CICLO
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore


Em rima com os cinco encontros com Jean Douchet à volta de Eric Rohmer (1920-2014), a realizar entre 14 e 18 de março, nas sessões-conferência das “Histórias do Cinema” (ver entrada respetiva), propomos um variado percurso pela obra do mestre francês, num total de quinze programas, em que além de alguns dos filmes mais emblemáticas de Rohmer, se apresentam obras raras ou raríssimas. O percurso de Eric Rohmer é peculiar e a sua obra é uma das mais coerentes e inteligentes de toda a História do cinema. Também é muito variada, pois paralelamente às ficções que o tornaram célebre Rohmer realizou diversos filmes educativos para televisão. De origem alsaciana, o cineasta nasceu em Tulle, no centro de França, com o nome de Maurice Schérer e diz-se que adotou o pseudónimo de Eric Rohmer para que a mãe não soubesse que ele fazia cinema, alterando também o seu lugar de nascimento, que nas biografias oficiais passou a ser Nancy. Germanista, Rohmer começou a sua vida profissional como professor de letras. A marca do professor de literatura nunca se apagaria do seu trabalho, como se pode notar pelo teor literário dos seus numerosos artigos como crítico de cinema – nos quais é nítida a marca do ensaísta – e a qualidade impecável da língua francesa em quase todos os seus filmes, nos quais os diálogos são muito estruturados, com frases bem construídas, quase sempre desprovidas das escórias da língua falada. Depois de concluir os estudos universitários, Rohmer chega a Paris logo a seguir à Segunda Guerra Mundial e só então começa a ter um contacto sério com o cinema, tornando-se frequentador assíduo da Cinemateca Francesa. Em 1946, publica sob o pseudónimo de Gilbert Cordier o romance Elisabeth, na mais prestigiosa editora francesa, a Gallimard, livro que parece ter passado um tanto despercebido e que viria a ser reeditado 61 anos mais tarde, com o novo título de La Maison d’Elisabeth. Enquanto ganha a vida como professor em Paris, Rohmer começa a publicar, em 1948, textos em duas das mais prestigiosas revistas francesas, ambas editadas pela Gallimard: Les Temps Modernes, fundada por Jean-Paul Sartre e La Revue du Cinéma, ancestral direta dos Cahiers du Cinéma. Em 1950, realiza a sua primeira curta-metragem, JOURNAL D’UN SCÉLÉRAT.
Com Jean-Luc Godard, François Truffaut, Jacques Rivette e Claude Chabrol, todos cerca de dez anos mais novos do que ele, Rohmer foi um dos cinco nomes que revolucionou a crítica de cinema nos anos cinquenta, nos Cahiers du Cinéma, onde continuaria a ter um papel fundamental e discreto durante muitos anos. Com os seus companheiros, também contribuiria para revolucionar o cinema, no seio da Nouvelle Vague. Como crítico, foi o mais teórico e literário do grupo. Como realizador, fez a sua primeira longa-metragem, LE SIGNE DU LION, em 1959, no mesmo ano que Godard e Truffaut, mas só alcançaria a consagração uma década mais tarde, com MA NUIT CHEZ MAUD, já perto dos 50 anos. Em 1962, decidiu realizar uma série de seis filmes, a que chamou “Seis Contos Morais”, sobre o mesmo tema: “O narrador procura uma mulher e encontra outra, que monopoliza a sua atenção, até ao momento em que volta a encontrar a primeira”. Em todos estes filmes, Rohmer utiliza luz e cenários naturais e os diálogos são abundantes e fundamentais, porque "na vida real, quando alguma coisa se passa, é sempre através da palavra". Nos anos sessenta, também realizou diversos trabalhos para a televisão escolar, sobre temas como os gabinetes de física do século XVIII, as metamorfoses da paisagem, Cervantes e Pascal. Depois dos “Contos Morais”, realizaria duas outras séries de filmes: as “Comédias e Provérbios” (sem número preestabelecido, mas que também foram seis) e “Os Contos das Quatro Estações”, fazendo diversas incursões em outros tipos de cinema: ficções extremamente baratas, devido à sua recusa do cinema industrial (QUATRE AVENTURES DE REINETTE ET MIRABELLE), e obras como DIE MARQUISE VON O, PERCEVAL LE GALLOIS, A INGLESA E O DUQUE. Rohmer, que sempre trabalhou de modo independente dos grandes produtores, recusou instalar-se numa perfeição rotineira e a partir de certo ponto decidiu correr riscos, lembrando-se sempre de que “a Nouvelle Vague não contestara o ‘establishment’ com meios do cinema de vanguarda, mas com meios amadores”. O seu cinema, aparentemente simples, é extremamente elaborado. Nos quinze programas que compõem este Ciclo, apresentamos a totalidade dos “Seis Contos Morais”, que formam o núcleo duro da sua obra de realizador, o foco a partir do qual toda a sua obra irradia. Também propomos uma das “Comédias e Provérbios”, talvez aquela em que os jogos do amor e do acaso atingem, na série, a sua forma mais perfeita, LE BEAU MARIAGE; os primeiros dois filmes “atípicos” da sua obra (DIE MARQUISE VON O e PERCEVAL LE GALLOIS); um díptico com dois extraordinários documentários sobre o cinema (LUMIÈRE e CARL TH. DREYER); a versão integral de PARIS VU PAR…, um dos raros filmes de episódios dos anos sessenta que forma realmente um bloco e do qual Rohmer realizou um dos episódios; uma obra inclassificável, misto de panfleto e comédia, L’ARBRE, LE MAIRE ET LA MÉDIATHÈQUE. Propomos ainda quatro programas compostos por raridades: dois registos de encenações teatrais de Rohmer, filmados por ele próprio (CATHERINE DE HELBRONN e LE TRIO EM MI BÉMOL), e dois programas de curtas-metragens por ele produzidas e supervisionadas, tirados das séries “Anniversaires” e “Le Modèle” (Rohmer sempre gostou de trabalhar por séries de filmes).
 

 
01/03/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore

La Boulangère de Monceau | La Carrière de Suzanne
duração total da sessão: 77 min | M/12
 
03/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore

Ma Nuit chez Maud
A Minha Noite em Casa de Maud
de Eric Rohmer
França, 1969 - 110 min
05/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore

Le Genou de Claire
O Joelho de Claire
de Eric Rohmer
França, 1970 - 100 min
07/03/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore

Le Beau Mariage
O Bom Casamento
de Eric Rohmer
França, 1982 - 97 min
08/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore

Die Marquise von O
A Marquesa d’O
de Eric Rohmer
França, Alemanha, 1976 - 99 min
01/03/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore
La Boulangère de Monceau | La Carrière de Suzanne
duração total da sessão: 77 min | M/12

LA BOULANGERE DE MONCEAU
de Eric Rohmer
com Barbet Schroeder, Michèle Girardon, Fred Junk
França, 1962 – 23 min / legendado eletronicamente em português
LA CARRIERE DE SUZANNE
de Eric Rohmer
com Catherine See, Christian Charrière, Diane Wilkinson
França, 1963 – 54 min / legendado eletronicamente em português

Os dois primeiros dos “Seis Contos Morais” de Rohmer são duas obras de duração inferior à norma comercial, realizadas a preto e branco. Como nos restantes “Contos Morais”, a ação tem lugar no passado e é rememorada pelo narrador, em voz “off”. Realizados depois de LE SIGNE DU LION, estes dois filmes são mais típicos de Rohmer do que aquela primeira longa-metragem que, no entanto, é mais acabada enquanto obra de cinema. Mas o verdadeiro cinema de Rohmer começa aqui.
 

03/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore
Ma Nuit chez Maud
A Minha Noite em Casa de Maud
de Eric Rohmer
com Jean-Louis Trintignant, Françoise Fabian, Marie-Christine Barrault, Antoine Vitez
França, 1969 - 110 min
legendado em espanhol | M/12

Realizado a preto e branco, o que era muito minoritário em 1969, MA NUIT CHEZ MAUD é o terceiro dos contos morais e também o mais abstrato e austero. Rohmer representa o dualismo entre a retidão moral e a imprevisibilidade do humano, num confronto ético, mas também cinematográfico. O filme é situado em Clermont-Ferrand, terra natal do filósofo e matemático setecentista Blaise Pascal, cuja famosa teoria da “aposta” (simplificando muito: é melhor “apostar” que Deus existe) é discutida no filme por pessoas que refletem se estas teorias podem e devem ser aplicadas às suas próprias vidas. Foi o primeiro êxito comercial de Rohmer, que chegava então à casa dos 50 anos.

05/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore
Le Genou de Claire
O Joelho de Claire
de Eric Rohmer
com Jean-Claude Brialy, Laurence de Monagahan, Gérard Falconetti,
França, 1970 - 100 min
legendado em espanhol | M/12

LE GENOU DE CLAIRE foi o penúltimo e talvez o mais perfeito dos seis “Contos Morais” de Rohmer. Numa mansão à beira de um lago, durante as férias de verão, coabitam adolescentes e pessoas de meia-idade. Como acontece tantas vezes com as personagens de Rohmer, a vida é vivida mais como uma ideia do que como uma série de atos, pois estas personagens são uma subtil mistura da realidade e fantasias literárias. Num dos seus melhores papéis, Jean­Claude Brialy é um diplomata em férias, que seduz uma jovem, num “ato de vontade pura”, mas tem uma reação inesperada, no último momento.

07/03/2016, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore
Le Beau Mariage
O Bom Casamento
de Eric Rohmer
com Béatrice Romand, Arielle Dombasle, André Dussolier, Féodor Atkine
França, 1982 - 97 min
legendado em português

O segundo filme da série das “Comédias e Provérbios” é posto sob o signo de um “provérbio” de La Fontaine: ”Quem não procura o que quer, quem não faz castelos em Espanha?” Quem faz castelos em Espanha neste filme é uma jovem provinciana, farta de ligações temporárias e que decide casar-se, embora sem saber ainda com quem. Um elaborado plano para um “bom casamento”, com um rapaz de uma classe social mais alta, acaba por fracassar. Neste filme, as personagens de Rohmer elevam as suas contradições à categoria de sistema, o que é uma das tónicas das “Comédias e Provérbios”, cujas personagens são mais frágeis do que as dos “Contos Morais”.

08/03/2016, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Eric Rohmer, o Celuloide e o Mármore
Die Marquise von O
A Marquesa d’O
de Eric Rohmer
com Edith Clever, Bruno Ganz, Peter Lühr
França, Alemanha, 1976 - 99 min
legendado em português | M/12

DIE MARQUISE VON O, o único filme numa língua estrangeira feito por Rohmer, adapta a novela homónima de Kleist, autor emblemático do romantismo alemão. A história situa-se na passagem do século XVIII para o XIX, numa “Itália inteiramente fictícia” (Rohmer), que nos conta a singular gravidez da personagem do título, alegadamente sem qualquer contacto sexual. Extraordinária presença da grande Edith Clever no papel titular, neste filme em que Rohmer faz uma incursão fora do seu universo cinematográfico habitual, mas não do seu universo cultural, pois conhecia profundamente a literatura alemã de inícios do século XIX.