CICLO
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam


 …quase não há filme que não mereça ser observado, excluídos aqueles que é claro repetem à saciedade o que já fora repetido noutros anteriores.
 
Jorge de Sena, 1988
 
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação.

 
Apesar das Ruínas, in Poesia, de Sophia de Mello Breyner Andresen
 
Figuras ímpares da nossa literatura, Sophia e Sena foram referências importantíssimas na vida cultural portuguesa, reflexo de uma época e de uma geração que testemunha também o modo como o cinema era recebido e divulgado.
Se se pode dizer que são múltiplos os mundos de Jorge de Sena e que múltiplos são os mundos de Sophia de Mello Breyner Andresen, também se poderá dizer que os seus mundos particulares são mundos muito diversos, porém, ligados por uma profunda amizade e por uma fortíssima coincidência de valores e princípios que sempre defenderam. Aliado aos seus universos, está o facto de terem sido entusiastas atentos da Sétima Arte e de terem considerado o cinema como uma arte essencial na representação e descoberta da vida, do Homem, da História, facto esse que se manifestou de modo diferente em cada um.
No caso de Sena, a sua postura crítica perante o cinema, assume-se como um reflexo da sua lúcida visão do mundo e da Arte. Sophia foi, por seu lado, uma referência fundamental no cinema português, tendo sido amplamente trazida para os filmes, bem como para a crítica e textos sobre cinema.
Ambos participaram nas “Terças-feiras Clássicas”, as históricas sessões organizadas pelo Jardim Universitário de Belas Artes (J.U.B.A.) que, procurando manter contacto com as grandes obras cinematográficas, eram acompanhadas e discutidas por personalidades relevantes da vida cultural, figurando nomes como Vitorino Nemésio, João Gaspar Simões, Adelino da Palma Carlos, Adolfo Casais Monteiro, Azeredo Perdigão ou Maria Lamas.
Em 2019, a celebração do centenário do nascimento dos dois poetas não ficaria completa sem uma justa referência à atenção que Jorge de Sena e Sophia dedicaram ao cinema. Assim, neste mês de setembro, a Cinemateca propõe dois Ciclos assinalando a relação por eles mantida com o cinema internacional, e a sua presença, ou alguns dos seus ecos, no cinema português, cinema este que, aliás, em muitas das suas vertentes é carregado de um profundo poético.
Abordando a correspondência epistolar entre os dois poetas e, através dela, o mundo que os uniu – e o mundo deles que há em nós… – o filme de Rita Azevedo Gomes, justamente intitulado CORRESPONDÊNCIAS, faz aqui a passagem entre os dois Ciclos.
 
 
Jorge de Sena, Cendrada Luz
 
“…acontece que o homem – se pode viver e criar abstracções – é pelo rosto e pelos seus gestos e pelo que ele com o olhar transmite, que podemos interrogativamente, incertamente, inquietantemente, angustiantemente, conhecer-lhe a vida.”
 
Posfácio a Metamorfoses, 1963
 
 
Jorge de Sena foi um cinéfilo, esclarecido e crítico. Na introdução à edição da Cinemateca Sobre Cinema (1988), que reúne os seus textos sobre cinema, Mécia de Sena salienta a influência cinematográfica na escrita de Jorge de Sena, uma assumida aliança do universo visual cinematográfico ao textual. É uma aliança transparente em poemas como “Couraçado Potemkin” ou “À Memória de Kazantzakis e a quantos fizeram o filme Zorba the Greek”.
Sena não considerava os filmes isoladamente, preocupando-se em contextualizá-los numa dimensão cultural, histórica e social. Surgem, por vezes, outros aspectos, que à primeira vista poderão parecer irrelevantes, como é o caso das condições das salas de projeção ou o estado degradado das cópias, ou até o próprio comportamento do público.
Além da crítica, Sena fez diversas apresentações de filmes e proferiu palestras que ficaram como marcos. Na primeira delas, na inauguração do Círculo de Cinema (1947), refletia, precisamente, sobre a importância que podiam vir a ter (e que de facto tiveram) os cineclubes na divulgação da história do cinema.
Neste Ciclo, além do universo dos filmes sobre os quais escreveu, tivemos em atenção uma lista (publicada em O Tempo e o Modo, de 1968), em que Sena indicou os dez filmes que levaria consigo para uma ilha deserta – lista que ajudou à seleção final, senão pelos próprios títulos pelo menos pela inclusão dos respetivos autores. Retivemos, entre outros, o filme de Jean Cocteau e René Clément, A BELA E O MONSTRO, M de Fritz Lang, O MILAGRE DE MILÃO de Vittorio De Sica, O CREPÚSCULO DOS DEUSES de Billy Wilder, MACBETH de Orson Welles e “A PASSAGEIRA” de Andrezj Munk. Não podia faltar um Chaplin, por quem Sena tinha profunda admiração, e será assim LIMELIGHT a abrir o Ciclo. Juntámos, a essa lista, os filmes portugueses adaptados de obras suas ou que retratam a sua vida e obra: SINAIS DE FOGO e SINAIS DE VIDA de Luís Filipe Rocha; o documentário de Joana Pontes, O ESCRITOR PRODIGIOSO; as curtas-metragens de Abi Feijó e Jorge Cramez, SALTEADORES e ERROS MEUS.
 
Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
 
em colaboração com a Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen
 
“Num dos teus ombros pousará a mão da sombra, no outro a mão do Sol”
 
           Caminho da Manhã, in Livro Sexto de Sophia de Mello Breyner Andresen
 
Escritos sobre cinema por Sophia praticamente não existem, ou se existem, como alguém referiu, estarão perdidos num papel amarrotado que ainda não se encontrou. Porém, a ligação do cinema português à sua poesia é constante. E não é só nos filmes, é também em textos sobre cinema – João Bénard da Costa cita-a profundamente.
Por outro lado, a poesia de Sophia está carregada de luz. De luz e de sombra, que numa fúria ela transpõe para o “caminho puro e absoluto”. Não é difícil estabelecer a aproximação entre a imagem poética dos seus versos e a imagem cinematográfica. Poemas, textos e contos, oferecem, sem hesitação, uma forte imagem “cinematográfica”. É abrir um livro ao acaso e “ver” cada verso: Quando à noite desfolho e trinco as rosas…; ou quando sobre Alexandre da Macedónia diz: A luz bailava em roda de teus passos…; ou a que “aparece” ao ritmo de Onde – ondas – mais belos cavalos. 
Sob este universo de sombra e de luz da obra de Sophia, e baseando-nos nas suas preferências cinematográficas, chegámos aos filmes do Ciclo. A escolha é diversa: filmes de Michael Powell e Emeric Pressburger, de Dreyer, ou de Noronha da Costa, ou de Bergman, de quem Sophia tanto gostava. Juntámos outros filmes que associamos ao universo de Sophia: O APICULTOR de Angelopoulos, LA MÉDITERRANÉE de Jean-Daniel Pollet, ou SICÍLIA! de Straub/Huillet. A única evidência nesta escolha foi ATLÂNTIDA, o filme de Pabst que a própria Sophia escolhera, quando, em julho de 1995, aceitou vir apresentar uma sessão das “Terças-feiras Clássicas” da Cinemateca.
Teremos ainda a oportunidade de revisitar o filme que João César Monteiro lhe dedicou, e filmes portugueses que, mais diretamente ou menos diretamente, com a sua obra se relacionam: o recentíssimo MAR de Margarida Gil e A VIAGEM de Jorge Queiroga.
O Ciclo é organizado em colaboração com a Comissão das Comemorações do Centenário de Sophia de Mello Breyner Andresen, sediada no centro Nacional de Cultura. Agradecemos particularmente a Maria Andresen Sousa Tavares, pela forma como, desde o início, apoiou e acompanhou a organização deste Ciclo.
 
 
12/09/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam

La Belle et la Bête
A Bela e o Monstro
de Jean Cocteau, René Clément
França, 1945 - 95 min
 
12/09/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam

Os Salteadores | Macbeth
duração total da projeção: 124 min | M/12
13/09/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam

Erros Meus | Les Visiteurs du Soir
duração total da projeção: 138 min | M/12
13/09/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam

Sinais de Fogo
de Luís Filipe Rocha
Portugal, 1995 - 100 min | M/12
14/09/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam

M
Matou!
de Fritz Lang
Alemanha, 1931 - 100 min
12/09/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
La Belle et la Bête
A Bela e o Monstro
de Jean Cocteau, René Clément
com Jean Marais, Josette Day, Marcel André, Michel Auclair
França, 1945 - 95 min
legendado em português | M/6
Jorge de Sena, Cendrada Luz
A mais bela adaptação ao cinema do famoso conto de Leprince de Beaumont, segundo contos tradicionais franceses. Cocteau dá-lhe um toque de fantasia e irreverência, numa espécie de prólogo-comentário, mas é na encenação fantasmagórica da história que se apoia o triunfo internacional do filme. O deslumbramento visual é particularmente sugestivo nas cenas do palácio do monstro, com os seus misteriosos corredores iluminados por "braços-candelabros" e jardins poéticos. “E que dizer do final” – escreve Sena numa crítica ao filme – “quando o príncipe e a bela vão abraçados, por ares e ventos, senão que é a dinamização cinematográfica dos sonhos de figuras, nuvens e roupagens, que a pintura barroca tentou fixar?”
 
12/09/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
Os Salteadores | Macbeth
duração total da projeção: 124 min | M/12
Jorge de Sena, Cendrada Luz
OS SALTEADORES
de Abi Feijó
Portugal, 1993 – 14 min
MACBETH
Macbeth
de Orson Welles
com Orson Welles, Jeanette Nolan, Dan O'Herlihy, Roddy McDowall, Robert Coote
Estados Unidos, 1948 – 110 min / legendado eletronicamente em português | M/12

Reconhecido filme de animação de Abi Feijó (desenho animado a grafite sobre papel), OS SALTEADORES baseia-se no conto homónimo de Jorge de Sena evocando um doloroso episódio da história de Portugal, no rescaldo da Guerra Civil espanhola. Macbeth por Welles e com Welles no papel de Macbeth. Uma adaptação bizarra mas genial da tragédia homónima de Shakespeare, ambientada num passado remoto “na antiga Escócia, ainda selvagem, e meio perdida na bruma que envolve História e lenda” (segundo Welles no prólogo em off da versão da distribuição europeia de época, a mais curta das três que se conhecem). Bizarra devido à forma como Welles torneou as limitações financeiras com fumos e iluminação difusa, uma montagem rápida esconde a indigência dos cenários. Genial porque estas limitações dão ao cineasta a possibilidade de empolar a perspetiva alucinatória da tragédia. Jorge de Sena disse desta interpretação de Macbeth: “Fiel reflexão: a barbárie, a fantasmagoria, a violência primária de uma época selvática vista sem embelezamentos bucólicos, tudo Orson Welles traduziu.” A apresentar em cópia digital.
 
13/09/2019, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
Erros Meus | Les Visiteurs du Soir
duração total da projeção: 138 min | M/12
Jorge de Sena, Cendrada Luz
ERROS MEUS
de Jorge Cramez
com Luis Miguel Cintra, Isabel Ruth
Portugal, 2000 – 15 min
LES VISITEURS DU SOIR
Trovadores Malditos
de Marcel Carné
com Arletty, Alain Cuny, Jules Berry
França, 1942 – 123 min / legendado em português

com a presença de Jorge Cramez na sessão de dia 4
ERROS MEUS é a camoniana curta-metragem de Jorge Cramez, adaptada de uma história de Jorge de Sena, que Luis Miguel Cintra ilumina ao lado de Isabel Ruth: Camões, na velhice, é um homem doente, sifilítico, incapaz de se movimentar, de suportar as dores e tormentas que o mortificam, mas dentro dele há uma voz que fala no silêncio da noite. Conforme Jorge de Sena escreveu à época,LES VISITEURS DU SOIR, é um filme em que a poesia, a ironia, a música, o sentido alegórico e a técnica cinematográfica aliadas a alguns séculos de consciência e de cultura, se conjugam para formar uma obra que, se não é uma das obras-primas do cinema, é sem dúvida uma das mais belas e interessantes que o cinema europeu produziu”. No filme ambientado na Idade Média, a partir de um argumento de Jacques Prévert e Pierre Laroche, muitos viram uma parábola da resistência francesa à ocupação alemã: o diabo incumbe um casal de trovadores da missão “desesperar o mundo”, enviando-o ao castelo de um barão que celebra o noivado da filha. Os dois amantes acabam petrificados, mas mesmo debaixo da pedra os seus corações continuarão a bater.
 
13/09/2019, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
Sinais de Fogo
de Luís Filipe Rocha
com Diogo Infante, Ruth Gabriel, Marcantonio del Carlo, José Airosa, Glicínia Quartin
Portugal, 1995 - 100 min | M/12
Jorge de Sena, Cendrada Luz

com a presença de Luís Filipe Rocha
O romance homónimo de Jorge de Sena, um dos muito grandes romances da literatura portuguesa do século XX, é a fonte de onde nasceu este filme de Luís Filipe Rocha. Portugal, julho de 1936: um grupo de adolescentes passa as férias de verão na Figueira da Foz durante a época de consolidação e controlo da ditadura de Salazar, enquanto, do outro lado da fronteira, a guerra civil começa em Espanha.
 
14/09/2019, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen em Correspondência - Jorge de Sena, Cendrada Luz / Sophia de Mello Breyner Andresen: Sirvo para que as coisas se vejam
M
Matou!
de Fritz Lang
com Peter Lorre, Ellen Widmann, Gustav Gründgens, Otto Wernicke
Alemanha, 1931 - 100 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Jorge de Sena, Cendrada Luz
“Nada há que seja sombrio, desde que, pela imagem e pela expressão artística, ascende não direi à consciência discursiva, mas àquela outra em que a humanidade se reconhece vasta e vária, capaz de aceitar como seu aquilo que é estranho à essência das suas melhores horas…” (Jorge de Sena). Fritz Lang, mais do que a descrição de um “caso autêntico” (o “vampiro” de Dusseldorf, um assassino de crianças), fez o retrato de uma Alemanha mergulhada na depressão económica e nas vésperas da chegada dos nazis ao poder. Poderosa obra-prima, com Peter Lorre no papel da sua vida. E, Sena, que não pode deixar de ser quem é, profetizou então: “foi esta película que celebrizou, para fins de arrepio, os seus olhos de goraz.” Também programado no “Ciclo “Luz e Espectros – Cinema de Weimar 1919-1933” (ver entrada respetiva).