CICLO
Double Bill


Nova rubrica regular de programação para 2015, “Double Bill” é o espaço dos sábados à tarde, a partir das 15h30, na Cinemateca, para uma sessão e dois filmes concebida com uma lógica única (e de bilhete único). Como se escreveu em janeiro, a “tradição” vem dos anos trinta americanos da Grande Depressão e foi uma prática até mais ou menos aos sessenta. O exercício, aqui e agora, é o de trazer para dentro deste “modelo”, a lógica última da programação de cinema, estabelecer pontes entre filmes, pô-los em diálogo, propor rimas, uma montagem, mais ou menos declarados. É “tentá-los” entre KISS ME, STUPID de Wilder e NOTRE MUSIQUE de Godard; SHE WORE A YELLOW RIBBON de Ford e WE OWN THE NIGHT de James Gray; KAPURUSH / O COBARDE de Satyajit Ray e IL GRIDO de Antonioni; “O RETRATO DA SENHORA YUKI” de Mizoguchi e O HOMEM SEM PASSADO de Kaurismaki. São as propostas de fevereiro.

 
07/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

KISS ME, STUPID | NOTRE MUSIQUE
duração total da projeção: 204 min | M/16
 
14/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

SHE WORE A YELLOW RIBBON | WE OWN THE NIGHT
duração total da projeção: 220 min | M/16
21/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

IL GRIDO | KAPURUSH
duração total da projeção: 184 min | M/12
28/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

YUKI FUJIN EZU | MIES VAILLA MENNEISYYTTÄ
duração total da projeção: 185 min | M/12
07/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
KISS ME, STUPID | NOTRE MUSIQUE
duração total da projeção: 204 min | M/16
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

KISS ME, STUPID
Beija-me, Idiota
de Billy Wilder
com Dean Martin, Kim Novak, Ray Walston, Felicia Farr
Estados Unidos, 1964 – 124 min / legendado em espanhol
NOTRE MUSIQUE
A Nossa Música
de Jean-Luc Godard
com Jean-Luc Godard, Sarah Adler, Rony Kramer
França, Suíça, 2004 – 80 min / legendado em português

Obra da penúltima fase da carreira de Billy Wilder, a menos respeitada, a que veio depois de SOME LIKE IT HOT, quando na Europa os tempos eram já de Novas Vagas e Hollywood se abeirava de uma mudança. É uma comédia e um filme desesperado, desenganado. Vienense, judeu que andou por Berlim onde, disse ele, I was a gigolo, Billy Wilder é homem que filma a América sem ilusões. Nem lirismo. O que viu da humanidade (STALAG 17) chega-lhe para nunca mais acreditar em ninguém. Em KISS ME, STUPID o tom é (aparentemente) ligeiro, a irrisão imensa, assim como a capacidade do sentido de humor. Evocação de Sarajevo, onde a cidade se “abre” para uma conotação simbólica humanista. Dividido em três partes (“Inferno”, “Purgatório” e “Paraíso”), NOTRE MUSIQUE é uma reflexão, vibrante e desencantada, sobre “os nossos tempos”, e sobre os conflitos que os rasgam (aos “nossos tempos”). Em fundo, o cinema: “alguma vez foi picado por uma abelha morta?”, pergunta que já vinha dos tempos de NOUVELLE VAGUE (1990) e repete a de Walter Brennan, em 1944, em TO HAVE AND HAVE NOT, de Hawks. Não é pergunta que se faça em KISS ME, STUPID, o filme que tem Dean Martin no seu próprio papel aceitando brincar descaradamente com a sua imagem pública, de playboy e cantor de sucesso mas ultrapassado pelos anos que eram já os do rock e dos Beatles. Aproximáveis na ferocidade, mas também pelo trabalho com a elipse (por diferente que seja num e noutro). KISS ME, STUPID progride ao som de canções. Em NOTRE MUSIQUE há apenas uma, de caserna, no segmento do “paraíso”, delimitado por arame farpado sob a vigilância militar americana. É também o filme em que Godard discorre, em Sarajevo – no “purgatório” – sobre o campo e o contracampo, enuncia o princípio do cinema como o de “ir ao encontro da luz e dirigi-la para a nossa noite. A nossa música.” E onde, em contraluz e em contracampo responde com silêncio à pergunta “Sr. Godard, acha que as novas pequenas câmaras digitais poderão salvar o cinema?”
 

14/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
SHE WORE A YELLOW RIBBON | WE OWN THE NIGHT
duração total da projeção: 220 min | M/16
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

SHE WORE A YELLOW RIBBON
Os Dominadores
de John Ford
com John Wayne, Joanne Dru, John Agar, Victor McLaglen, Ben Johnson, Harry Carey Jr.
Estados Unidos, 1949 – 103 min / legendado eletronicamente em português
WE OWN THE NIGHT
Nós Controlamos a Noite
de James Gray
com Joaquim Phoenix, Eva Mendes, Mark Wahlberg, Robert Duvall
Estados Unidos, 2007 – 117 min / legendado em português

Western de Monument Valley e cores fulgurantes, SHE WORE A YELLOW RIBBON é o segundo título da “trilogia da cavalaria” de Ford, que começa onde acaba FORT APACHE, ou seja, com a derrota do General Custer. Como sobre a solitária personagem de John Wayne, paira sobre o filme o espectro da memória crepuscular. “Lest we forget” é a inscrição no relógio que a companhia oferece a Wayne no momento da despedida mas antes de ele se envolver numa última missão. É também um dos esplendorosos exemplos da composição ritual de Ford. Na segunda parte da sessão, passamos a Brooklyn, 1988: WE OWN THE NIGHT é o filme de uma saga familiar, um filme de dois irmãos, um do lado da máfia russa, outro polícia, como o pai de ambos. A história parte daqui, trata de crimes e de família como os restantes filmes de James Gray e, como eles, destaca-se pelo tratamento da cor ou a atenção ao detalhe. É o terceiro de cinco (THE IMMIGRANT é de 2013). “Jean-Pierre Melville dizia que é preciso mais coragem para fazer um filme clássico do que um filme moderno. Contar uma história elegante com uma mensagem complexa é qualquer coisa de brutal. Não é o que está na moda” (James Gray).
 

21/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
IL GRIDO | KAPURUSH
duração total da projeção: 184 min | M/12
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

IL GRIDO
O Grito
de Michelangelo Antonioni
com Alida Valli, Steve Cochran, Betsy Blair
Itália, 1957 – 110 min / legendado eletronicamente em português
KAPURUSH
O Cobarde
de Satyajit Ray
com Soumitra Chatterjee, Madhabi Mukherjee, Haradhan Bannerjee
Índia, 1964 – 74 min / legendado em português

A paisagem como reveladora dos sentimentos, no cinema de Antonioni. O que se adivinhava já em CRONACA DI UN AMORE tem aqui o seu momento de transição para a famosa trilogia da alienação aberta com L’AVVENTURA. A paisagem reflete o estado de alma de Aldo, numa travessia de separação e experiência de falta de sentido para a vida. Ou segundo Antonioni: “[um filme que pretende] olhar para dentro do homem a quem roubaram a bicicleta e ver quais são os seus pensamentos, como se adequam, quanto ficou dentro dele de todas as experiências passadas, da guerra, do pós-guerra […], que coisas podem suceder a um homem que é abandonado pela sua mulher”. KAPURUSH (distribuído à época como um diptíco KAPURUSH O MAHAPARUSH / O COBARDE E O SANTO) retoma os atores de CHARULATA, com o qual mantém afinidades. De uma elegância extrema, pontuada por flashbacks (uma rutura, momentos de encontro), a história (argumento baseado numa obra do poeta Premendra Mitra) é simples, a do reencontro casual de dois antigos amantes. De uma pungência extrema, O COBARDE tem um muito cruel desfecho. Tão silencioso como estridente é o grito final de Alida Valli no filme de Antonioni. KAPURUSH foi exibido uma única vez na Cinemateca, em 1998 (com O MAHAPARUSH). IL GRIDO é apresentado em segunda passagem este mês, depois da sua exibição nas “Histórias do Cinema: Adriano Aprà / Michelangelo Antonioni”, a 9, às 18h (ver entrada respetiva).
 

28/02/2015, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
YUKI FUJIN EZU | MIES VAILLA MENNEISYYTTÄ
duração total da projeção: 185 min | M/12
entre a projeção dos dois filmes há um intervalo de 30 minutos

YUKI FUJIN EZU
“O Retrato da Senhora Yuki”
de Kenji Mizoguchi
com Michiyo Kogure, Yoshiko Kuga, Ken Uehara
Japão, 1950 – 88 min / legendado eletronicamente em português
MIES VAILLA MENNEISYYTTÄ
O Homem Sem Passado
de Aki Kaurismaki
com Markku Peltola, Kati Outinen, Juhani Niemelä, Kaija Pakarinen
Finlândia, 2002 – 97 min / legendado em português

“O RETRATO DA SENHORA YUKI” suscitou inúmeras discussões à data da sua estreia, dada a forma explícita como Mizoguchi trata a questão do desejo feminino. A Senhora Yuki é uma mulher dividida entre dois homens, o marido (que ela odeia) e o amante – e, como ela diz, o seu corpo “não quer saber de razões”. O tema da força do desejo sexual “que se impõe a tudo e tudo arrasa”, recorrente no Mizoguchi deste período, é o tema central de um filme, que ainda teve problemas com a censura devido à figuração da nudez feminina. O suicídio da protagonista é um dos momentos mais belos da obra de Mizoguchi. O HOMEM SEM PASSADO é a segunda parte da trilogia finlandesa de Aki Kaurismaki. Uma comédia dramática, que conta a história de um homem que chega a Helsínquia e perde a memória na sequência de uma bárbara agressão e é “salvo” pelo encontro com uma mulher do Exército de Salvação. Muito silencioso, muito colorido, o filme de Kaurismaki presta uma discreta homenagem a Ozu. Mas é com o extraordinário filme de Mizoguchi, a preto e branco, no feminino, que o propomos. "O RETRATO DA SENHORA YUKI" é apresentado em cópia digital.