CICLO
In Memoriam José Barahona


Para o cineasta José Barahona a viagem do cinema começou (como para quase toda a sua geração) no então Conservatório de Cinema. Entre 1989 e 1992, o futuro realizador frequentou as várias aulas do curso de Cinema e recordou assim a sua experiência multidisciplinar numa crónica recente para o jornal Público (de fevereiro de 2023): “No Conservatório Nacional havia um ambiente artístico único onde aprendizes de bailarinos dançavam nos pátios e onde ouvíamos os futuros cantores a fazer escalas no andar de cima. [Nós] víamos filmes e imagens e falávamos sobre os filmes e as imagens.” Ao fim de três anos formou-se na área de som (regressaria à Escola de Cinema, já parte do Politécnico de Lisboa, em 2003, para completar a formação, licenciando-se em realização), e foi assim que iniciou o seu percurso profissional. Trabalhou como diretor ou operador de som em filmes de Margarida Cardoso, Inês de Medeiros, Júlio Alves, Fernando Vendrell, Manuel Mozos ou Rita Azevedo Gomes. No entanto, o seu propósito era outro, realizar. Nesse sentido, a influência do professor António Reis foi determinante. Na mesma crónica, Barahona recordou-o como “a figura que mais influenciou o meu percurso profissional e artístico. (…) Sempre que filmo, enquadro um plano, ou faço uma escolha cromática, parece que o tenho no ouvido atrás de mim a aconselhar-me e penso sempre no que ele me diria ou pensaria.”
 
Pouco depois do Conservatório, José Barahona estudou também na famosa Escuela Internacional de Cine y Televisión de Santo António de Los Baños, em Cuba. Num dos seus primeiros artigos publicados na imprensa portuguesa (no Jornal de Letras em setembro de 1995 – o realizador era uma figura assídua em jornais e revistas), o jovem estudante descreve a experiência dessa escola “onde a poesia e a liberdade de expressão imperam”, comparando a figura tutelar de Fernando Birri à de António Reis, “capaz de despertar paixões pela pureza cinematográfica tanto quanto pela simples relação humana (como acontecia com António Reis na Escola de Cinema), é a ele que se deve a liberdade existente (…) de pegar na câmara e nos microfones e começar a filmar.” Apesar de Barahona ter estudado também na New York Film Academy, é possível definir o seu cinema como o produto destas duas formas de entender (e ensinar) o cinema. De uma banda, o rigor lírico e significante de António Reis, por outro a pujança disponível e entusiasta de Fernando Birri. Desta combinação de opostos complementares resulta uma filmografia singular que se afirmou através da ocupação desse território intermedial e ambíguo que aproxima a ficção da prática documental – “Os meus documentários têm muita ficção lá dentro, e os meus filmes de ficção (...) muito documentário.”. Por isso, José Barahona tornou-se num dos cineastas que mais fizeram avançar o dito Novo Documentário Português que, entre o final dos anos 1990 e o início do novo milénio, se impôs como uma nova vaga estética e prática do cinema nacional.
 
O seu primeiro filme como realizador, uma média-metragem intitulada MOITA, UMA TERRA EM FESTA, foi exibido no Festival da Figueira da Foz e nos Encontros da Malaposta em 1997 – mas está, ao dia de hoje, em parte incerta. De lá até 2024 contam-se cerca duas dezenas de filmes, entre curtas, médias e longas-metragens onde se exploram diversas abordagens formais e diferentes temáticas: retratos de personalidades, filmes de arquivos, diários filmados, ficções expurgadas, sinfonias rurais, relatos especulativos, dramas sociais, encenações históricas, entre várias outras tipologias. A partir de meados dos anos 2000, o realizador passa a colaborar de forma sistemática com Carolina Dias, através da empresa de produção brasileira Refinaria Filmes. Será no Brasil, com produção de Dias, que Barahona assinará vários dos seus filmes mais recentes, desenvolvendo uma investigação em torno da história das relações coloniais entre Portugal e o Brasil (e outras ex-colónias), nomeadamente em filmes como O MANUSCRITO PERDIDO, NHEENGATU e o derradeiro SOBREVIVENTES.
 
A Cinemateca presta homenagem a José Barahona (1969-2024), após a sua precoce morte, em novembro do ano passado. Há pouco mais de um ano, em dezembro de 2023, José Barahona esteve na Cinemateca para apresentar aquela que é a sua primeira longa-metragem de ficção, ESTIVE EM LISBOA E LEMBREI DE VOCÊ. No intervalo de um ano a doença levou-o. Apresentamos agora alguns dos seus filmes organizados em duas sessões: duas curtas-metragens de ficção e duas longas-metragens documentais híbridas de pendor ensaístico. Destes diálogos propõe-se um olhar sobre a busca enquanto ferramenta narrativa e sobre a memória como reconstituição. Ambas as sessões serão acompanhadas por Carolina Dias e contarão também com a presença de amigos, colaboradores e parceiros artísticos.
 
 
03/02/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo In Memoriam José Barahona

Pastoral | Buenos Aires Hora Zero
 
04/02/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo In Memoriam José Barahona

Quem é Ricardo? | Alma Clandestina
03/02/2025, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
In Memoriam José Barahona
Pastoral | Buenos Aires Hora Zero
sessão com apresentação
PASTORAL
com João Miguel Rodrigues, Micaela Cardoso, João Lagarto
Portugal, França, 2004 – 25 min
 
BUENOS AIRES HORA ZERO
com Lorena Rochón, Bruno Gea, Mariana Rub, Manuel de “La Boca”
Portugal, Argentina, Brasil, 2004 – 69 min
filmes de José Barahona

duração total da sessão: 94 min | M/12
Um homem só. Uma mulher em fuga. Ele é mecânico de automóveis, ela atravessa estradas, campos e matas, assustada. Ele está no campo, isolado com os seus pensamentos, ela vem da cidade, temendo tudo e todos. A montagem aproxima as duas personagens, até que o destino propicia o seu encontro (e desencontro). Eis PASTORAL, a primeira curta-metragem de ficção assinada por José Barahona, depois de uma década a trabalhar como operador de som e a realizar documentários de encomenda. Uma fábula sobre a alienação contada (quase integralmente) a partir de gestos, olhares e silêncios. A sessão prossegue com BUENOS AIRES HORA ZERO, o primeiro documentário pessoal (e narrado na primeira pessoa) do realizador, onde este investiga a história de um homem que se diz descendente dos primeiros portugueses que, no século XVIII, fundaram a cidade de Colónia do Sacramento, no Uruguai. Barahona vai no encalço dessa figura misteriosa e acaba na vizinha Buenos Aires. Só que a capital argentina está em polvorosa (“é a Hora Zero”): o realizador chega a Buenos Aires pouco depois dos protestos de dezembro de 2001 que levaram à renúncia do Presidente Fernanda de la Rúa. Assim, ao sabor da descoberta, aquilo que deveria ser o retrato de um homem transforma-se no retrato caleidoscópico de uma cidade cosmopolita.

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04/02/2025, 19h30 | Sala Luís de Pina
In Memoriam José Barahona
Quem é Ricardo? | Alma Clandestina
sessão com apresentação
QUEM É RICARDO?
de José Barahona
com Augusto Portela, António Marques, Luís Mascarenhas, João Didelet, Heitor Lourenço, André Gago
Portugal, 2004 – 35 min
 
ALMA CLANDESTINA
de José Barahona
com Sara Antunes, Paulo Azevedo
Brasil, 2018 – 100 min

filmes de José Barahona

duração total da sessão: 135 min | M/12
Seis dias e seis noites sem dormir. Seis dias e seis noites de interrogatórios e espancamentos. Seis dias e seis noites nos calabouços da PIDE. E sempre uma pergunta na boca dos esbirros, “Quem é Ricardo?” A partir de um argumento original do escritor Mário de Carvalho, José Barahona filma o processo de detenção e tortura de um preso político (Augusto Portela) algures durante a década de 1970. Nem o preso nem os “agentes” têm nome, não é claro o motivo da prisão nem a organização política a que o “senhor engenheiro” pertence, esbatem-se as referências para que sobre apenas – e só – a barbárie da ditadura do Estado Novo. Por sua vez, ALMA CLANDESTINA desenvolve esta mesma investigação em torno de Maria Auxiliadora Lara Barcellos, “uma das figuras mais belas e trágicas da resistência à ditadura brasileira”. Também ela foi presa, torturada, banida e exilada – acabando por se suicidar, em 1976, numa estação de metro em Berlim. Barahona construiu um filme-ensaio sensorial sobre a luta e a história de Maria Auxiliadora, onde o teatro se cruza com os documentos, e estes com as imagens de arquivo, produzindo um retrato em forma de palimpsesto. “Este é o filme que eu devia ao Brasil, que tanto me deu e dá” (José Barahona).

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