CICLO
Viagem Ao Fim Do Mudo


Muito em breve, o cinema sonoro será centenário: em outubro de 2027, assinalam-se os cem anos de THE JAZZ SINGER, a primeira longa-metragem de ficção com som sincronizado. Começava a era dos “talkies”, que rapidamente se tornaram a norma da produção cinematográfica. Foi um momento traumático para toda uma geração de cineastas, atores e, mesmo, espectadores, criados e formados no cinema como “arte do silêncio”. Está hoje perdido na nuvem do tempo e nos documentos da imprensa da época, mas o debate foi intenso, e nalguns casos o desgosto também – no princípio dos anos 30 ainda havia quem acreditasse (ou desejasse) que os “talkies” fossem apenas uma “moda”, e que em breve o cinema voltaria à sua silenciosa condição “natural”. Outros, com maior ou menor entusiasmo, perceberam imediatamente que se tratava de um ponto de não retorno, e que doravante o cinema seria assim, falado e sonorizado, e profundamente transformado quer no modo da sua feitura quer no modo da sua fruição.
O cinema mudo não morreu em 1927, sabemos bem como até ao fim da década ainda se estrearam filmes sem som (e muitos objetos “híbridos”), e como em certas partes do mundo a produção corrente não aderiu em massa à novidade técnica, continuando a produzir filmes mudos durante a primeira metade da década de 1930, sem falar dos casos de obstinação e teimosia, como o de Chaplin, que em 1936 ainda estreava filmes (MODERN TIMES) em que a ausência de diálogo e som síncrono correspondia um a gesto deliberado. Mas, simbolicamente, é claro que o cinema mudo – a era do cinema mudo – chegou ao fim em 1927, e que a estreia do primeiro “talkie” representou a certidão de um óbito anunciado. Muito em breve, portanto, todo o cinema mudo terá mais de cem anos.
É uma fronteira simbólica demasiado forte para não ser assinalada. Para um observador situado nos anos 1960, metade da história do cinema era, grosso modo, muda; para um observador situado nos nossos dias, a proporção é completamente diferente: a época muda corresponde a um quinto da história do cinema. É a esse quinto que este ciclo se dedica. Sempre evitámos, nesta Cinemateca, tornar o cinema mudo num “tema” por si próprio, e procurámos mostrá-lo em articulação natural com o restante património cinematográfico. E claro que o continuaremos a fazer. Mas, ao mesmo tempo, porque não olhar para o cinema mudo justamente a partir dessa condição, e das condições de uma época que chegou abruptamente ao fim há perto de cem anos? Porque não olhar para o espetáculo do cinema mudo com atenção a tudo o que há de intrínseco, específico e irrepetível nesse espetáculo? É, resumidamente, o que este ciclo se propõe fazer, como rubrica regular de programação. Até ao final de 2027, três sessões por mês. Grandes clássicos e filmes recuperados do esquecimento – porque, e isto importa ser dito, a época muda ainda é hoje um campo de trabalho ativíssimo no domínio da “arqueologia” do cinema, e do trabalho de recomposição e restauro, que periodicamente traz, por paradoxal que pareça, “novidades”, e a redescoberta de filmes que ninguém via há mais de cem anos.
Uma viagem ao fim do mudo, ou à doçura dos dias antes da revolução sonora: esta é a proposta.
 
 
01/09/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Viagem Ao Fim Do Mudo

The Wind
O Vento
de Victor Sjöström
Estados Unidos, 1928 - 95 min
 
12/09/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Viagem Ao Fim Do Mudo

Bronenosets Potiomkine
O Couraçado Potemkine
de Sergei M. Eisenstein
URSS, 1925 - 71 min
19/09/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Viagem Ao Fim Do Mudo

Der Letzte Mann
O Último dos Homens
de Friedrich Wilhelm Murnau
Alemanha, 1924 - 100 min
01/09/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Viagem Ao Fim Do Mudo
The Wind
O Vento
de Victor Sjöström
com Lillian Gish, Lars Hanson
Estados Unidos, 1928 - 95 min
mudo | M/12
Sessão gratuita mediante levantamento de ingresso uma hora antes do início da sessão (máximo 2 bilhetes por espectador)

com acompanhamento ao piano por Filipe Raposo

sessão com apresentação
THE WIND talvez seja a obra-prima absoluta do grande Victor Sjöström. Este mestre da paisagem no cinema troca as extensões geladas dos seus filmes suecos pela aridez de um deserto americano. Um filme mudo que nos faz “ouvir” o assobio ameaçador do vento, que sopra com violência em volta de uma casa no deserto, onde uma mulher tem de lutar também contra a paixão desenfreada de um homem. Sjöström constrói uma atmosfera de pesadelo com base apenas na sugestão. Um dos pontos altos do cinema mudo, reforçado pela presença inesquecível de Lillian Gish.

Filipe Raposo Iniciou os seus estudos pianísticos no Conservatório Nacional de Lisboa. Tem o mestrado em Piano Jazz Performance pelo Kungl. Musikhögskolan i Stockholm (Royal College of Music) e foi bolseiro da Royal Music Academy of Stockholm. É licenciado em Composição pela Escola Superior de Música de Lisboa. Como pianista, compositor e orquestrador tem colaborado com inúmeras orquestras internacionais, apresentando-se em importantes salas como Sala de São Paulo, Bozar, Ópera de Rouen, Fundação Gulbenkian, CCB. Em 2025, foi premiado no Festival de Cinema de Málaga pela composição original do filme Lo Que Queda de Ti de Gala Gracia. Desde 2004 que colabora com a Cinemateca Portuguesa como pianista residente no acompanhamento de filmes mudos. A convite da Cinemateca Portuguesa compôs e gravou a banda sonora para as edições em DVD de filmes portugueses de cinema mudo: Lisboa, Crónica Anedótica de Leitão de Barros, tendo ganho uma Menção Honrosa no Festival Il Cinema Ritrovato em Bolonha, O Táxi n.º 9297 de Reinaldo Ferreira, Frei Bonifácio e Barbanegra de Georges Pallu, Nazaré, Praia de Pescadores de Leitão de Barros.

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12/09/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Viagem Ao Fim Do Mudo
Bronenosets Potiomkine
O Couraçado Potemkine
de Sergei M. Eisenstein
com Aleksander Antonov, Grigori Alexandrov, Vladimir Barsky
URSS, 1925 - 71 min
mudo, com intertítulos em russo, traduzidos em português | M/12
com acompanhamento ao piano por João Paulo Esteves da Silva
Na primeira metade dos anos 1920, a União Soviética conheceu um extraordinário florescimento artístico, em todos os domínios, com obras duplamente de vanguarda: do ponto de vista formal e do ponto de vista político. O COURAÇADO POTEMKINE é, sem dúvida, a mais célebre destas obras. Pondo em prática as suas teorias sobre a montagem, elemento fundamental em todo o cinema de vanguarda, Eisenstein fez deste filme de encomenda sobre a Revolução de 1905 um momento absolutamente eletrizante, com a mais célebre sequência da História do cinema: o massacre na escadaria de Odessa.

João Paulo Esteves da Silva Compositor-pianista associado ao jazz e à música criativa improvisada, desempenhou também um papel de relevo na música popular portuguesa e foi concertista numa fase inicial da sua carreira. A sua discografia em nome próprio denota cerca de três fases distintas do seu percurso criativo: uma primeira, em que se destacou como um dos pioneiros e principais compositores do chamado jazz português; uma segunda, em que se aproxima do jazz de vanguarda; e uma terceira, em curso, de orientação mais europeia. Ao longo dos anos, a escrita de canções tem também ocupado uma parte significativa da sua produção. Tem, além disso, explorado ligações da música com outras artes, como o cinema, a fotografia ou o teatro, sendo ainda tradutor e poeta, com vários livros publicados.

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19/09/2025, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Viagem Ao Fim Do Mudo
Der Letzte Mann
O Último dos Homens
de Friedrich Wilhelm Murnau
com Emil Jannings, Maly Delschaft, Emilie Kurtz, Max Hiller, Georg John
Alemanha, 1924 - 100 min
mudo, sem intertítulos | M/12
com acompanhamento ao piano por Daniel Schvetz
Referência incontornável do Kammerspiel, a corrente “realista” do cinema mudo alemão, cujo principal teórico foi o argumentista Carl Mayer, o filme de Murnau é uma obra-prima absoluta, na qual confluem registos de carácter distinto, luz e sombras expressionistas, um brilhante exercício de cinema como o famoso plano-sequência inicial, a imagem recorrente de uma porta giratória que convoca a ideia da própria vida. Construído à volta do acontecimento banal da substituição do velho porteiro de um grande hotel remetido a responsável pelos lavabos, de acordo com os postulados do “cinema de câmara” – sem intertítulos, espacialmente concentrado –, o filme transcende a dimensão realista da questão económico-social em causa, aproximando-se de um aspecto simbólico, representado pela perda do uniforme pelo porteiro (a criação maior de Emil Jannings), assim reduzido a ser o “último dos homens”. Nas cópias originais, que os restauros respeitam, um epílogo em happy-end dá uma reviravolta ao sombrio final.

Daniel schvetz Compositor e pianista luso-argentino, professor de Composição e Análise Musical no Conservatório Nacional e na Metropolitana, colaborador do CESEM da NOVA FCSH. Divulgador, arranjador e intérprete do repertório latino-americano  tanguero; conferencista e analista do repertório musical erudito dos séculos XX e XXI, com ensaios críticos sobre a obra de Bartók, Ligeti e Bill Evans. Compôs três óperas, concertos para instrumentos solistas e orquestra, obras corais e de câmara, ciclos de canções baseadas em poetas como Lorca, Pessoa, Borges, Vallejo, Camões e Natália Correia. Colaborou com a Orquestra Sinfônica Portuguesa, a OML, o Coro Lisboa Cantat, Camané, Ricardo Ribeiro, Mísia, João Barradas, Sérgio Carolino e o Remix Ensemble. É pianista residente na Cinemateca Portuguesa desde 1999.

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