CICLO
1948


Em 1948 o mundo estava a sair da Segunda Guerra Mundial terminada três anos antes, em pleno processo de digestão da catástrofe e de ajustamento à ordem que saíra dela. Os ecos do ardor do conflito e a estupefação provocada pelas suas consequências ainda estavam bem presentes, mas começava a ter-se alguma distância para lidar com tudo isso, para reconstruir e refletir sobre uma profusão de ruínas – em todos os sentidos, reais e metafóricos, do termo: era um mundo novo, um mundo no "ano zero", para glosar o filme de Rossellini que abre o Ciclo.
Que é um Ciclo sobre esse ano, sobre o cinema feito nesse ano, sobre o modo como o cinema registou um retrato (histórico mas também psicológico e ideológico) do sentimento vivido na época, sobre o modo como o cinema se constituiu, ele próprio, em instrumento de reflexão, de contrição, e de reajustamento. Nasceu de uma proposta do crítico austríaco Olaf Möller, bem conhecido dos espectadores da Cinemateca, que colaborou connosco na sua preparação, e é um Ciclo que, para nós, faz um especial sentido no momento em que nos preparamos para assinalar o 70º aniversário da fundação da Cinemateca – como se, em antecâmara para a comemoração que virá nos próximos meses, quiséssemos mostrar como ia o mundo (e como ia o cinema) no momento em que a Cinemateca nasceu.
O Ciclo concentra-se essencialmente na produção de países diretamente envolvidos nas hostilidades da Segunda Guerra: EUA, URSS, França, Itália, a Polónia, os países germânicos, etc. Nalguns casos a relação com a guerra, e com a enormidade do Holocausto, é direta – por exemplo no par de lancinantes filmes polacos (UNZERE KINDER e ULICNA GRANICZNA) que vamos mostrar pela primeira vez nesta Cinemateca. Noutros casos, o foco está no presente, na definição dos contornos de um mundo enformado pela Guerra Fria – em que se destaca, por exemplo, o diálogo entre RUSSKIY VOPROS e THE IRON CURTAIN, os soviéticos a olhar para os americanos e vice-versa. Noutros casos, ainda, é uma questão de "clima" psicológico – a tortuosidade de ROPE de Hitchcock, as sombras e os segredos "psicanalíticos" de SECRET BEYOND THE DOOR de Lang, seriam possíveis dez anos antes, quando a humanidade ainda não entrara em combustão?
Há um "joker" no Ciclo, o 1984 de Michael Anderson, que é um filme de 1956. Mas o romance de George Orwell que lhe está na base foi publicado em 1948. De todos, é o filme que mais aponta para a frente, que mais antecipa um mundo próximo daquele em que vivemos hoje. E o Ciclo é, finalmente, também isto: entre o "ano zero" de Rossellini e o ano 1984 de Orwell, um conjunto de ecos e reflexos de uma História que é, por todas as razões, a nossa História, a História em que vivemos.
 
 
16/10/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1948

Russkiy Vopros
"A Questão Russa"
de Mikhail Romm
URSS, 1948 - 90 min
 
16/10/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1948

The Iron Curtain
A Cortina de Ferro
de William Wellman
Estados Unidos, 1948 - 87 min
17/10/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1948

1984
de Michael Anderson
Reino Unido, 1956 - 90 min
17/10/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1948

La Revoltée
de Marcel L'Herbier
França, 1948 - 95 min
29/10/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo 1948

Pitfall
O Caminho da Tentação
de André De Toth
Estados Unidos, 1948 - 86 min
16/10/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
1948
Russkiy Vopros
"A Questão Russa"
de Mikhail Romm
com Vsevolod Aksyonov, Yelena Kuzmina, Mikhail Astangov
URSS, 1948 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Depois da aliança de conveniência durante a Segunda Guerra, EUA e URSS reajustavam-se ao antagonismo mútuo que marcaria a época da Guerra Fria. RUSSKIY VOPROS, do lado soviético, é um muito curioso exemplo desse movimento. Conta a história de um jornalista americano, filossoviético, que depois de visitar a URSS volta ao seu país mas encontra inúmeras pressões para matizar a sua reportagem com um olhar negativo. O cenário essencial do filme de Romm são uns EUA reconstituídos em estúdio na URSS, o que não é mais "estranho" do que a URSS reconstituída, tantas vezes, em estúdios americanos. De notar a presença de Yelena Kuzmina no principal papel feminino, ela que foi atriz de Boris Barnet e, especialmente, a inesquecível protagonista de À BEIRA DO MAR AZUL. Primeira exibição na Cinemateca.
 
16/10/2018, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1948
The Iron Curtain
A Cortina de Ferro
de William Wellman
com Dana Andrews, Gene Tierney, June Havoc
Estados Unidos, 1948 - 87 min
legendado eletronicamente em português | M/12
THE IRON CURTAIN, neste Ciclo, faz "espelho" com RUSSKIY VOPROS de Mikhail Romm. É um dos primeiros filmes americanos, depois da Segunda Guerra, a devolver um olhar negativo, e ameaçador, sobre a URSS. Baseia-se numa história verídica – a dum funcionário da Embaixada soviética no Canadá que desertou e revelou segredos sobre o seu país, e volta a reunir um dos pares mais em voga naquela época (sobretudo nos filmes de Preminger), Dana Andrews e Gene Tierney.
 
17/10/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1948
1984
de Michael Anderson
com Edmond O’Brien, Michael Redgrave, Jan Sterling, Donald Pleasence
Reino Unido, 1956 - 90 min
legendado eletronicamente em português | M/16
Adaptação do famoso livro de George Orwell que, em 1948, anteviu para o então futuro ano de 1984 uma sociedade totalitária em que a vigilância controla tudo e todos. “Big Brother is watching you” é uma ideia que vem daqui, como vem daqui a ideia do uso da linguagem como uma codificação extrema e mecanismo de controlo do pensamento. Inevitavelmente, em 1984 fez-se um remake com John Hurt e Richard Burton nos papéis que em 1956 couberam a Edmond O’Brien e a Michael Redgrave.
 
17/10/2018, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
1948
La Revoltée
de Marcel L'Herbier
com Victor Francen, Josette Day, Jacques Berthier
França, 1948 - 95 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Marcel L'Herbier é muito mais conhecido pela sua obra de antes da Segunda Guerra, e sobretudo no tempo do mudo (FEU MATHIAS PASCAL, L'ARGENT), mas filmou até aos anos setenta. LA REVOLTÉE é um melodrama bastante sombrio e bastante amargo, sobre uma mulher que perde o marido e o amante e, sem nada que a prenda à vida, se "revolta". Hoje bastante esquecido, tem tudo para ser uma surpresa. Primeira exibição na Cinemateca.
 
29/10/2018, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
1948
Pitfall
O Caminho da Tentação
de André De Toth
com Dick Powell, Elizabeth Scott, Jane Wyatt, Raymond Burr, John Litel
Estados Unidos, 1948 - 86 min
legendado eletronicamente em português | M/12
A partir do romance homónimo de Jay Dratler, André De Toth assinou em PITFALL um invulgar “melodrama noir”, anterior a CRIME WAVE, que viria a ser um dos seus mais conhecidos filmes dos anos cinquenta. Aqui, um casal da classe média americana do pós-guerra vê a sua vida virada do avesso na sequência do encontro entre o marido e uma suposta “femme fatale”, que virá a desencadear uma série de acontecimentos que estão para lá da questão conjugal de partida. Construindo-se como um filme que põe em jogo as convenções de género, PITFALL é uma grata surpresa. A apresentar em cópia digital, numa primeira exibição na Cinemateca.