CICLO
Double Bill


As duplas das matinés dos sábados de dezembro convocam filmes em diálogos improváveis. No geral, todos tratam de relações humanas, de homens e mulheres que se entendem e desentendem como nos filmes de Hong Sang-soo, programados na retrospetiva que encerra 2019 e inicia 2020 em sul-coreano na Cinemateca. No “double bill” que junta DU CÔTÉ DE ROBINSON e A LETTER TO THREE WIVES, a rima faz-se, transversal, pela ressonância em Hong Sang-soo de Jean Eustache (autor do importante díptico interno de UNE SALE HISTOIRE, para referir uma figura cara a Hong), e do clássico de Mankiewicz num dos seus filmes (HAHAHA). As romãs filmadas nos anos 1970 por César Monteiro a pretexto de um conto tradicional português abrem a sessão do filme da década de 1930 em que Pagnol filma uma história de pão na Provença francesa: O AMOR DAS TRÊS ROMÃS e LA FEMME DU BOULANGER. A americana Dorothy Arzner e o francês Henri Decoin encontram-se numa sessão com dois filmes de títulos vindos das falas de personagens, que não são especialmente conhecidos: MERRILY WE GO TO HELL e LES AMOUREUX SONT SEULS AUX MONDE. Perto da passagem de ano, o mais recente Clint Eastwood realizador-ator, THE MULE, chama pela comédia de Preston Sturges em que há uma caravana estrada fora (como num célebre Clint dos anos 1990, A PERFECT WORLD): SULLIVAN’S TRAVELS.
 
 
07/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

O Amor das Três Romãs | La Femme du Boulanger
duração total da projeção: 158 min | M/12
 
14/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Du Côté de Robinson | A Letter to Three Wives
duração total da projeção: 138 min | M/12
21/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Merrily We Go to Hell | Les Amoureux Sont Seuls aux Monde
duração total da projeção: 178 min | M/12
28/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

The Mule | Sullivan’s Travels
duração total da projeção: 205 min | M/14
07/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
O Amor das Três Romãs | La Femme du Boulanger
duração total da projeção: 158 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 10 minutos
O AMOR DAS TRÊS ROMÃS
de João César Monteiro
com Margarida Gil, Sílvia Ferreira, Pedro Hestnes (Pedro José Ferreira), Joana Oliveira, Helena Domingas, Marta Costa, Maria Bénard da Costa, Mónica Noronha
Portugal, 1979 – 25 min
LA FEMME DU BOULANGER
A Mulher do Padeiro
de Marcel Pagnol
com Raimu, Ginette Leclerc, Fernand Charpin, Robert Vattier, Alida Rouffe
França, 1938 – 133 min / legendado em português

Um dos três pequenos filmes realizados na década de 1970 por João César Monteiro para a série televisiva “Contos Tradicionais Portugueses”, em que alinham OS DOIS SOLDADOS e A MÃE, O AMOR DAS TRÊS ROMÃS é inteiramente rodado em estúdio, com cenários pintados, atores não profissionais, uma assinalável liberdade. Ao não naturalismo encantado do AMOR DAS TRÊS ROMÃS segue-se um extraordinário Pagnol de finais dos anos 1930, extraordinariamente interpretado por Raimu e Ginette Leclerc, protagonistas de um elenco de profissionais e amadores. Adaptando um episódio de Jean le Bleu, de Jean Giono, LA FEMME DU BOULANGER passa-se numa aldeia da região da Provença francesa: um padeiro descobre que a sua jovem mulher partiu, possivelmente trocando-o por outro homem, e decide fazer “greve de pão”, o que leva os aldeões a mobilizarem-se para encontrarem a rapariga. Da improbabilidade à reunião do casal, o filme compõe o poderoso retrato de uma comunidade, em que a mise-en-scène e os diálogos são apenas dois dos elementos fulgurantes. Foi um filme entusiasticamente defendido por Orson Welles, que apelidou Raimu “o melhor ator do mundo”. Estreado no circuito da distribuição portuguesa 80 anos depois do seu ano de produção, LA FEMME DU BOULANGER não passa na Cinemateca desde 1995. Os filmes são respetivamente apresentados em cópias vídeo e digital.
 
14/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Du Côté de Robinson | A Letter to Three Wives
duração total da projeção: 138 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
DU CÔTÉ DE ROBINSON
de Jean Eustache
com Aristide, Daniel Bart, Dominique Jayr, Jean Eustache
França, 1963-1966 – 35 min / legendado em português
A LETTER TO THREE WIVES
Carta a Três Mulheres
de Joseph L. Mankiewicz
com Linda Darnell, Kirk Douglas, Jeanne Crain, Ann Sothern, Paul Douglas, Celeste Holm
Estados Unidos, 1949 – 103 min / legendado em português | M/12

A primeira curta-metragem de Jean Eustache, filmada em 16 mm, câmara à mão, som direto, tem a frescura de um primeiro filme e do ambiente Nouvelle Vague, numa espécie de simulacro da vida com o seu realismo espontâneo – dois jovens de 20 anos abordam uma rapariga com quem acabam a dançar em Montmartre, no Robinson. “Nas minhas primeiras curtas-metragens tinha ditado os planos e se não os escrevi no papel escrevi-os na minha cabeça.” DU CÔTÉ DE ROBINSON foi reunida em díptico com LE PÈRE NOËL A LES YEUX BLEUS para estreia em sala com o título LES MAUVAISES FRÉQUENTATIONS (título de trabalho de DU CÔTÉ DE ROBINSON), embora se tratem de dois filmes distintos que podem continuar a ser vistos em separado. Sibilino e irresistível, A LETTER TO THREE WIVES é um dos filmes mais mordazes de Mankiewicz. Três mulheres numa cidade americana recebem, cada uma delas, uma carta de uma amiga íntima contando a sua aventura com um dos maridos delas. Em flashback, cada uma evoca a vida de casada para tentar saber quem foi o “fugitivo”. Um filme inesgotável, escreveu João Bénard da Costa, num texto em que se centra no “que postula o cinema – imagens e sons – como a fonte da mais radical perplexidade. O que postula o cinema como visão total confiada à presença – ausência de quem, porque é cinema, sabe que pode abarcar tudo de dentro e de fora e ver mais e dizer mais do que em qualquer outra arte.”
 
21/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Merrily We Go to Hell | Les Amoureux Sont Seuls aux Monde
duração total da projeção: 178 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
MERRILY WE GO TO HELL
Quando a Mulher se Opõe
de Dorothy Arzner
com Sylvia Sidney, Fredric March, Adrianne Allen, Richard “Skeets” Gallagher, Cary Grant
Estados Unidos, 1932 – 78 min / legendado eletronicamente em português
LES AMOUREUX SONT SEULS AUX MONDE
de Henri Decoin
com Louis Jouvet, Dany Robin, Renée Devillers, Geneviève Morel, Hélène Dartigue, Brigitte Aube
França, 1948 – 100 min / legendado eletronicamente em português

Um filme da década de 1930 pré-código Hays realizado no feminino por Dorothy Arzner (1897-1979), cujo título vem de uma fala de Fredric March e deu brado pela incorreção política, extensível às linhas do argumento em que há casamento, adultério, alcoolismo, abuso, gravidez: em MERRILY WE GO TO HELL Sylvia Sidney é uma jovem rica que se casa com um jornalista e dramaturgo alcoólico, a quem a dada altura propõe que mantenham “um casamento moderno” em que a infidelidade dele tenha o reverso da dela. Então quase desconhecido, Cary Grant surge no papel da conquista mais sedutora de Sidney. Foi a última realização na Paramount de Arzner, prolífera – e única – realizadora de Hollywood entre os anos 1920 e 40: 20 filmes entre 1927 e 1943 e um “desempenho” resumido por Katharine Hepburn num telegrama que lhe dirigiu em 1975 – "Isn't it wonderful that you've had such a great career, when you had no right to have a career at all?" Recentemente, nas suas “viagens pelo cinema francês”, Bertrand Tavernier fez reverberar uma frase de LES AMOUREUX SONT SEULS AUX MONDE do prolífero Henri Decoin (1890-1969): “Imagine que está no cinema.” A fala é de Louis Jouvet, que protagoniza o filme mal-amado na sua época e agora disponível para a reavaliação proposta por Tavernier. Da comédia sofisticada à tragédia, o filme conta uma história de amor e enganos em que os mal-entendidos ocupam um lugar favorecido pela imprensa cor de rosa. Jouvet interpreta o papel de um compositor célebre, casado com Sylvia (Renée Devillers), que conhece uma jovem talentosa pianista (Dany Robin). Primeiras exibições na Cinemateca em cópias digitais.
 
28/12/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
The Mule | Sullivan’s Travels
duração total da projeção: 205 min | M/14
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
THE MULE
Correio de Droga
de Clint Eastwood
com Clint Eastwood, Bradley Cooper, Dianne Wiest, Alison Eastwood, Michael Peña, Laurence Fishburne, Andy Garcia
Estados Unidos, 2018 – 116 min / legendado em português
SULLIVAN’S TRAVELS
A Quimera do Riso
de Preston Sturges
com Joel McCrea, Veronica Lake, Robert Warwick, William Demarest, Margaret Hayes, Porter Hall, Eric Blore
Estados Unidos, 1941 – 89 min / legendado em espanhol e eletronicamente em português

THE MULE é o filme que Clint Eastwood volta a protagonizar (TROUBLE WITH THE CURVE, de Robert Lorenz, 2012) e o primeiro dos seus filmes como realizador-ator desde o belíssimo GRAN TORINO (2008). Em grande forma em THE MULE, é Earl Stone, um horticultor veterano de Guerra amante de flores e feitio rezingão que, aos 90 anos, sem dinheiro e sem rendimentos, dá por si a percorrer quilómetros de estrada como correio de droga para um cartel mexicano. Partindo de uma história verídica, o argumento põe em marcha um comovente retrato humano de gravidade e sentido de humor eastwoodianos, no contexto da sociedade americana destes tempos, dos seus preconceitos e misérias. SULLIVAN’S TRAVELS é uma obra-prima de Preston Sturges, um título importante do rejuvenescimento da comédia social americana dos anos 1940. A história segue as aventuras de um realizador empenhado em fazer “cinema social” que descobre como o riso é importante para a vida e a felicidade dos seres humanos. Dê as voltas que der – ou que dá, na caravana com que atravessa o filme na companhia de Veronica Lake –, o protagonista-contador de histórias (Joel McCrea) “acaba sempre em Hollywood” (onde os produtores sempre querem acrescentar, pelo menos, “and a bit of sex”. Com diálogos notáveis, o filme de Sturges é uma cáustica e invulgar representação do mundo do cinema, uma comédia hilariante. Diz o John Sullivan de Joel McCrea: “I certainly had a lot of nerve wanting to make a picture about human suffering.” THE MULE é uma primeira exibição na Cinemateca.