CICLO
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício


Explicitamente concebida e anunciada como um binómio, a rubrica “Histórias do Cinema” propõe, de um lado, um investigador ou especialista em cinema; de outro, um autor ou um tema histórico abordado pelo primeiro ao longo de cinco finais de tarde e em torno de cinco filmes, cujas projeções são antecedidas e sucedidas de apresentações e conversas sobre o autor ou o tema em causa, numa sequência de encontros pensados como experiência cumulativa. Para a edição de novembro das “Histórias do Cinema” convidámos o investigador e programador Miguel Patrício, provavelmente um dos maiores especialistas de cinema japonês da atualidade, para nos falar sobre a História da ART THEATRE GUILD (sobre a qual elaborou, em 2018, a sua tese de mestrado Sístoles e Diástoles: Uma Perspetiva sobre a ART THEATRE GUILD) em cinco sessões-conferência. É dele o texto que se segue bem como as notas sobre as sessões individuais.
 
Fundada a 15 de novembro de 1961, no Japão, a ART THEATRE GUILD (ATG) iniciou a sua atividade como distribuidora de filmes estrangeiros, especialmente europeus. O objetivo inicial da companhia, associada mas não limitada ao estúdio Toho e composta por um comité de críticos influentes e profissionais do cinema, era apresentar uma seleção de cinematografias, frequentemente designadas pelo título “arte e ensaio”, ao público japonês. Numa indústria dominada pelos seis grandes estúdios (Toho, Shochiku, Daiei, Nikkatsu, Toei e Shintoho), e onde a distribuição de produções nacionais superava em mais do dobro a das estrangeiras, a exibição desses filmes em salas seletas e a disseminação das suas estéticas cinematográficas inovadoras foram fundamentais para que o Japão tivesse acesso, pela primeira vez, ao cinema de autor que se fazia noutros locais do mundo.
Logo em 1962, a ATG distribuía já um pequeno grupo de filmes japoneses, como OTOSHIANA (1962), de Hiroshi Teshigahara, ou NINGEN (1962), de Kaneto Shindo, mas a produção propriamente dita só teve início anos depois. Embora NINGEN JOHATSU (1967), de Shohei Imamura, tenha recebido financiamento após terminada a rodagem, foi O ENFORCAMENTO (1968), de Nagisa Oshima, o primeiro filme a ser planeado desde o início como uma coprodução entre a Sozosha (a produtora de Oshima) e a ART THEATRE GUILD. Este momento assinalou, aliás, o início de um regime de coprodução em que o orçamento era dividido entre as produtoras independentes dos cineastas e a ATG. Com cinco milhões de ienes de cada lado, essas produções, a partir daí chamadas de issenmanen eiga (“filmes de 10 milhões de ienes”, equivalente a cerca de 25.000 euros na época), proporcionaram uma liberdade criativa sem precedentes a uma geração que, desavinda dos estúdios ao longo dos anos 60, se afastava progressivamente das formas convencionais de fazer cinema. Por outro lado, o critério principal para um projeto ter luz verde era a sua relevância artística, algo que Kinshiro Kuzui, produtor emblemático e figura cimeira da ATG até 1978, sempre se esforçou por garantir ao longo dos seus dez anos de trabalho.
Este período é considerado um dos mais desafiadores e radicais, tanto a nível temático como formal, de todo o cinema japonês. A ATG tornou-se uma facilitadora das ambições estéticas da geração da nuberu bagu (nova vaga japonesa), representando também o último bastião do seu projeto cinematográfico - se quisermos, um último banzai, antes que este começasse a perder fôlego na segunda metade dos anos 70, mesmo tendo a ATG continuado a sua atividade como produtora ao longo da década de 80, sob outros pressupostos e com outra geração mais nova de cineastas assumindo as rédeas.
 Com um total de 75 filmes japoneses produzidos entre 1967 e 1986 e 31 distribuídos entre 1962 e 1992 - ano da silenciosa cessação de funções da mítica produtora - selecionei um conjunto de cinco filmes, com especial enfoque no período de 1968 a 1974, primeiro momento mais próspero e representativo de um estilo fortemente dialético, onde ao desenvolvimento das capacidades plásticas e centrípetas do estúdio se contrapõe a libertação centrífuga nas ruas, e vice-versa. Este capítulo da rubrica “Histórias do Cinema”, que também poderia ser cunhado de “ATG: das paredes do estúdio ao asfalto das ruas”, indaga a possibilidade de haver neste corpus uma verdadeira assinatura de produção que ultrapassa a visão de cada cineasta individual. Neste processo de exploração, pretendo redefinir a autoria como um processo sincrónico e coletivo, afetado decisivamente pelas forças e contingências da atualidade.

Miguel Patrício
 
 
25/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício

Koshikei
O Enforcamento
de Nagisa Oshima
Japão, 1968 - 118 min
 
26/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício

Shinju: Ten no Amijima
“Duplo Suicídio em Amijima”
de Masahiro Shinoda
Japão, 1969 - 103 min
27/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício

Sho o Suteyo Machi e Deyou
“Deitem Fora os Vossos Livros, Vão para as Ruas”
de Shuji Terayama
Japão, 1971 - 137 min
28/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício

Mujo
“Mujo: Esta Vida Transiente”
de Akio Jissoji
Japão, 1970 - 143 min
29/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício

Den-En Ni Shisu
“Pastoral: Morrer no Campo”
de Shuji Terayama
Japão, 1974 - 101 min
25/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício
Koshikei
O Enforcamento
de Nagisa Oshima
com Yung-Do Yun, Kei Sato, Fumio Watanabe, Hosei Komatsu, Rokko Toura, Masao Adachi, Akiko Koyama
Japão, 1968 - 118 min
legendado em português | M/16
R, um condenado à morte por violar e matar duas jovens estudantes, vê a sua execução fracassar diante de uma equipa de funcionários prisionais e legalistas. Na tentativa de salvar a honra do sistema penal japonês, os executores tentam ressuscitar o executado, descobrindo que qualquer memória do crime se desvaneceu após o enforcamento. Farsa brechtiana, quase toda rodada num único espaço, sempre moldado por uma imaginação infrene, o primeiro filme produzido inteiramente pela ART THEATRE GUILD é uma dura crítica aos resquícios imperialistas que persistem nas profundezas do japonês comum. Recorrendo a uma premissa absurda, Nagisa Oshima aproveita a concentração espacial do décor e um protagonista infra-moral para julgar os julgadores, bem como expor a discriminação étnica dos zanichi, a minoria coreana que vive no território japonês. A exibir em cópia digital.

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26/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício
Shinju: Ten no Amijima
“Duplo Suicídio em Amijima”
de Masahiro Shinoda
com Kichiemon Nakamura, Shima Iwashita, Shizue Kawarazaki, Hosei Komatsu, Jun Hamamura
Japão, 1969 - 103 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/16
Adaptação da peça homónima de Monzaemon Chikamatsu, o maior dramaturgo japonês do género bunraku, ou teatro de marionetas, "DUPLO SUICÍDIO EM AMIJIMA" narra o amor trágico e proibido entre o vendedor de papel Jihei e a cortesã Koharu, forçados a escolher o caminho da morte para resolver o complexo conflito entre dever social e desejo privado. Na esteira de O ENFORCAMENTO, esta outra produção da ART THEATRE GUILD explora as capacidades centrípetas do décor para desenvolver, de maneira modernista, o tema clássico do fatalismo passional. A esse propósito, destaca-se a presença visivelmente enfatizada dos kuroku, ajudantes vestidos de negro, essenciais ao bom desempenho no teatro bunraku, e que aqui quebram a transparência e verosimilhança fílmica em virtude de um comentário metafísico sobre a essência do mundo. Primeira apresentação na Cinemateca.

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27/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício
Sho o Suteyo Machi e Deyou
“Deitem Fora os Vossos Livros, Vão para as Ruas”
de Shuji Terayama
com Eimei Sasaki, Masahiro Saito, Yukiko Kobayashi, Keiko Niitaka, Akihiro Miwa, J.A. Seazer
Japão, 1971 - 137 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/16
Exercício de libertação da câmara nas ruas, como o próprio título sugere, a primeira longa-metragem de Shuji Terayama intersecciona as deambulações frustradas do seu jovem protagonista com o zeitgeist do Japão dos anos da contra-cultura. Manifestações subversivas, números musicais de intervenção, momentos ácidos de candid camera contribuem para o espírito de evasão geral, presente já na peça de teatro e no folhetim agitador com o mesmo nome e do mesmo autor. Segundo Terayama, é preciso abandonar a casa e a família, estruturas máximas de um conservadorismo bafiento, transformando a cidade num livro revolucionário onde fosse possível escrever nas suas margens infinitas. Também o filme assume esse registo errante, desvairado, contrariando radicalmente a concentração centrípeta de O ENFORCAMENTO e "DUPLO SUICÍDIO EM AMIJIMA", até voltar a encontrá-la no momento em que a ficção se revela insustentável. Primeira apresentação na Cinemateca.

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28/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício
Mujo
“Mujo: Esta Vida Transiente”
de Akio Jissoji
com Ryo Tamura, Michiko Tsukasa, Kotobuki Hananomoto, Eiji Okada, Haruhiko Okamura
Japão, 1970 - 143 min
legendado em português | M/16
Primeira longa-metragem de Akio Jissoji, um nome ainda injustamente desconhecido que, a despeito da grande variedade de projetos em que se envolveu (desde séries infantis de super-heróis na televisão ao cinema erótico grotesco), foi uma figura essencial no último período da nova vaga japonesa. MUJO, termo japonês que poderíamos traduzir por “impermanência”, inaugura uma trilogia especulativa e fortemente dialógica rodada para a ART THEATRE GUILD e que tem como tema partilhado a análise de questões budistas na contemporaneidade japonesa. Neste primeiro tomo, Masao, um anti-herói que parece saído de um romance de Dostoievski, vai de transgressão em transgressão para provar a um monge, seu conhecido, que o inferno é a representação máxima da vida terrena bem como a estrutura moral mais defensável. Primeira apresentação na Cinemateca. A exibir em cópia digital.

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29/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Histórias do Cinema: Art Theatre Guild /Miguel Patrício
Den-En Ni Shisu
“Pastoral: Morrer no Campo”
de Shuji Terayama
com Kantaro Suga, Hiroyuki Takano, Yoshio Harada, Isao Kimura, Keiko Niitaka, Kaoru Yachigusa
Japão, 1974 - 101 min
legendado em inglês e eletronicamente em português | M/16
Baseado na coletânea poética Den’en ni shisu, "PASTORAL: MORRER NO CAMPO" é o projeto definitivo do dramaturgo, cineasta, e poeta Shuji Terayama. Nele, entrelaçam-se diversos registos artísticos - poesia tanka, fotografia, teatro e opereta - com uma ficção pseudo autobiográfica, questionando e desconstruindo os limites da memória, das relações familiares, e do próprio cinema. Uma grande aventura interior e confessional que abre espaço para aquilo que poderíamos chamar de hipocrisia introspetiva, Terayama fecha com chave de ouro a estética dialética de contrações e distensões que a ART THEATRE GUILD desenvolveu durante mais de seis anos e que tentaremos tornar inteligível neste ciclo. Nesta exibição inédita na Cinemateca, os poemas extradiegéticos serão traduzidos, também pela primeira vez, do japonês para português. Primeira apresentação na Cinemateca.

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