CICLO
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo


Jean-Daniel Pollet (1936-2004) é um dos autores mais originais e livres da sua geração, a mesma de François Truffaut, Claude Chabrol ou Jean-Luc Godard, o grupo da Nouvelle Vague de que fez parte e com o qual assinou um dos segmentos do filme coletivo PARIS VU PAR... (1964). Conhecido maioritariamente pelos seus trabalhos mais ensaísticos, como os assombrosos MÉDITERRANÉE (1963), L’ORDRE (1974) e DIEU SAIT QUOI (1993), a obra de Pollet permanece ainda hoje um segredo por revelar, muito particularmente as primeiras ficções.
Realizou jovem a longa-metragem de estreia, LA LIGNE DE MIRE (1959), a qual, invisível durante muito tempo, foi seguida por mais de duas dezenas de filmes, entre longas, médias e curtas-metragens. Em 2000 Pollet completaria CEUX D’EN FACE, a que se sucederia ainda JOUR APRÈS JOUR (2006), filme póstumo terminado por Jean-Paul Fargier, grande cúmplice, biógrafo e colaborador do cineasta para quem Pollet “foi o inventor do espírito Nouvelle Vague”: o mentor de uma liberdade de filmar sem constrangimentos, que inventava um novo corpo de cinema regido pelas suas próprias leis, recorrendo a usos transgressivos de convenções cristalizadas ao nível dos géneros cinematográficos, da montagem, dos travellings e de outros movimentos de câmara, do uso do plano fixo, ou da relação entre texto e imagem.
Refere-se frequentemente a dupla vertente da obra de Pollet. A via da ficção e do realismo burlesco do conjunto de filmes mais narrativos interpretados por Claude Melki, ator que protagonizará cinco obras e uma mesma personagem (Léon, um jovem tímido e desajeitado sob clara influência de Buster Keaton), que associam a comédia a uma sensibilidade poética inédita. Um cinema que rapidamente bifurca em esplendorosos filmes-ensaio, via inaugurada logo em 1963 com MÉDITERRANÉE (Jean-Luc Godard dirá que Pollet começou onde ele acaba). Marco na sua obra, o cineasta propõe fazer um cinema de planos-signos e “preservar, a todo o custo, a presença livre das coisas”, reinventando o cinema como uma linguagem poética assente na montagem.
Sendo dois caminhos de um cinema que se bifurca, eles seguem lado a lado numa mesma direção numa obra que privilegia a figura da repetição, em que se retomam personagens, atores, excertos de filmes, efeitos de montagem, travellings circulares que não acabam e que reforçam a ideia de fechamento e de reclusão que atravessa todo o cinema de Pollet.
Como refere Pollet em DIEU SAIT QUOI, usando as palavras de Francis Ponge, “somos reféns do mundo mudo”. Estamos condenados à repetição, mas como afirma Philippe Sollers em CONTRETEMPS (1988), há dois tipos de repetição: “A maldição é ser forçado a repetir-se dentro dos limites de um corpo que foi condenado a repetir apenas o mesmo gesto ou o mesmo pensamento muito limitado. O paraíso, por outro lado, é a repetição melódica ou musical da alegria que há em se repetir, no ilimitado.”
Filmar a palavra será uma outra obsessão de Pollet, não tanto filmar diálogos, mas encontrar os seus equivalentes. Tudo participa da mesma luta contra o tempo e a morte, no sentido de preservação de memórias passadas. Para Jean-Luc Godard, que muito elogiou a primeira longa-metragem de Pollet, este é desde cedo aquele cineasta que, diante do “mundo que se agita”, “está à espreita da poesia”, o autor de um cinema que restitui a presença muda dos corpos e dos objetos que filma, permitindo que estes revelem a sua verdade.
Uma obra poética manifestamente heteróclita, em que sobressai um fascínio pelo Mediterrâneo e pela sua cultura e uma profunda ligação com a literatura. Um cinema assente na importância dos corpos e da matéria do mundo, criado por um dos autores mais singulares do cinema francês da segunda metade do século XX, para ver em retrospetiva integral.
 
 
23/03/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo

Contretemps
de Jean-Daniel Pollet
França, 1988 - 110 min
 
24/03/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo

Le Soleil et l’Ombre : Pour Nikos Kazantzaki | L’Arbre et le Soleil
duração total da projeção: 136 min
24/03/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo

Tu Imagines Robinson
de Jean-Daniel Pollet
França, 1967 - 87 min
25/03/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo

L’Acrobate
de Jean-Daniel Pollet
França, 1975 - 101 min
25/03/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo

Au Père Lachaise | Les Morutiers | Pour Mémoire (La Forge)
duração total da projeção: 94 min
23/03/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo
Contretemps
de Jean-Daniel Pollet
com Philippe Sollers, Julia Kristeva, Antoine Duhamel, Claude Melki, Leila Geissler
França, 1988 - 110 min
legendado electronicamente em português | M/12
Em CONTRETEMPS Jean-Daniel Pollet retoma os motivos de MÉDITERRANÉE, realizando um filme-ensaio com quase duas horas de duração em que parte de excertos dos seus trabalhos anteriores, nomeadamente do próprio MÉDITERRANÉE, BASSAE, L’ORDRE, LA FEMME AUX CENT VISAGES, LES MORUTIERS e POUR MÉMOIRE (LA FORGE), a que junta uma reportagem de Jean Baronnet. CONTRETEMPS, na sua marcha contra o tempo, revela como a repetição é uma figura central na obra do realizador. A palavra cabe a Philippe Sollers e a Julia Kristeva que, sobre as imagens, discorrem sobre o trabalho, a luz, o cinema, cabendo-lhes a árdua tarefa de fazer colidir os planos uns contra os outros e responder poeticamente à questão de “como passar de um plano a outro?” (Pollet). A apresentar em cópia digital. Primeira exibição na Cinemateca.

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24/03/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo
Le Soleil et l’Ombre : Pour Nikos Kazantzaki | L’Arbre et le Soleil
duração total da projeção: 136 min
legendados eletronicamente em português | M/12
LE SOLEIL ET L’OMBRE : POUR NIKOS KAZANTZAKI
França, 1967 – 60 min

L’ARBRE ET LE SOLEIL
França, 1990 – 76 min
de Jean-Daniel Pollet

Uma sessão que revela as afinidades entre Pollet e dois escritores cuja obra muito amou. LE SOLEIL ET L’OMBRE é uma incursão televisiva de Jean-Daniel Pollet dedicada ao escritor grego Nikos Kazantzakis. O filme compreende uma entrevista radiofónica com o escritor, assim como excertos de Ascèse : Salvatores Dei lidos por Maurice Ronet. L’ARBRE ET LE SOLEIL, MAS-FÉLIPE DELAVOUËT ET SON PAYS parte dos 14 000 versos escritos pelo poeta provençal, que são pretexto para que Pollet reencontre os seus lugares essenciais – a montanha, os rios, o deserto, o mar, as nuvens, a pedra. “A criação não existe. Está à minha frente. Apenas posso ler a criação”. Conceção que une os dois artistas, cujo trabalho se articula em torno da evidência do mundo e de uma mesma oposição “evasão/encarceramento”. A apresentar em cópias digitais. Primeiras exibições na Cinemateca.

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24/03/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo
Tu Imagines Robinson
de Jean-Daniel Pollet
com Tobias Engel, Remo Forlani
França, 1967 - 87 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Livremente inspirado no clássico de Daniel Defoe, em que Robinson Crusoé é deixado sozinho à sua sorte, TU IMAGINES ROBINSON radica na releitura do mito e no registo de uma aventura depurada ao máximo, assente na documentação dos pequenos gestos do seu quotidiano com vista à abstração. Um homem literalmente isolado e cercado por seres que resultam da sua imaginação (a proximidade com LE HORLA) é o ponto de partida para a exploração de questões caras a Pollet, como o regresso às origens, a ideia de uma ilha, a solidão. Mas como tanto cinema moderno, TU IMAGINES ROBINSON versa em última instância sobre o próprio cinema. A apresentar em cópia digital.

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25/03/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo
L’Acrobate
de Jean-Daniel Pollet
com Claude Melki, Laurence Bru, Guy Marchand
França, 1975 - 101 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Quinto e último filme do par Jean-Daniel Pollet/Claude Melki em que este último descobre o tango, aprendendo os primeiros passos com uma prostituta por quem se apaixona. Melki é invariavelmente Léon personagem-tipo que rima com a recorrência dos grandes mestres do burlesco. Por detrás da sua personagem insondável esconde-se a ternura, o humor e o talento de um realizador para quem, os mais pequenos gestos ganham uma dimensão inaudita. Como escreveu Stéphane Bouquet, ”L’ACROBATE conta a história desse homem desajeitado que, com a ajuda de Fumée, aprenderá mover-se de forma diferente: corpo fluido, gestos fluidos, espaço dominado – e, finalmente, fará amor. A felicidade é, portanto, com Pollet, a saída da solidão, a chegada do dois, do casal.” Primeira exibição na Cinemateca. A apresentar em cópia digital.

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25/03/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Jean-Daniel Pollet, A Matéria do Mundo
Au Père Lachaise | Les Morutiers | Pour Mémoire (La Forge)
duração total da projeção: 94 min
legendados eletronicamente em português | M/12
AU PÈRE LACHAISE
de Jean-Daniel Pollet, Pierre-Marie Goulet
França, 1986 – 13 min

LES MORUTIERS
França, 1966 – 21 min
de Jean-Daniel Pollet, Étienne Lalou

POUR MÉMOIRE (LA FORGE)
de Jean-Daniel Pollet, Maurice Born
com Lucien Doyen, René Duchamp, Roland Rousseau, Émile Villette
França, 1978 – 60 min

Co-assinado por Jean-Daniel Pollet e Pierre-Marie Goulet, AU PÈRE LACHAISE é uma encomenda do Musée d’Orsay que coincide com uma deambulação ao interior do cemitério parisiense, prestando uma homenagem aos mortos anónimos. LES MORUTIERS, poema sobre o isolamento, foi encomendado pelo Sindicato dos Pescadores de Bacalhau numa altura em que Pollet tinha pouco trabalho. Dando a palavra aos próprios marinheiros, Pollet regista a vida a bordo de um pequeno barco de pesca perto do Ártico, frustrando (naturalmente) as expectativas dos promotores do filme. POUR MÉMOIRE (LA FORGE) foi realizado como testemunho, tal como o seu nome indica, das técnicas e dos gestos de produção numa antiga forja nos seus últimos dias de atividade. Uma evocação poética do domínio do fogo pelos homens em que se evidencia mais uma vez a predileção do cineasta pelos espaços fechados. LES MORUTIERS e AU PÈRE LACHAISE são primeiras exibições na Cinemateca, a apresentar em cópias digitais.

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