CICLO
Do Outro Lado do Espelho


A  passagem para o outro lado do espelho, seja ele representado como um mundo abstrato e onírico, como acontece em LE SANG D’UN POÈTE, de Jean Cocteau, seja uma representação do inferno e do reino dos mortos, como em ORPHÉE, ou seja ainda uma realidade como a descrita pelo grande clássico da literatura de Lewis Carroll, tantas vezes adaptado ao cinema, é sempre uma viagem para um mundo paralelo.
O filme que assombra e está na base deste Ciclo é uma dessas versões de Alice, tantas vezes visto e revisto em criança, filme mudo projetado em Super8, que tão magicamente retratava a passagem de Alice para o outro lado do espelho. Não está cá este filme, mas está a versão da Disney, em que Alice contempla o seu reflexo na água. Por outro lado, também não está a primeira longa-metragem produzida por esses mesmos estúdios, mas está o BRANCA DE NEVE de João César Monteiro.
Entre “clássicos” e algumas raridades – vários títulos de cariz mais experimental, em que se inclui um núcleo de filmes de João Maria Gusmão e Pedro Paiva, inéditos na Cinemateca –, este programa composto por vinte e sete sessões, mas necessariamente muito incompleto, dada a extensão e o poder deste motivo, dá conta de múltiplas aceções e de usos do espelho no cinema, objeto que funciona como metáfora do próprio cinema, simultaneamente pelos espelhos que presidem à constituição de toda a câmara de filmar e pelos mundos paralelos que criam, reflexos do nosso próprio mundo, que estilhaçam ou desmultiplicam.
Se a imagem cinematográfica e a imagem especular podem ser confundidas, não é a mesma coisa pensar a realidade e o seu reflexo. A perturbação que se sente diante dessa imagem invertida é fonte de tantas histórias fantásticas e de uma inquietante estranheza, de tantos regressos ao passado e de saltos no espaço e no tempo, como provam estes e muitos outros filmes em que os espelhos e as superfícies espelhadas, nas suas múltiplas aceções, têm um papel essencial.
 
 
22/08/2022, 21h45 | Esplanada
Ciclo Do Outro Lado do Espelho

Sunset Boulevard
O Crepúsculo dos Deuses
de Billy Wilder
Estados Unidos, 1950 - 110 min
 
23/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Do Outro Lado do Espelho

India Song
India Song
de Marguerite Duras
França, 1975 - 118 min
23/08/2022, 21h45 | Esplanada
Ciclo Do Outro Lado do Espelho

Le Miroir Magique | Duck Soup
duração total da projeção: 72 minutos | M/12
24/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Do Outro Lado do Espelho

Film | Les Yeux Sans Visage
Duração total da projeção: 105 minutos | M/12
25/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Do Outro Lado do Espelho

La Souriante Madame Beudet | Le Sang d’un Poète
Duração total da projeção: 91 minutos | M/12
22/08/2022, 21h45 | Esplanada
Do Outro Lado do Espelho
Sunset Boulevard
O Crepúsculo dos Deuses
de Billy Wilder
com Gloria Swanson, William Holden, Erich von Stroheim
Estados Unidos, 1950 - 110 min
legendado em espanhol e eletronicamente em português | M/12
O filme que mudou a imagem de Hollywood no cinema. Billy Wilder “ressuscitou” Gloria Swanson retirada há muitos anos, para um papel que podia ser o dela própria (uma diva do mudo num patético comeback), num retrato negro da cidade dos sonhos. Stroheim, que a dirigiu em QUEEN KELLY (filme cuja projeção caseira dá azo a uma das mais emocionantes cenas de SUNSET BOULEVARD), interpreta o seu fiel mordomo. Cecil B. DeMille, Buster Keaton e Hedda Hopper aparecem brevemente, nos seus próprios papéis. No final, Norma Desmond contempla o seu rosto, escondido durante muito tempo. Um espelho longamente evitado que é a prova inclemente do fracasso da perpetuação do passado.

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23/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Do Outro Lado do Espelho
India Song
India Song
de Marguerite Duras
com Delphine Seyrig, Matthieu Carrière, Michel Lonsdale
França, 1975 - 118 min
legendado em português | M/12
INDIA SONG é uma inesquecível experiência que conta a história “de um amor vivido na Índia, nos anos 30, numa cidade super-povoada à beira do Ganges” (Duras), filmada nos arredores de Paris, que circula por entre personagens silenciosas, enquanto em off se ouvem as confissões envolvidas numa música embriagante, do argentino Carlos d’Alessio. Um filme encantatório e mágico que forma um par com SON NOM DE VENISE DANS CALCUTTA DÉSERT, a mesma história vista por Duras numa outra dimensão. Um espelho imenso reforça a indecisão entre os planos da realidade e do imaginário, ajudando a criar desorientação no espectador.

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23/08/2022, 21h45 | Esplanada
Do Outro Lado do Espelho
Le Miroir Magique | Duck Soup
duração total da projeção: 72 minutos | M/12

AVISO: face à impossibilidade de mostrar LE MIROIR DE CAGLIOSTRO, de Georges Méliès, a sessão é composta exclusivamente por LE MIROIR MAGIQUE e DUCK SOUP.

LE MIROIR MAGIQUE
anónimo, produção Gaumont
França, 1909 – 4 minutos / mudo

DUCK SOUP
Os Grandes Aldrabões
de Leo McCarey
com Groucho, Chico, Harpo e Zeppo Marx, Margaret Dumont
Estados Unidos, 1933 – 68 min / legendado eletronicamente em português

Uma sessão que abre com um filme mágico de uma produção Gaumont atribuída por uns historiadores a Louis Feuillade e por outros a Étienne Arnaud ou a Émile Cohl. Um título que reenvia para usos cómicos dos espelhos num cinema produzido como espetáculo de feira. DUCK SOUP representa a arte do burlesco levada aos limites do absurdo na mais delirante incursão dos Irmãos Marx no cinema, que é também uma das mais virulentas sátiras à política do seu tempo (o começo da década de 30 do século passado), com a incursão na guerra de um pequeno país onde os Marx governam. Delirante, para muitos o melhor filme dos Irmãos (aqui dirigidos pela magistral mão de Leo McCarey), DUCK SOUP é tudo menos inocente, como não é inocente o gag do espelho, em que se iludem as aparências. A exibir em cópias digitais. 

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24/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Do Outro Lado do Espelho
Film | Les Yeux Sans Visage
Duração total da projeção: 105 minutos | M/12
FILM
de Samuel Beckett, Alan Schneider
com Buster Keaton, Nell Harrison, James Karen
Estados Unidos, 1965 – 20 min / mudo, sem diálogos

LES YEUX SANS VISAGE
de Georges Franju
com Pierre Brasseur, Alida Valli, Edith Scob
França, 1959 – 85 min / legendado em português

Dois filmes de espelhos escondidos para ocultar rostos que não se querem ver, espelhos presentes pela sua ausência. FILM resulta da colaboração de Samuel Beckett com o encenador teatral Alan Schneider e com um convidado de peso, o envelhecido Buster Keaton, para uma fascinante revisão do burlesco. Uma obra única na história do cinema. LES YEUX SANS VISAGE é um dos melhores filmes fantásticos franceses em que Franju recupera o espírito dos grandes filmes em episódios de Feuillade e a sombria poesia dos filmes mudos de Fritz Lang, numa história de terror aparentada com o tema de Frankenstein. Um médico famoso atrai uma série de raparigas para as matar, de forma a aproveitar a pele dos rostos para reconstituir o da filha, desfigurada num acidente. O final é marcado por um onirismo surrealizante, raras vezes visto em cinema. A exibir em cópias digitais.

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25/08/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Do Outro Lado do Espelho
La Souriante Madame Beudet | Le Sang d’un Poète
Duração total da projeção: 91 minutos | M/12
com acompanhamento ao piano por Filipe Raposo
LA SOURIANTE MADAME BEUDET
de Germaine Dulac
com Germaine Beudoz, Alexandre Arquillère, Madeleine Guitry
França, 1923 – 38 min / mudo, intertítulos em francês, legendado eletronicamente em português

LE SANG D’UN POÈTE
de Jean Cocteau
com Enrique Rivero, Pauline Carton, Odette Talazac
França, 1930 – 53 min / mudo, intertítulos em francês, legendado eletronicamente em português

Germaine Dulac (1882-1942) foi uma forte personalidade, feminista militante, organizadora de cineclubes e uma presença marcante do cinema francês “de vanguarda” ou “impressionista” dos anos 20. LA SOURIANTE MADAME BEUDET é um clássico do período que aborda a história de uma mulher infeliz no casamento, cujo marido costuma brincar com um revólver vazio. Um dia, ela põe uma bala no revólver, mas sucede algo inesperado. Um espelho trifacetado reflete Madame Beudet e a sua existência. Em LE SANG D’UN POÈTE o protagonista está fechado numa divisão onde não há porta, mas apenas um espelho, “restando-lhe apenas entrar no vidro e passear-se”, transformando-se o espelho em água, que o deixa mergulhar e descobrir um novo mundo. Como é frequente na obra de Cocteau, é um filme cujos espelhos são filmados de frente, um paradoxo irresolúvel que nos reenvia para o mundo dos falsos espelhos.

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