CICLO
A Cinemateca com o IndieLisboa


A  habitual colaboração entre a Cinemateca e o IndieLisboa – Festival Internacional de Cinema, em 2024 na sua 21ª edição, assenta em três eixos: a organização conjunta de uma retrospetiva dedicada à obra de Kamal Aljaffari, realizador e artista visual palestiniano, na apresentação de filmes da secção Director’s Cut e num programa inserido nas evocações que temos vindo a fazer desde janeiro no quadro dos 50 anos do 25 de Abril desta vez dedicado às Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do Movimento das Forças Armadas (MFA), com a exibição de alguns dos filmes que foram mostrados nessas campanhas, contextualizadas com as reportagens da RTP feitas à época, que mostram um país efervescente. A estes três programas soma-se a apresentação em ante-estreia com o IndieLisboa do mais recente filme de Sana Na N’Hada, NOME, exibido também no âmbito do Ciclo que este mês dedicamos ao cinema da Guiné-Bissau.
 
Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA
As Campanhas de Dinamização Cultural e Acção Cívica do MFA, projeto iniciado em Outubro de 1974 e terminado no final de 1975, tinham como objetivo fundamental a divulgação e o esclarecimento do Programa do MFA e a consolidação progressiva, com confiança mútua, da ligação Povo – MFA. Mas também tiveram outras consequências, como a inclusão de intervenções artísticas um pouco por todo o país, com o objetivo de se criar uma nova rede cultural, assentes na ideia de que as Forças Armadas eram rigorosamente apartidárias mas não apolíticas. A retrospetiva recupera alguns dos títulos mostrados durante estas campanhas em diálogo com as reportagens da RTP sobre a presença do MFA por todo o país e que mostram um país expectante e esperançoso.


Kamal Aljafar

 “Os meus filmes são como uma arqueologia da memória, escavando as narrativas esquecidas, enterradas sob a superfície da vida quotidiana.”
                                                            Kamal Aljafari
 
Iniciada há quase duas décadas, a obra do realizador palestiniano Kamal Aljafari (nascido na cidade de Ramla, em 1972, e radicado há anos na Alemanha) tem inquirido as dimensões éticas e estéticas subjacentes à imagem filmada a partir da sua história pessoal e do contexto político envolvente. Um cinema feito em modo de resistência, revelando invisibilizações e jogos de poder através de uma abordagem que cruza a ficção, o documentário, o ensaio visual e a found footage. Até que ponto a materialidade real e figurada de uma imagem pode tornar-se uma abstração ou um espectro? A questão evoca problemas estéticos e éticos que, no cinema de Kamal Aljafari, convergem para um território tão real quanto abstrato e fantasmagórico: a Palestina. Se o cinema de Aljafari parte da observação de um quotidiano que não só coexiste como habita a própria ruína, ele transforma depois essas imagens em rastos, ecos, manchas, borrões e, nos seus filmes mais radicais e recentes, em pixéis não capturáveis pelas noções de real. A arte de transformar a materialidade angustiante das paredes partidas e dos terraços destruídos de um território invadido numa imaterialidade desencarnada é a arte de reconfigurar a Palestina como nação, que, através de imagens em movimento, acaba por ultrapassar as forças que aprisionam e destroem esse espaço. Por entre fragmentos de memórias e imagens de um povo assolado pelo apagamento, o cinema de Kamal Aljafari apresenta capítulos de uma história inacabada, simultaneamente pessoal e comunitária.
Uma obra urgente, a descobrir na presença do cineasta que estará em Lisboa para acompanhar a exibição desta retrospetiva completa da sua filmografia.
 
 
01/06/2024, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o IndieLisboa

R21 Aka Restoring Solidarity
de Mohanad Yaqubi
Palestina, Bélgica, Catar, 2022 - 69 min
 
01/06/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo A Cinemateca com o IndieLisboa

Os Homens que Eu Tive
de Tereza Trautman
Brasil, 1973 - 78 min | M/16
01/06/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o IndieLisboa

Paradiso, XXXI, 108 | A Fidai Film
duração total da projeção: 96 min
01/06/2024, 17h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o IndieLisboa

Retrospetiva MFA, Retrospetiva Kamal Aljafari e Director’s Cut
R21 Aka Restoring Solidarity
de Mohanad Yaqubi
Palestina, Bélgica, Catar, 2022 - 69 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/12
Director’s Cut
Entre os anos 1960 e 80, um movimento de solidariedade internacional apoiou a causa palestiniana. Em particular, chegaram à Palestina vários grupos de ativistas militantes de esquerda vindos do Japão. O mais conhecido é o JRA (Japanese Red Army), no qual participava o cineasta Kōji Wakamatsu. Outro realizador japonês que dedicou grande parte da sua vida à causa palestiniana foi Masao Adachi. Em meados dos anos 2010, descobriu-se um grande acervo desses filmes militantes num apartamento no Japão, filmes produzidos por vários grupos internacionais, e todos legendados em japonês. Ao todo identificaram-se 21 bobines de película (daí o título “21 reels”), que o artista e cineasta palestiniano Mohanad Yaqubi foi convidado a identificar, catalogar, digitalizar e arquivar. Uma primeira versão desse trabalho foi apresentada, enquanto instalação, na Documenta 15 (em 2022), sendo que por pressão das autoridades israelitas, os filmes foram censurados e o artista foi obrigado a retirá-los – o que gerou enorme polémica. De modo a garantir a sua exibição, Yaqubi montou R21 AKA RESTORING SOLIDARITY onde, no processo de se mostrar as cópias, se faz também a pedagogia dos suportes analógicos e a importância da produção de um arquivo (para preservação da História e da memória coletivas).

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
01/06/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
A Cinemateca com o IndieLisboa

Retrospetiva MFA, Retrospetiva Kamal Aljafari e Director’s Cut
Os Homens que Eu Tive
de Tereza Trautman
com Darlene Glória, Arduíno Colassanti, Gracindo Júnior
Brasil, 1973 - 78 min | M/16
legendado em inglês
Director’s Cut

Com a presença de Tereza Trautman
Em 1973, quando realiza OS HOMENS QUE EU TIVE, Tereza Trautman tinha apenas 22 anos (ao ponto de, no dia da estreia, o segurança do cinema não a querer deixar entrar por ser aquele um filme para maiores de 18 anos). Precisamente pela sua juventude, Trautman fez de OS HOMENS QUE EU TIVE um filme revolucionário no modo como se libertou de todos os grilhões da moral e dos bons costumes. Darlene Glória interpreta Pity que, casada com Dode (Gracindo Júnior) há quatro anos, mantém uma relação aberta e consentida com Sílvio (Gabriel Archanjo), numa relação triangular. Até que Pity, ao começar a trabalhar numa produtora de documentários sobre as populações indígenas da Amazónia, se apaixona por Peter (Arduíno Colassanti), o montador do filme. O desejo salta de corpo em corpo, livre e solto. OS HOMENS QUE EU TIVE impõe-se como uma espécie de soft-core feminista que, nas poucas semanas em que esteve em exibição no Rio de Janeiro e Belo Horizonte, fez grande sucesso, até que, dois meses depois da estreia, foi proibido pela Ditadura Militar. Exibe-se agora numa belíssima nova cópia digital restaurada. Primeira apresentação na Cinemateca.

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01/06/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o IndieLisboa

Retrospetiva MFA, Retrospetiva Kamal Aljafari e Director’s Cut
Paradiso, XXXI, 108 | A Fidai Film
duração total da projeção: 96 min
legendados em inglês e eletronicamente em português | M/12
Kamal Aljafari
PARADISO, XXXI, 108
de Kamal Aljafari
Palestina, Alemanha, 2022 – 18 min

A FIDAI FILM
de Kamal Aljafari
Palestina, Alemanha, Catar, Arábia Saudita, 2023 – 78 min

PARADISO, XXXI, 108 é uma colagem de found footage que esbate as linhas que separam realidade de ficção, recriação de verdade. Manobras militares israelitas são descontextualizadas, conseguindo as imagens fazer pensar sobre a dupla violência de registos de guerra e a ligação entre a imagem e a realidade concreta. Um filme que se revolta contra o roubo de memórias, especialmente no que toca ao arquivo literário, histórico, e não só, de um país. Em A FIDAI FILM Kamal Aljafari traz-nos a incursão israelita sobre o Centro de Investigação Palestiniano, em Beirute, no verão de 1982. Este exemplo não é único, acontecendo regularmente, desde 1948. Havendo ocupação, há o desejo de desligar com o passado, substituir as memórias, apagar a história. O filme diz “não” a esse gesto.

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