CICLO
Double Bill


As tardes de sábado na Cinemateca são “Double Bill”, com dois filmes apresentados numa única sessão, bilhete único e um intervalo de 30 minutos entre si. Criada em 2015, esta rubrica regular retomava uma “tradição” vinda dos anos trinta americanos da Grande Depressão, trazendo para dentro deste “modelo” a lógica última da programação de cinema: estabelecer pontes entre filmes, pô-los em diálogo, propor rimas e uma montagem mais ou menos declaradas. Os quatro “double bills” de fevereiro versam sobre ameaças invisíveis ou elusivas. Os protagonistas – que podemos ser nós, espectadores à mercê do cinema ou de outras “máquinas de guerra” – são como “alvos em movimento” (moving targets), não sabendo ao certo de onde vem – e em que consiste – a ameaça. Pode esta vir de um corpo invisível ou transparente, numa reinterpretação moderna do clássico de James Whale. Vejam-se, neste particular, os filmes de Paul Verhoeven (HOLLOW MAN) e o recentíssimo título de Leigh Whannell (THE INVISIBLE MAN), casos em que a invisibilidade do “cientista louco” semeia o terror, principalmente na vida de duas mulheres, as duas Elisabeths deste “Double Bill”: Shue e Moss, respetivamente. Pode a ameaça ser alimentada, dia-a-dia, por “alguém que espreita”, por exemplo, um chasseur d’images,  Antonio Banderas, visando a femme fatale que “vive duas vezes” na obra-prima de Brian De Palma, FEMME FATALE, ou um assediador de uma realizadora de televisão no telefilme magistral de John Carpenter, SOMEONE’S WATCHING ME!. A ameaça pode vir de um destes “civis”, mas também pode ser objeto de estudo e formação por parte de um corpo militar altamente profissional, tão burocrático e maquinal quanto sujeito ao disparate humano, casos das guerras virtuais/videojogáveis de FAIL SAFE e WARGAMES. Mas também pode ser espoletada pela tradicional bomba, a atómica, capaz de destruir várias vezes o planeta. É só uma questão de haver alguém que “carregue no botão”. Mostra-nos como se faz isso o documentarista americano Frederick Wiseman em MISSILE, nas salas de preparação para a guerra à distância, ou ainda o alemão Harun Farocki, numa reflexão que engloba tudo isto (BILDER DER WELT...), fazendo da história da imagem técnica ponto de partida para entendermos melhor o porquê de a guerra se ter tornado puramente percetiva. Ela está por toda a parte (o warfare quotidianizou-se), é uma questão de sabermos reconhecê-la, iluminá-la, interpretá-la – aonde? Na política, nos ecrãs, nos nossos bairros. Nos espelhos das nossas casas.
 
 
05/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Hollow Man | The Invisible Man
duração total da projeção: 236 minutos | M/16
 
12/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Someone’s Watching Me! | Femme Fatale
duração total da projeção: 207 minutos | M/12
19/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Fail Safe | Wargames
duração total da projeção: 225 minutos | M/12
26/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Missile | Bilder der Welt und Inschrift des Krieges
duração total da projeção: 198 minutos | M/12
05/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Hollow Man | The Invisible Man
duração total da projeção: 236 minutos | M/16
entre os dois filmes há um intervalo de 30 minutos
HOLLOW MAN
O Homem Transparente
de Paul Verhoeven
com Kevin Bacon, Elisabeth Shue, Josh Brolin, Kim Dickens
Estados Unidos, Alemanha, 2000 – 112 min / legendado em português

THE INVISIBLE MAN
O Homem Invisível
de Leigh Whannell
com Elisabeth Moss, Oliver Jackson-Cohen, Harriet Dyer
Austrália, Estados Unidos, 2020 – 124 min / legendado em português

Kevin Bacon é “o homem transparente”, um cientista que, após várias experiências com mamíferos conduzidos à invisibilidade, resolve oferecer-se como primeira cobaia humana. Impossibilitado de voltar ao seu estado físico original e condenado a um futuro sem carne, Bacon torna-se então uma ameaça para a equipa que o acompanha. O principal alvo da sua monomania é a colega cientista, sua ex-namorada, interpretada por Elisabeth Shue. Em THE INVISIBLE MAN, Leigh Whannell propõe, nomeadamente depois de Verhoeven, um olhar renovado sobre o clássico homónimo de James Whale com Claude Rains. O protagonista é uma mulher, interpretada por Elisabeth Moss, que é alvo de abusos por parte do seu companheiro, um engenheiro ótico tão brilhante quanto malévolo. Ao saber da notícia do suicídio deste, a personagem de Moss respira de alívio, mas cedo a presença abusiva voltará a fazer-se sentir na sua vida. Segundo Fernando Guerreiro, no livro A Cadeira (do) Fantasma, o filme de Whannell é “menos sobre a ‘invisibilidade’ (embora também o seja) do que sobre o carácter ‘articulado’ (construído) do ‘espaço’ e o modo como, em diferentes cenários arquitetónicos, os corpos se colocam no plano, redefinindo e reconfigurando a sua (in)visibilidade”. THE INVISIBLE MAN tem a sua primeira apresentação na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de HOLLOW MAN aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de THE INVISIBLE MAN aqui
 
12/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Someone’s Watching Me! | Femme Fatale
duração total da projeção: 207 minutos | M/12
Entre os dois filmes há um intervalo de 30 minutos
SOMEONE’S WATCHING ME!
Alguém Anda a Espiar-me
de John Carpenter
com Lauren Hutton, David Birney, Adrienne Barbeau
Estados Unidos, 1978 – 97 min / legendado eletronicamente em português

FEMME FATALE
Mulher Fatal
de Brian De Palma
com Rebecca Romijn-Stamos, Antonio Banderas, Peter Coyote, Eriq Ebouaney
França, Suíça, 2002 – 110 min / legendado em português

Primeira colaboração de John Carpenter com a televisão, SOMEONE’S WATCHING ME! é um excitante thriller de características hitchcockianas. Uma mulher, com a profissão de realizadora de televisão, é espiada por alguém, um “homem invisível” que espreita a partir da janela de um edifício fronteiro. Ele assedia-a e ameaça-a pelo telefone. Com a polícia incapaz de resolver o problema, ela vai ter de enfrentar, sozinha, o psicopata. Trata-se quase de um “gato-rato” entre quem vê e quem é visto, situação incómoda, tão ameaçadora quanto aviltante, para uma mulher, para uma realizadora... Um dos melhores filmes de Brian De Palma, FEMME FATALE é uma obra labiríntica onde o passado, o presente e o futuro se cruzam, numa alucinante montagem, seguindo uma misteriosa mulher implicada num audacioso roubo de joias que tem lugar durante o Festival de Cannes. A contracenar está Antonio Banderas, um fotógrafo indiscreto que irá desencadear uma série de acontecimentos na vida dessa “mulher que viveu duas vezes”.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de SOMEONE’S WATCHING ME! aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de FEMME FATALE aqui
 
19/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Fail Safe | Wargames
duração total da projeção: 225 minutos | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 30 minutos
FAIL SAFE
Missão Suicida
de Sidney Lumet
com Henry Fonda, Walter Matthau, Fritz Weaver
Estados Unidos, 1964 – 112 min / legendado eletronicamente em português

WARGAMES
Jogos de Guerra
de John Badham
com Matthew Broderick, Dabney Coleman, John Wood, Ally Sheedy
Estados Unidos, 1983 – 113 min / legendado eletronicamente em português

Praticamente contemporâneo de DR. STRANGELOVE, FAIL SAFE é quase a versão “séria” do filme de Kubrick. Em plena Guerra Fria, um erro de comunicações lança um esquadrão da Força Aérea americana em direção a Moscovo com um carregamento de bombas nucleares. Há um problema: os comandantes dos aviões estão instruídos para ignorar quaisquer contra-ordens. Henry Fonda interpreta o Presidente americano que tem que lidar com esta crise. Um filme notável, um dos melhores de Sidney Lumet, e um retrato asfixiante da ameaça da aniquilação nuclear. Já depois de SATURDAY NIGHT FEVER (1977), John Badham deu que falar em WARGAMES juntando a ficção científica e a Guerra Fria para tratar do efeito do mundo eletrónico na vida e nos comportamentos humanos, na esfera criminal. De 1983, o filme faz eco de referências cinematográficas visuais e narrativas – a mais transparente é DR. STRANGELOVE – e antecipa o futuro de que tantos filmes “sci-fi” se ocuparam na segunda metade do século XX. Mas aborda um assunto “em que ninguém acreditava na época, tirando os miúdos. O estúdio encarou-o como um filme de miúdos, agora é o contrário”, afirmou Badham em 2008.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de FAIL SAFE aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de WARGAMES aqui
26/02/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Missile | Bilder der Welt und Inschrift des Krieges
duração total da projeção: 198 minutos | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 30 minutos
MISSILE
de Frederick Wiseman
Estados Unidos, 1988 – 114 min / legendado eletronicamente em português

BILDER DER WELT UND INSCHRIFT DES KRIEGES
“Imagens do Mundo e Epitáfios da Guerra”
de Harun Farocki
Alemanha, 1989 – 74 min / legendado em português

Depois de filmar a preparação de “foot soldiers” para a guerra no Vietname em BASIC TRAINING, Wiseman muda de cenário e de tipo de guerra. Entre aulas tutoriais, em ambiente alcatifado, sobre ética e procedimentos de emergência, assistimos à preparação daqueles a quem se destinará a eventual tarefa de terem de “carregar no botão” e rebentar com o planeta “back to the dark ages”. Wiseman “atira-nos” para os corredores onde a guerra é antecipada, calculada e, dentro dos possíveis, evitada. “O treino é a pedra de toque da paz”, diz-se. A guerra burocrática é escalpelizada pela câmara observacional (“mosca-na-parede”) de Wiseman, ao passo que, no filme-ensaio de Harun Farocki, a guerra é interpretada como regime percetivo em que se procura ver sem ser visto. Farocki percorre a história da arte, em particular da imagem técnica – do iluminismo à moderna tecnologia de guerra que recorre à imagem como instrumento de controlo ou policiamento do território –, e leva a cabo uma inquirição crítica sobre formas de barbárie que carecem, na imagem, de um olho que as saiba interpretar ou desocultar (exemplo das fotografias aéreas tiradas inadvertidamente ao campo de concentração de Auschwitz). “Esta progressão para a descoberta”, escreveu Manuel Cintra Ferreira aquando da passagem do filme em 1990 na Cinemateca, “transforma BILDER DER WELT... numa verdadeira obra policial, num exercício fascinante a que não falta o suspense”.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de MISSILE aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de BILDER DER WELT UND INSCHRIFT DES KRIEGES aqui