CICLO
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba


PETER WATKINS
A retrospetiva de autor que o doclisboa e a Cinemateca organizam este ano em colaboração é dedicada ao cineasta inglês Peter Watkins. Nascido em 1935, chegado ao cinema no final dos anos cinquenta, autor dos seus primeiros filmes profissionais (feitos para a BBC) em meados dos anos sessenta, Watkins é, portanto, contemporâneo dos movimentos que mudaram, nessas décadas, o rosto do cinema britânico, quer através do "free cinema" quer, pela influência de uma geração vinda do teatro (os chamados "angry young men"), através de um realismo intenso e muito atento às fracturas de classe na sociedade britânica. E no entanto, se numa visão macroscópica faz sentido aproximar Watkins dessa geração, um olhar aproximado rapidamente isola Watkins de quaisquer correntes ou movimentos para ficar com um cinema intrinsecamente pessoal, com poucos ou nenhuns paralelos diretos nessa ou noutras gerações, produto de uma obstinação que cedo se tornou também "trans-nacional": Watkins deixou de ser um "cineasta britânico" no final dos anos sessenta, depois de digerir mal a experiência de trabalho com a BBC (e os problemas suscitados por THE WAR GAME), e não voltou a filmar no seu país. Trabalhou muito nos países nórdicos, também episodicamente nos EUA e em França, e a expressão maxima do carácter apátrida do seu cinema deve ser RASEN ("A VIAGEM"), filme de todos os países e de país nenhum.
Quase todos os filmes de Peter Watkins (e seguramente os primeiros) são obcecados com questões de guerra e paz, dado que alguns comentadores explicam a experiência marcante que foi para o muito jovem Watkins a vivência da Segunda Guerra Mundial, a memória dos bombardeamentos sobre solo britânico, as vezes em que a família foi obrigada a mudar de casa. As primeiras curtas, os filmes para a BBC (CULLODEN e THE WAR GAME), GLADIATORERNA, RASEN, todos atestam o interesse de Watkins pelo tema e a sua perspetiva pacifista ou, se calhar mais corretamente, antimilitarista. Porque, mais do que defender "a paz", Watkins descodifica "a guerra", a partir da teia de interesses políticos ou de outro tipo que a conduz e mantém, e trabalhando especialmente em torno das formas da sua representação e legitimação por parte do poder, inclusive do poder mediático. Watkins sempre viu o cinema – o seu cinema – como uma maneira de contestar e interrogar as visões estabelecidas, os dados adquiridos, as representações consensuais – como se vê muito bem em vários dos seus filmes nórdicos (AFTENLANDET ou 70'ERNES FOLK), que põem em causa, esburacam mesmo, as ideias paradisíacas associadas à política social de países como a Dinamarca e a Suécia. A essas representações (tanto uma questão de cinema como de "mise en scène" política) Watkins responde com "contra-representações", à beira da paranoia e da distopia (não por acaso, muitos dos seus filmes se projetam num futuro mais ou menos próximo, à boa maneira da ficção científica). E é aí que o seu cinema mistura os dados da ficção e do documentário, única resposta possível a um mundo que ele vê como uma imensa construção ficcional suportada pelos media (do cinema "convencional" à imprensa e à televisão): talvez a palavra certa seja "simulacro", palavra que conjuga harmoniosamente ambos os termos (ficção e documento, como realização duma situação hipotética ou como hipótese duma situação real) e que leva a filmes como PUNISHMENT PARK ou LA COMMUNE, filmes que encenam uma História real ou uma História imaginada, no passado ou no futuro, mas sempre numa articulação, forte como uma âncora, com o momento histórico em que são feitos. Experimentador, mais do que "experimental", interrogador, mais do que "afirmativo", mas tão factual como hipotético, e profundamente material sem deixar de ser "teórico", o cinema de Peter Watkins forma uma das obras mais singulares dos últimos 50 anos. Um convite à sua descoberta é que aqui se propõe.

POR UM CINEMA IMPOSSÍVEL: DOCUMENTÁRIO E VANGUARDA EM CUBA
Dedicada ao cinema cubano, a retrospetiva temática do doclisboa resulta de uma colaboração com o Museu Reina Sofia, de Madrid, e é um programa concebido por Michael Chanan. “Por um cinema impossível: documentário e vanguarda em Cuba” vem mostrar-nos, precisamente, as imagens desse acontecimento impossível: uma revolução que procurou quebrar com a influência ocidental (e em particular norte-americana), primeiro, num país (Cuba) e, mais tarde, numa região inteira (a América Latina). Com a queda da ditadura de Batista, em 1959, surge então a oportunidade de ir à procura, pelas mãos do documentário e também, num primeiro momento, pelas influências do neorrealismo (com o papel determinante de Julio García Espinosa e do seu chamado “cinema imperfeito”), da verdadeira imagem de Cuba: as suas pessoas, as suas terras, o seu trabalho e a sua cultura (um gesto reforçado, mais tarde, com a juventude de Sara Gómez e de outros pares). No entanto, muito além das imagens de um povo a abraçar uma nova era no seu país, e de querer apenas apagar a antiga imagem corrompida que o antigo regime quis impor ao mundo, os filmes do cinema revolucionário cubano trouxeram algo que vive para além do testemunho político. Autores como Santiago Álvarez criaram a sua própria linguagem, dentro do cinema documental, para exercer uma influência ainda hoje vista nos meios de comunicação mais contemporâneos. Por montagens rápidas, colagens, e num misto de humor e verve, o fundador do Jornal Cinematográfico do Instituto Cubano da Arte e da Indústria Cinematográfica (ICAI) criou retratos e discursos que viriam a chamar a atenção das vanguardas europeias da época (também presentes neste Ciclo), e que se reproduzem, ainda hoje, em meios tão diferentes como reportagens, videoclips musicais ou a Internet. Filmes de uma época, portanto, mas que nos falam ainda hoje, num presente recheado (e saturado) de experiências e de informação.
À exceção de THE WAR GAME, os filmes de Peter Watkins são primeiras exibições na Cinemateca. As primeiras exibições na Cinemateca dos filmes da retrospetiva de cinema cubano estão assinaladas nas respetivas notas.
 
Michael Chanan apresenta as sessões da retrospetiva de cinema cubano
Pedro Fortes apresenta as sessões da retrospetiva Peter Watkins
 
20/10/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

Diary of an Unknown Soldier | Culloden
duração total da projeção: 89 min | M/12
 
20/10/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

The Forgotten Faces | The War Game
duração total da projeção: 65 min | M/12
21/10/2016, 15h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

The Forgotten Faces | The War Game
duração total da projeção: 65 min | M/12
21/10/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

Privilege
de Peter Watkins
Reino Unido, 1967 - 103 min
21/10/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

El Megano | La Vivienda | Sexto Aniversario | Asamblea General | Noticiero 49
duração total da projeção: 87 min | M/12
20/10/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba
Diary of an Unknown Soldier | Culloden
duração total da projeção: 89 min | M/12
Peter Watkins

Sessão apresentada por Pedro Fortes
DIARY OF AN UNKNOWN SOLDIER
de Peter Watkins
com Brian Robertson, Peter Watkins
Reino Unido, 1959 – 20 min / legendado eletronicamente em português
CULLODEN
de Peter Watkins
com Tony Cosgrove, Olivier Espitalier-Noel, Don Fairservice
Reino Unido, 1964 – 69 min / legendado eletronicamente em português

CULLODEN foi o primeiro projeto dirigido por Peter Watkins para o serviço de produção de documentários da BBC. Trata-se de uma reconstituição da Batalha de Culloden, no século XVIII, a última batalha "convencional" acontecida em solo britânico. Watkins aproxima-se da reconstituição num simulacro de reportagem, usando procedimentos do cinema direto e da linguagem televisiva (como as "entrevistas" aos soldados), no que é tanto uma forma de refletir sobre a representação mediática dos conflitos como de estabelecer um eco entre acontecimentos passados e acontecimentos presentes (eram os meados dos anos sessenta, em fundo estavam as várias guerras quentes da "Guerra Fria", nomeadamene o Vietname), processo a que Watkins voltaria noutros momentos da sua obra. O anti-militarismo de CULLODEN é anunciado em DIARY OF AN UNKNOWN SOLDIER, uma das curtas-metragens que lhe valeram o convite da BBC, e onde se segue o percurso na Primeira Guerra de um imaginário soldado britânico, encenado já num estilo de falsa reportagem.
20/10/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba
The Forgotten Faces | The War Game
duração total da projeção: 65 min | M/12
Peter Watkins

Sessão apresentada por Pedro Fortes
THE FORGOTTEN FACES
de Peter Watkins
com Frank Hickey, Michael Roy, John Newing
Reino Unido, 1961 – 17 min / legendado eletronicamente em português
THE WAR GAME
de Peter Watkins
com Michael Aspel, Peter Graham
Reino Unido, 1965 – 48 min / legendado eletronicamente em português

Em THE WAR GAME, segundo telefilme realizado por Watkins para a BBC, tratava-se de alertar para a ameaça devastadora da guerra nuclear e dos seus efeitos, mas também para a hipocrisia e desonestidade subjacentes aos discursos oficiais sobre o tema. Tratando o assunto como um “documentário ficcionado”, como se um ataque nuclear tivesse mesmo sacudido a Grã-Bretanha, o resultado saiu tão perturbante que a BBC, considerando o filme demasiado “assustador” para ser servido ao conforto doméstico dos telespectadores, renunciou à sua exibição televisiva, lançando o filme para o circuito das salas. Com um sucesso que chegou aos EUA, onde THE WAR GAME ganhou um Óscar para melhor documentário de longa-metragem. Em THE FORGOTTEN FACES, filmado com muito poucos meios mas em absoluta fidelidade aos seus princípios, Watkins encena a sublevação húngara de 1956 que culminou com a invasão soviética.
21/10/2016, 15h00 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba
The Forgotten Faces | The War Game
duração total da projeção: 65 min | M/12
Peter Watkins

Sessão apresentada por Pedro Fortes
THE FORGOTTEN FACES
de Peter Watkins
com Frank Hickey, Michael Roy, John Newing
Reino Unido, 1961 – 17 min / legendado eletronicamente em português
THE WAR GAME
de Peter Watkins
com Michael Aspel, Peter Graham
Reino Unido, 1965 – 48 min / legendado eletronicamente em português

Em THE WAR GAME, segundo telefilme realizado por Watkins para a BBC, tratava-se de alertar para a ameaça devastadora da guerra nuclear e dos seus efeitos, mas também para a hipocrisia e desonestidade subjacentes aos discursos oficiais sobre o tema. Tratando o assunto como um “documentário ficcionado”, como se um ataque nuclear tivesse mesmo sacudido a Grã-Bretanha, o resultado saiu tão perturbante que a BBC, considerando o filme demasiado “assustador” para ser servido ao conforto doméstico dos telespectadores, renunciou à sua exibição televisiva, lançando o filme para o circuito das salas. Com um sucesso que chegou aos EUA, onde THE WAR GAME ganhou um Óscar para melhor documentário de longa-metragem. Em THE FORGOTTEN FACES, filmado com muito poucos meios mas em absoluta fidelidade aos seus princípios, Watkins encena a sublevação húngara de 1956 que culminou com a invasão soviética.
21/10/2016, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba
Privilege
de Peter Watkins
com Paul Jones, Jean Shrimpton, Mark London
Reino Unido, 1967 - 103 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Peter Watkins

Sessão apresentada por Pedro Fortes
Os elementos alienadores da cultura pop, maioritariamente virada para a juventude, que explodiu nos anos sessenta e com especial incidência em Inglaterra, formam o núcleo temático de PRIVILEGE, história de uma vedeta da música "pop" manipulada, com intuitos políticos, pelo Governo. A ficção e a parábola são assumidas neste primeiro filme de Watkins depois de abandonar a BBC (instatisfeito com o tratamento dado pela estação a THE WAR GAME), mas o estilo é ainda o da falsa reportagem, mergulhando no "realismo" convencional dos processos do documentário ou da televisão para um retrato politicamente paranoico da agitação cultural da década de sessenta. Foi também a primeira vez que filmou a cores.
21/10/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Doclisboa: Peter Watkins | Por um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba
El Megano | La Vivienda | Sexto Aniversario | Asamblea General | Noticiero 49
duração total da projeção: 87 min | M/12
Por Um Cinema Impossível: Documentário e Vanguarda em Cuba

Sessão apresentada por Michael Chanan
EL MEGANO
de Julio García Espinosa, Tomás Gutiérrez Alea
Cuba, 1955 – 25 min / legendado eletronicamente em português
LA VIVIENDA
de Julio García Espinosa
Cuba, 1959 – 21 min / legendado eletronicamente em português
SEXTO ANIVERSARIO
de Julio García Espinosa
Cuba, 1959 – 18 min / legendado eletronicamente em português
ASAMBLEA GENERAL
de Tomás Gutiérrez Alea
Cuba, 1960 – 14 min / legendado eletronicamente em português
NOTICIERO 49
de Santiago Álvarez
Cuba, 1961 – 9 min / legendado eletronicamente em português

A abrir a sessão dos inícios do cinema cubano do período da revolução castrista está EL MEGANO, primeiro filme de Julio García Espinosa, um dos seus nomes fundamentais, e uma obra que veio a marcar a recusa da imagem da ditadura de Batista, de tal forma que o seu negativo foi apreendido, assim como o próprio realizador. De inspiração neorrealista, Espinosa filma habitantes e trabalhadores da ilha a interpretarem os seus próprios papéis numa revolta contra as pobres condições laborais. Os restantes filmes são filmados em liberdade: LA VIVIENDA denuncia as diferenças de privilégios entre classes através de imagens das casas de Havana; SEXTO ANIVERSARIO, primeiro filme integralmente produzido pelo Instituto Cubano da Arte e Indústria Cinematográfica (ICAI), celebra a data de assalto ao quartel Moncada, em 1953 (e que deu prisão a Fidel Castro); ASAMBLEA GENERAL (onde trabalhou Néstor Almendros) foca-se na concentração da Primeira Declaração de Havana (de independência contra os EUA); e NOTICIERO 49 reúne atualidades culturais e económicas, como a nacionalização das distribuidoras de cinema americanas. À exceção de NOTICIERO 49, os filmes a apresentar são primeiras exibições na Cinemateca.