão, do exército e da Guerra Colonial. NATUREZA MORTA é uma reflexão sobre estas imagens, olhadas em slow motion. A banda sonora é musical, assinada por António de Sousa Dias. Se NATUREZA MORTA atravessa o período do Estado Novo, o filme amador que abre a sessão ancora-a nos anos cinquenta dando a ver raras imagens do General sem Medo, Humberto Delgado.

 

15/01/2013, 21h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX
Programa de curtas-metragens | A Coleção / As Coleções / Raridades V
duração total da sessão: 68 minutos
A Coleção / As Coleções / Raridades

Sessão apresentada por Carlos Borges

LICHTSPIEL OPUS 1
de Walter Ruttman
Alemanha, 1921 – 7 min
FRAGMENT - RHYTMUS 23
de Hans Richter
Alemanha, 1923 – 2 min
WACHSEXPERIMENTE
KOMPOSITION IN BLAU
de Oskar Fischinger
Alemanha, 1926 e 1934 – 8 e 4 min
RHYTHM IN LIGHT
de Mary Ellen Bute
Estados Unidos, 1934 – 5 min
COLOR CRY
FREE RADICALS
de Len Lye
Reino Unido, 1953 + 1958 – 4 + 4 min
BLAZES
69
70
de Robert Breer
Estados Unidos, 1961, 1968 + 1970 – 1, 4 + 5 min
LAPIS
de James Whitney
Estados Unidos, 1966 – 9 min
BEGONE DULL CARE
de Norman McLaren, Evelyn Lambart
Canadá, 1949 – 8 min
SYNCHROMY
de Norman McLaren
Canadá, 1971 – 7 min

 

Sessão centrada numa importante coleção de filmes compostos maioritariamente por imagens abstratas, que se encadeiam numa autêntica dança visual e se desenvolvem na fronteira de um cinema mais experimental com a animação. Todos eles foram depositados na Cinemateca pela Fundação Calouste Gulbenkian, o que testemunha o importante trabalho realizado pela mesma na promoção e divulgação deste tipo de cinema. O programa reúne verdadeiros clássicos de autores tão diversos como Walter Ruttman, Hans Richter, Oskar Fischinger, Len Lye, Robert Breer ou Norman McLaren, entre os quais o admirável FREE RADICALS, filme inteiramente desenhando por Len Lye sobre película, que sincronizou as imagens com música tradicional africana; ou SYNCHROMY, um filme em que McLaren utiliza técnicas óticas para compor os ritmos da banda sonora que por sua vez são transpostos para a banda de imagem em múltiplas cores, sincronizando imagem e som no mais literal sentido do termo. Se os filmes alemães dispensam apresentações, Breer traz-nos o seu habitual “jogo livre de linhas e ritmos puros”.

 

15/01/2013, 22h00 | Sala Luís de Pina
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX
Sarilho de Fraldas
de Constantino Esteves
com António Calvário, Madalena Iglésias, Nicolau Breyner, Antónia Tonicha, António Silva
Portugal, 1966 - 111 min
O Nosso Século XX / Ao Longe a Guerra Colonial

Este filme de culto que não tem cultores, mas bem os merece, tenta renovar o filão da comédia à portuguesa. Em vez de imagem a preto e branco, fados, “bairros típicos” e mulheres de preto, no Portugal de 1966, em formato panorâmico e Orwocolor, António Calvário, involuntário raptor de um bebé (ao entrar por engano num carro igualzinho ao seu), rasga as estradas entre Lisboa e o Porto em companhia de Madalena Iglésias. Naturalmente, fazem umas pausas pelo caminho para cantar pelos campos ou na casa de banho de um hotel. E também há números cantados em palco, por vezes imitando Demy, outras imitando Minnelli. Esplêndida cópia.

 

16/01/2013, 15h30 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX
Show Boat
Magnólia
de James Whale
com Irene Dunne, Allan Jones, Charles Winninger, Helen Morgan, Paul Robeson
Estados Unidos, 1936 - 83 min
legendado em português
A Coleção / As Coleções / Raridades

Um musical delicioso baseado na versão teatral da Broadway de Jerome Kern e Oscar Hammerstein II. Irene Dunne é fabulosa no papel de uma cantora que cresceu no barco comandado pelo seu pai, até que um dia a oportunidade do estrelato lhe bate à porta. Recuperada do nitrato de origem, a cópia de SHOW BOAT que exibimos resulta de uma preservação a partir de uma cópia da distribuição da época. O facto de se tratar dum testemunho coevo (uma das raras cópias “originais” que subsistem dos musicais americanos dos anos 30) e a qualidade que se conserva na sua tonalida¬de primitiva são valores que têm a sua contrapartida no estado das cópias e, neste caso, nos muitos “saltos” e “amputações” que a atravessam”. “Recupe¬ra-se em ‘restauro’ o que se perde em tempo, ou recupera-se na História o que se perde em história.” (João Bénard da Costa).

 

16/01/2013, 19h00 | Sala Dr. Félix Ribeiro
Foco no Arquivo | A Coleção / As Coleções | O Nosso Século XX
Catembe | Cortes de Censura de Catembe
de Faria de Almeida
duração total da sessão: 56 min
O Nosso Século XX / Ao Longe a Guerra Colonial

com a presença de Faria de Almeida

CATEMBE
CORTES DE CENSURA DE CATEMBE
de Faria de Almeida
Portugal, 1964 – 45 min + 11 min


Coproduzido por Faria de Almeida com António da Cunha Telles, na sua versão original de 87 minutos o filme chamava-se CATEMBE – 7 DIAS EM LOURENÇO MARQUES e incluía uma reportagem sobre a capital moçambicana como cidade turística. Retalhado pela censura que lhe impôs 103 cortes correspondentes a planos de negativo que foram destruídos, teve uma segunda versão (de 48 minutos) que foi igualmente interdita. Pela degradação dos materiais existentes e por não ser ainda uma obra preservada, CATEMBE é uma valiosa obra da filmografia portuguesa que permanece invisível. Mostramo-lo neste contexto, na forma em que é possível fazê-lo, ou seja, numa cópia 35mm de acentuada degradação cromática.