CICLO
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin


Explicitamente concebida e anunciada como um binómio, a rubrica “Histórias do Cinema” propõe, de um lado, um investigador ou especialista em cinema; de outro, um autor ou um tema histórico abordado pelo primeiro ao longo de cinco finais de tarde e em torno de cinco filmes, cujas projeções são antecedidas e sucedidas de apresentações e conversas sobre o autor ou o tema em causa, numa sequência de encontros pensados como experiência cumulativa. Para a edição de abril das “Histórias do Cinema” convidámos o historiador e programador de cinema Federico Rossin a apresentar aquela que é a mostra mais extensa que a Cinemateca dedica ao cineasta italiano Vittorio De Seta, depois de, em 2013, lhe ter dedicado três sessões no âmbito do Ciclo “Tesouros de Bolonha”.
Após estudar literatura, história de arte e filosofia, Federico Rossin desenvolveu um trabalho profundo de investigação em torno da reconstituição da história do cinema, explorando regiões e períodos pouco reconhecidos pelo cânone. Nesse sentido, vem disseminando novas perspetivas sobre o cinema enquanto formador (da Peuple et Culture) e professor universitário (em Angoulême, Lussas, Bruxelles e Limoges). É programador independente, tendo trabalhado em diferentes festivais de cinema (como DocLisboa, États généraux du film documentaire de Lussas e Cinéma du Réel) e instituições (Austrian Film Museum, Cinémathèque française, Cineteca Italiana). É dele o texto que se segue bem como as notas sobre as sessões individuais.
 
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Per Adriano Aprà, in memoriam
 
Vittorio De Seta é não só um dos mais celebrados mestres do cinema documental do pós-guerra – a par de Jean Rouch, Pierre Perrault, Frederick Wiseman e Chris Marker – como é também dos maiores realizadores italianos de todos os tempos – a par de Rossellini, Fellini, Antonioni e Visconti, sendo certamente o menos estudado e o mais desconhecido fora de Itália.
De Seta não foi um realizador prolífico, mas toda a sua obra seguiu, desde sempre, um caminho de absoluta coerência. De Seta foi – como só Rossellini o fora – um cineasta profundamente experimental: para cada um dos seus projetos, reinventou a forma cinematográfica e a sua prática, extraindo-a do interior da obra, em vez de a aplicar de forma pedestre e conceptual a partir do exterior. Para De Seta, o cinema foi sempre uma via de conhecimento, em que o realizador não é necessariamente senhor das circunstâncias e da mise-en-scène, preferindo deixar-se guiar pela sua curiosidade em relação à existência humana e colocar-se numa posição empírica e de pesquisa permanente. Dito isto, devemos reconhecer que a maior parte dos seus filmes têm muitos pontos em comum: a abordagem fundamentalmente antropológica, já presente nas curtas-metragens dos anos 1950; a questão da distância a que nos colocamos para nos tornarmos parte de uma comunidade, cujo tempo e espaço de vida podemos partilhar e filmar; a predileção, na tradição evangélica e tolstoiana, pelo mundo dos “esquecidos” e dos “vencidos” da história; a necessidade de uma abordagem mais profunda da vida humana, que não se pode deixar de lado.
Logo com os seus primeiros filmes, Vittorio De Seta afirmou-se como um cineasta independente, tornando-se produtor de si próprio, quando não havia condições para se ser cineasta independente em Itália. O realizador Franco Maresco disse um dia que toda a obra de De Seta “é coerente com uma ideia de cinema que não se compromete e, ao mesmo tempo, e precisamente por isso, vai ao encontro de uma ideia aventureira de cinema, semelhante à dos pioneiros” – entenda-se, Robert J. Flaherty e Joris Ivens. Como esses pioneiros, Vittorio De Seta é o iniciador de um novo olhar cinematográfico sobre a realidade, fundado numa rara capacidade de captar em microcosmos as grandes transformações do planeta – das tradições populares à escolarização, passando pelos movimentos de migração internacional. De Seta não foi apenas o poeta épico do sul de Itália – como foi demasiadas vezes reduzido – nem apenas o autor de documentários inesquecíveis, mas sobretudo um cineasta não convencional que experimentou – e muitas vezes reinventou – diferentes formas audiovisuais ao longo dos cinquenta anos da sua carreira: da curta à longa-metragem, do documentário à ficção, até à série televisiva. Todos os seus filmes partem de uma necessidade ética, a de questionar a realidade sem nunca impor um olhar voraz.
De Seta não gostava da modernidade, mas o seu questionamento radical das formas clássicas e a sua abertura à realidade enquanto prática constante fazem dele um cineasta da pura modernidade. É a partir desta afirmação que devemos recomeçar a ver e a rever criticamente a sua obra, tão rara e deslumbrante.
 
Federico Rossin
 
 
14/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin

Il Mondo Perduto (Sicília E Calabria)
 
15/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin

Il Mondo Perduto (Sardenha)
16/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin

Un Uomo A Metà
de Vittorio De Seta
Itália, 1966 - 93 min
17/04/2025, 17h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin

Diario Di Un Maestro 1-2
de Vittorio De Seta
Itália, 1973 - 145 min
17/04/2025, 21h00 | Sala Luís de Pina
Ciclo Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin

Diario Di Un Maestro 3-4
de Vittorio De Seta
Itália, 1973 - 133 min
14/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin
Il Mondo Perduto (Sicília E Calabria)
Sessões-conferência | As intervenções de Federico Rossin serão feitas em inglês sem tradução simultânea
LU TEMPU DI LI PISCI SPATA
ISOLE DI FUOCO
SURFARARA
PASQUA IN SICILIA
CONTADINI DEL MARE
PARABOLA D'ORO
PESCHERECCI
I DIMENTICATI
Itália, 1955-1959 – 11, 11, 10, 10, 10, 10, 10, 20 min
filmes de Vittorio De Seta
duração total da projeção: 92 min / legendados eletronicamente em português | M/12
Em 1954, quando a disputa e a prática do neorrealismo já estavam em declínio, estreou-se um documentarista, Vittorio De Seta, que decidiu lidar diretamente com a realidade. A sua escolha foi radical e única no panorama europeu: fazer filmes sem qualquer narração ou recurso a trechos musicais, rodados com som direto, construído a partir de imagens provenientes de uma exploração muitas vezes fisicamente exaustiva dos locais da Sicília, Sardenha e Calábria que queria documentar. A beleza épica e quase sagrada dos seus dez documentários (1955-1958) surgiu após um trabalho de campo profundo e árduo, e corresponde ao processo de decantação de uma realidade inicialmente captada na sua natureza magmática. São filmes que resultam da consciência que De Seta tinha de que o que estava a ser filmado era um mundo em perigo de extinção, um mundo perdido hoje.

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15/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin
Il Mondo Perduto (Sardenha)
Sessões-conferência | As intervenções de Federico Rossin serão feitas em inglês sem tradução simultânea
PASTORI AD ORGOSOLO
UN GIORNO IN BARBAGIA
Itália, 1958 – 11, 10 min

BANDITI A ORGOSOLO
com Michele Cossu, Peppeddu Cuccu, Vittorina e os habitantes de Orgosolo
Itália, 1958 – 91 min

filmes de Vittorio De Seta

duração total da projeção: 112 min / legendados eletronicamente em português | M/12
BANDITI A ORGOSOLO foi filmado na Barbagia, no coração da Sardenha, no início da década de 1960. Trata-se de um filme cuja rodagem se afastou muito das formas tradicionais de produção: De Seta trabalhou com uma equipa muito pequena e com atores não profissionais. Depois de ter feito dois documentários na Sardenha, em 1958, De Seta regressou à ilha mais com um sentimento do que com uma ideia precisa. Não tinha um argumento completo e escreveu-o no local, adaptando-se à realidade, explorando os acontecimentos e trabalhando com os atores. De Seta faz um filme de ficção sem, no entanto, alterar a sua prática documental. Ele reduz a história ao osso: uma investigação sobre o homem revoltado, rejeitando qualquer esteticismo e encontrando o seu próprio caminho feito de imagens arcaicas e puras. Uma balada popular que é também uma canção política impiedosa, dirigida aos últimos homens desta terra.

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16/04/2025, 18h30 | Sala Luís de Pina
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin
Un Uomo A Metà
de Vittorio De Seta
com Jacques Perrin, Lea Padovani, Gianni Garko, Ilaria Occhini
Itália, 1966 - 93 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Sessões-conferência | As intervenções de Federico Rossin serão feitas em inglês sem tradução simultânea
Michele, um jornalista, acaba de sofrer um colapso nervoso que o levou a ser hospitalizado. A partir desse momento de choque, começa a repensar a sua difícil relação com os outros... Rodado por Vittorio De Seta em 1966, de novo sem um argumento escrito, após uma crise psíquica sofrida pelo próprio, o filme é dedicado ao psicanalista junguiano Ernst Bernhard, que acompanhava o realizador desde 1958. UN UOMO A METÀ é uma espécie de longa sessão de terapia, através dos devaneios, memórias e medos de um homem psicologicamente ferido. De Seta encontra uma solução muito pessoal para descrever o processo de elaboração analítica: a estrutura do filme é construída em correspondência com a progressão do trabalho de introspeção do protagonista. Filme fundamental para o entendimento da obra de De Seta, UN UOMO A METÀ é o seu documentário sobre o mundo visto de dentro. Primeira apresentação na Cinemateca.


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17/04/2025, 17h00 | Sala Luís de Pina
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin
Diario Di Un Maestro 1-2
de Vittorio De Seta
com Bruno Cirino, Mico Cundari, Marisa Fabbri
Itália, 1973 - 145 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Sessões-conferência | As intervenções de Federico Rossin serão feitas em inglês sem tradução simultânea
Em 1971, De Seta começou a filmar DIARIO DI UN MAESTRO numa escola dos arredores de Roma, com os alunos - na sua maioria filhos de famílias de imigrantes - a fazerem de si próprios e um ator do sul de Itália, Bruno Cirino, a fazer de professor (maestro). As filmagens duraram quatro meses: as cenas foram improvisadas pelos adolescentes e pelo maestro com base numa ficção escrita dia a dia por De Seta e Francesco Tonucci, o conselheiro pedagógico. As filmagens decorreram dentro e fora da sala de aula, nos terrenos baldios circundantes e nos locais de trabalho dos alunos, alguns dos quais tinham abandonado a escola no início do filme.

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17/04/2025, 21h00 | Sala Luís de Pina
Histórias do Cinema: Vittorio De Seta / Federico Rossin
Diario Di Un Maestro 3-4
de Vittorio De Seta
com Bruno Cirino, Mico Cundari, Marisa Fabbri
Itália, 1973 - 133 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Sessões-conferência | As intervenções de Federico Rossin serão feitas em inglês sem tradução simultânea
Testemunhamos a invenção coletiva de uma escola alternativa e experimental que, seguindo os preceitos da escola nova (herdados nomeadamente de Célestin Freinet, pedagogo e reformador educativo francês), envolve a vida, a história e a cultura dos próprios alunos proletários. O filme acabado reflete o próprio processo da obra, que é uma invenção pedagógica, cinematográfica e política permanente. “A ideia fundamental”, disse De Seta, "não era fazer um filme; na realidade, fizemos uma escola e filmámo-la." Um dos maiores filmes italianos, ainda desconhecido no estrangeiro, que se exibe pela primeira vez em Portugal na sua versão completa, composta por quatro episódios de cerca de uma hora.

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