CICLO
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)


Em março, damos início a um vasto Ciclo sobre o tema geral das migrações, de indivíduos ou de massas, que se prolongará nos dois meses seguintes. Embora em todos os módulos mensais haja cruzamento de épocas cinematográficas, começamos por dar alguma ênfase ao cinema clássico, dando depois mais espaço (em abril) à produção contemporânea, e terminando com um epílogo (em maio) dedicado à diáspora portuguesa. A programação abarca 100 anos de cinema e de História e inclui ficções, documentários e ensaios filmados, grandes clássicos, raridades e filmes pouco vistos na Cinemateca.
A migração de indivíduos e (ou) de grupos humanos é tão antiga como a própria Humanidade e o tema foi abordado pelo cinema desde os seus começos, como prova o facto de o filme com o qual abrimos o Ciclo ter sido realizado há 102 anos. Mesmo procurando uma exemplificação abrangente, deixámos de fora temas como o nomadismo, as transumâncias e outras migrações sazonais, assim como, pela sua óbvia especificidade, as deslocações maciças no contexto da escravatura. Se alguns destes temas podem aflorar em obras programadas (como não ver, por exemplo, a contiguidade entre alguns dos mais duros cenários de migração contemporânea e fenómenos de escravatura moderna?), o princípio geral foi o de olhar a forma como o cinema representou os principais movimentos gerados por causas económicas e políticas que marcaram o século XX e que estão a marcar este início de século, com alguns antecedentes no período imediatamente anterior. 
Hoje em dia, os movimentos de migração assumem aspectos absolutamente dramáticos, com um fluxo maciço e ininterrupto de indivíduos que se deslocam nas condições mais precárias, empurrados pela miséria e o caos económico e, em alguns casos, pelas guerras. O fenómeno é mundial, não se limita à travessia do Saara e do Mediterrâneo por grupos de africanos, também ocorre na Ásia, nas Caraíbas e nas Américas. Países como Portugal, que durante séculos foram terras de emigração, foram bruscamente transformados em espaços de imigração. Este aspecto contemporâneo do fenómeno das migrações será abundantemente ilustrado na programação de abril. Na primeira etapa, em março, insiste-se, abordaremos o período clássico do cinema – anos de 1930 a 1950 – com algumas incursões pelo que a historiografia do cinema designa como cinema moderno, além de alguns exemplos contemporâneos. Abrimos o Ciclo com um filme intitulado precisamente O IMIGRANTE, realizado por um dos mais célebres indivíduos a terem emigrado para os Estados Unidos, Charles Chaplin. Outros clássicos americanos foram incluídos, por ilustrarem migrações internas causadas pela miséria (THE GRAPES OF WRATH) ou westerns nos quais um grupo de colonos se instala no que vai ser o seu novo lar (BEND OF THE RIVER; CANYON PASSAGE). Mostraremos também uma raridade do período clássico sobre a emigração italiana rumo à Argentina (EMIGRANTES). Dos anos sessenta, poderemos ver clássicos modernos como ROCCO E I SUOI FRATELLI e AMERICA, AMERICA e redescobrir filmes como VIDAS SECAS e A GRANDE CIDADE. Estão programados filmes muito diferentes, mas que seguem percursos individuais ou de pequenos grupos (BAKO, L’AUTRE RIVE; ALAMBRISTA; LE HAVRE; DIRTY PRETTY THINGS; THE JUGGLER; ROCCO E I SUOI FRATELLI; JAGUAR; PALERMO ODER WOLFSBURG), ou acompanham migrações de massa (OS EMIGRANTES; FANTASIA LUSITANA; LISBOETAS). Um filme mostra o ponto de vista dos novos negreiros (LA PROMESSE), outro o dos novos migrantes (LETTERE DAL SAHARA). Há um ensaio sobre alguém que migrou e regressa de visita à sua terra natal (REMINISCENCES OF A JOURNEY TO LITHUANIA, que aqui exibimos em antecâmara da homenagem que prestaremos a Jonas Mekas, falecido em janeiro) e um documentário sobre um espaço específico de migrações de atualidade candente (DE L’AUTRE CÔTÉ, filmado na fronteira entre o México e os EUA), além de um recentíssimo filme de Zelimir Zilnik, ironicamente intitulado “O MELHOR PAÍS DO MUNDO”. As vastas diferenças que existem entre estes filmes espelham o modo como o fenómeno das  migrações se refletiu no cinema, o que é um claro indício de como este fenómeno foi visto através dos tempos: de modo idealizado, nas ficções clássicas ou modernas, ou na crueza que este tema sempre suscita nos documentários.
Finalmente, é devida uma nota importante sobre o percurso que nos trouxe à seleção final de obras exibidas. Complementando o habitual trabalho interno da Cinemateca, o levantamento de títulos considerados incluiu neste caso a contribuição decisiva de dois programadores externos – Augusto M. Seabra e Olaf Möller – à qual se acrescentou ainda a contribuição de Cíntia Gil. Se a responsabilidade do programa final é nossa, a riqueza e a variedade do Ciclo, essas, devem muito à colaboração deles. Aqui fica então o destaque e, naturalmente, o nosso reconhecimento.
 
01/03/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)

The Immigrant | The Immigrant
duração total da projeção: 139 min | M/12
 
04/03/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)

Alambrista
O Alambrista!
de Robert M. Young
Estados Unidos, 1977 - 110 min
 
04/03/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)

The Juggler
O Malabarista
de Edward Dmyktryk
Estados Unidos, 1953 - 84 min
04/03/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)

Das Schönst Land der Welt
“O Mais Belo País do Mundo”
de Zelimir Zilnik
Áustria, Croácia, Eslovénia, Sérvia, 2018 - 101 min
04/03/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)

The Grapes of Wrath
As Vinhas da Ira
de John Ford
Estados Unidos, 1940 - 129 min
01/03/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)
The Immigrant | The Immigrant
duração total da projeção: 139 min | M/12
THE IMMIGRANT
O Emigrante
de Charles Chaplin
com Charles Chaplin, Edna Purviance, Kitty Bradbury
Estados Unidos, 1917 – 19 min / mudo, intertítulos em inglês e legendagem eletrónica em português
THE IMMIGRANT
A Emigrante
de James Gray
com Marion Cotillard, Joaquin Phoenix, Jeremy Renner
Estados Unidos, 2013 – 120 min / legendado em português

THE IMMIGRANT é o filme ideal para a abertura deste Ciclo, pois é um clássico e não edulcora a realidade. O filme mostra-nos Charlot num barco de emigrantes (uma situação que Chaplin viveu na vida real) e a sua chegada a Nova Iorque, onde vive sem um tostão, como em tantos dos seus filmes. Uma das obras-primas absolutas de Chaplin, misto de desencanto e ironia. Realizado quase 100 anos depois, mas ambientado na mesma época e com o mesmo título (embora aqui a protagonista seja uma mulher), o filme de James Gray, ele próprio neto de imigrantes, conta-nos a história de uma imigrante polaca, que é obrigada a prostituir-se, enquanto tenta resgatar a irmã que, por motivos de saúde, está detida em Ellis Island. Foi o primeiro mergulho de Gray no filme histórico – os anos vinte do afluxo de imigrantes do leste europeu a Nova Iorque via Ellis Island (o filme abre com imagens da Estátua da Liberdade, imediatamente dando os EUA como uma nação de acolhimento), e é o mais “operático” filme de Gray, certamente o mais “italiano” e, em especial, “viscontiano”, no seu abandono ao senso melodramático. THE IMMIGRANT de Chaplin é apresentado numa cópia em versão digital restaurada.
 
04/03/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)
Alambrista
O Alambrista!
de Robert M. Young
com Domingo Ambriz, Trinidad Silva, Linda Gillen
Estados Unidos, 1977 - 110 min
legendado eletronicamente em português | M/12
ALAMBRISTA é a segunda ficção de Robert M. Young, que há vinte anos realizava documentários para o cinema e a televisão. Um alambrista é um homem que se equilibra numa corda bamba e o termo é usado para designar os mexicanos que tentam emigrar clandestinamente para os Estados Unidos. O filme começa com a chegada do seu jovem protagonista ao país vizinho e faz-nos acompanhar o seu percurso, a sua relação com os outros imigrantes, a realidade do mundo do trabalho, a perseguição policial, mas também uma relação sentimental, até a um desenlace que não é feliz nem infeliz. Young filma com clareza e simplicidade, criando uma intensa identificação entre o espectador e o protagonista, o excelente Domingo Ambriz. Na Cinemateca, foi apresentado uma única vez, em 1981 (“Seleção de Filmes do 10º Festival Internacional de Cinema da Figueira da Foz”).
 
04/03/2019, 18h30 | Sala Luís de Pina
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)
The Juggler
O Malabarista
de Edward Dmyktryk
com Kirk Douglas, Milly Vitale, Paul Stewart
Estados Unidos, 1953 - 84 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Depois de realizar alguns notáveis filmes negros nos anos quarenta (MURDER MY SWEET, CROSSFIRE), Edward Dmyktryk foi vítima da “caça às bruxas” do macarthysmo, à qual acabou por ceder, delatando diversas pessoas, o que lhe permitiu reatar a sua carreira, com THE JUGGLER. O filme conta a história de um sobrevivente do Holocausto que chega ao recém-fundado Estado de Israel, mas não consegue adaptar-se à nova vida, devido aos traumatismos que sofrera. Continua a sentir-se perseguido, o que permite ao realizador instalar um ambiente de tensão quase policial.
 
04/03/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)
Das Schönst Land der Welt
“O Mais Belo País do Mundo”
de Zelimir Zilnik
Áustria, Croácia, Eslovénia, Sérvia, 2018 - 101 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Apresentado no passado mês de fevereiro, no âmbito da rubrica “Double Bill”, em antecâmara de “Povos em Movimento”, DAS SCHÖNST LAND DER WELT é o mais recente filme de Zelimir Zilnik, de quem a Cinemateca apresentou uma retrospetiva completa em 2015. Dois estranhos encontram-se numa multidão frente ao Parlamento austríaco. Um fugira da guerra na Síria, o outro escapara aos talibãs do Afeganistão. Têm coisas e interesses em comum: um sincero intercâmbio de experiências, uma tentativa de consolo mútuo. Um filme incisivo sobre os imigrantes, sem sentimentalismo ou sensacionalismo, com um olhar único sobre os temas atuais, com uma análise inteligente, que não esconde o aspecto humano. Zilnik em estado puro.
 
04/03/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Povos em Movimento – Migração, Exílio, Diáspora (I)
The Grapes of Wrath
As Vinhas da Ira
de John Ford
com Henry Fonda, Jane Darwell, John Carradine, Charles Grapewin, Ward Bond
Estados Unidos, 1940 - 129 min
legendado em português | M/12
Um dos retratos mais duros do cinema americano sobre a terrível situação de muitos agricultores americanos durante a Grande Depressão, que os obrigou a migrar. THE GRAPES OF WRATH adapta o romance homónimo de John Steinbeck sobre o périplo dos agricultores do Oklahoma arruinados por uma desastrosa seca e expulsos das suas terras pelos bancos, rumo à “terra prometida” da Califórnia. No papel principal, Henry Fonda tem uma das maiores criações da sua carreira. Um filme duro, com um tom inegavelmente “de esquerda” (“We are the people”), que mostra que John Ford, embora conservador, tinha as suas contradições.