CICLO
In Memoriam William Hurt


William Hurt (1950-2022) é um dos principais rostos – e corpos – do cinema americano dos idos anos 80. Apesar de as suas personagens se verem algumas vezes envolvidas em situações-limite, que as colocam em risco de vida, não guardamos de Hurt a memória de um rosto muito inquieto ou, ainda menos, de uma presença ameaçad(or)a. Começou por estudar Teologia na Universidade Tufts, mas decide-se pela interpretação ao ingressar na Juilliard School, aperfeiçoando a sua arte em peças de Shakespeare e O’Neill. Hurt ganhou o estatuto de ator sério, assimilando o drama por detrás de uma presença sóbria, elegante e segura/protetora. Há, aliás, um filme onde se explora esta caraterística que lhe era inata, constituindo parte do seu inquestionável charme, charme esse que ele não se limitou a vestir e que, pelo contrário, sempre procurou “revirar” ou “problematizar” nos papéis que foi escolhendo. Essa obra particularmente desafiante a este nível chama-se BROADCAST NEWS, de James L. Brooks. Nela, é exatamente a “queda da máscara” – que já nesta altura, para nós, espectadores, nos era familiar em Hurt – a produzir o grande twist dramático perto do final. Na realidade, já antes Hurt interpretara uma personagem ambígua numa intriga sobre os caminhos ínvios do jornalismo televisivo, coprotagonizada por Sigourney Weaver, intitulada EYEWITNESS, do britânico Peter Yates.
A sobriedade, seriedade e serenidade – três “esses” que caraterizavam, em sentido lato, a sua presença no grande ecrã – são traços que, em diferentes momentos, se afiguraram capitais para a composição de retratos de fina vulnerabilidade escondendo uma força qualquer ou, ao contrário, emanando uma segurança incapaz de camuflar por completo uma certa fragilidade. A personagem (falsamente?) gentil do homossexual aprisionado em KISS OF THE SPIDER WOMAN, que inventa narrativas fílmicas como Xerazade imaginava histórias para adiar o seu fatal destino, e que lhe valeu o seu único Oscar, já algo esquecido, serviu também para condimentar o traço delicado e feminino com uma há muito trabalhada pulsão trágica (Shakespeare de novo?).
Com Lawrence Kasdan, que o dirigiu em quatro títulos da sua filmografia, dois deles (os mais definidores) contracenando com Kathleen Turner (BODY HEAT e THE ACCIDENTAL TOURIST), percebemos o alcance, e a subtileza, desta escrita dramática a partir da presença de Hurt – uma escrita que, no passado, foi apanágio de um certo cinema popular, onde pontificaram figuras de proa como os cineastas James L. Brooks e Lawrence Kasdan, e que sobrevive, em jeito de post-scriptum, no filme de culto dos anos 90, SMOKE, de Wayne Wang, com argumento da autoria de Paul Auster. No mundo implacável – e em dissolução moral – da Guerra Fria, Hurt interpretou um oficial à procura de justiça e, apesar de toda a tensão e da temperatura gélida, disponível para amar. Com efeito, nem o thriller violento de Michael Apted, GORKY PARK, passado numa Rússia totalmente recriada, “falsa”, esfriou a presença de Hurt, nem, aliás, o drama psicológico (e brutal) de David Cronenberg alterou a temperatura à sua persona: encarnou, em A HISTORY OF VIOLENCE, um dos vilões, apesar de tudo, mais (falsamente?) calorosos que o cinema americano nos deu a conhecer. Um bad guy que, na hora de matar e de morrer, suspira ao invés de vociferar.
 
 
09/05/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo In Memoriam William Hurt

Body Heat
Noites Escaldantes
de Lawrence Kasdan
Estados Unidos, 1981 - 113 min
 
09/05/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo In Memoriam William Hurt

The Accidental Tourist
O Turista Acidental
de Lawrence Kasdan
Estados Unidos, 1988 - 121 min
10/05/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo In Memoriam William Hurt

Broadcast News
Edição Especial
de James L. Brooks
Estados Unidos, 1987 - 133 min
11/05/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo In Memoriam William Hurt

A History of Violence
Uma História de Violência
de David Cronenberg
Estados Unidos, 2005 - 95 min
11/05/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo In Memoriam William Hurt

Kiss of the Spider Woman
O Beijo da Mulher Aranha
de Hector Babenco
Estados Unidos, Brasil, 1985 - 119 min
09/05/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
In Memoriam William Hurt
Body Heat
Noites Escaldantes
de Lawrence Kasdan
com William Hurt, Kathleen Turner, Richard Crenna, Ted Danson, J.A. Preston, Mickey Rourke
Estados Unidos, 1981 - 113 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Em BODY HEAT, Ned (William Hurt), advogado de segunda categoria, envolve-se com Matt Walker (Kathleen Turner, aqui no seu primeiro papel no cinema), mulher de um ricaço da construção civil, convenientemente ausente. Entre escaldantes noites de sexo, Ned e Matty planeiam matar o marido traído e ficar com a fortuna. Kasdan, neste filme-estreia, recupera os tons e atmosferas do género “noir” dos anos quarenta numa narrativa envolvente. A exibir em cópia digital.

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09/05/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
In Memoriam William Hurt
The Accidental Tourist
O Turista Acidental
de Lawrence Kasdan
com William Hurt, Kathleen Turner, Geena Davis
Estados Unidos, 1988 - 121 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Adaptado de um romance de Anne Tyler, THE ACCIDENTAL TOURIST reúne três grandes estrelas, William Hurt, Kathleen Turner e Geena Davis, na história de um homem traumatizado pela morte trágica do filho. Autor de guias turísticos, vai encontrar numa viagem uma mulher que o liberta da crise, com a ajuda de um cão… que tem um papel especial.

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10/05/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
In Memoriam William Hurt
Broadcast News
Edição Especial
de James L. Brooks
com William Hurt, Albert Brooks, Holly Hunter
Estados Unidos, 1987 - 133 min
legendado em português | M/12
Reflexão poderosa sobre a relação entre informação e entretenimento no coração de um canal de notícias, este drama de James L. Brooks, realizado na sequência do multioscarizado TEARMS OF ENDEARMENT, tira máximo partido das interpretações fulgurantes do seu trio de atores: a “nova aquisição”, o jornalista promissor interpretado por William Hurt (um dos seus grandes papéis), e o comediante Albert Brooks, desta feita em modo dramático assaz sóbrio, disputam as boas graças da produtora carismática e confiante encarnada por Holy Hunter. Um momento de revelação impressionante reeditará, à maneira de Lev Kulechov, uma importante lição quanto ao valor da ética jornalística.

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11/05/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
In Memoriam William Hurt
A History of Violence
Uma História de Violência
de David Cronenberg
com Viggo Mortensen, Ed Harris, Maria Bello, William Hurt
Estados Unidos, 2005 - 95 min
legendado eletronicamante em português | M/16
Reflexão sobre o estado de tensão em que vive o mundo contemporâneo (e particularmente a América), a HISTORY OF VIOLENCE conta o que acontece a um homem, encarnado por Viggo Mortensen, e à sua família, incluindo a mulher, interpretada por Maria Bello, depois de um heróico ato de autodefesa fazer recair sobre o bom pai de família quer a atenção dos media quer as de um misterioso gang. Haverá alguma coisa escondida no passado dele, alguma “história de violência”? A resposta à pergunta conduzirá a ação para um stand-off intenso desenrolado entre Mortensen e o cabecilha do dito gang, o seu irmão, interpretado por William Hurt.

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11/05/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
In Memoriam William Hurt
Kiss of the Spider Woman
O Beijo da Mulher Aranha
de Hector Babenco
com William Hurt, Raul Julia, Sónia Braga, José Lewgoy, Milton Gonçalves
Estados Unidos, Brasil, 1985 - 119 min
legendado em português | M/16
Nesta adaptação do romance homónimo de Manuel Puig, Luis Molina (William Hurt, numa interpretação que lhe valeu o único Oscar da carreira e uma distinção no Festival de Cannes) e Valentin Arregui (Raul Julia) são companheiros de cela numa prisão sul-americana. Valentin é um preso político, enquanto Luis é um homossexual, preso por comportamento imoral e ali colocado para espiar o companheiro. Do realizador de PIXOTE – A LEI DO MAIS FRACO, KISS OF THE SPIDER WOMAN tem a mais-valia de um elenco sonante e o facto de a narrativa incluir um “filme no filme” (uma produção da Alemanha nazi durante a Segunda Guerra Mundial).

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