CICLO
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia


Prosseguindo uma colaboração iniciada em 2011 com a Mostra Espanha, a Cinemateca associa-se ao programa "Portugal-Espanha: 50 Anos de Democracia", levada a cabo pelo Ministério da Cultura espanhol em colaboração com a Embaixada de Espanha em Lisboa. Convidado a coprogramar este Ciclo, o investigador espanhol Alberto Berzosa (que em abril deste ano tinha organizado na Filmoteca Española o Ciclo “A Constelação dos Cravos: Imaginários Revolucionários em Portugal”) assina o texto abaixo e as notas sobre as cinco sessões que o compõem.
 
Após a morte do ditador, em 1975, abriu-se um novo horizonte cinematográfico em Espanha, embora não completamente desconhecido. Em pleno regime franquista alguns realizadores já tinham dado pistas sobre como fazer filmes sem respeitar as regras da censura, seja colocando-se à margem da indústria, como o português José María Nunes em Barcelona no final dos anos sessenta, ou encontrando a chave para contornar ou passar pelos critérios da censura sem ser percebido, como fizeram Víctor Erice ou Carlos Saura, entre outros. Nem foi um cenário que mudou da noite para o dia. A censura cinematográfica só foi abolida em 1977 e, mesmo assim, não cessou por completo, como cedo aprenderam Pilar Miró e Fernando Ruíz Vergara, autores respetivamente dos banidos EL CRIME DE CUENCA (1980) e ROCÍO (1982).
Tal como as restantes liberdades alcançadas durante a transição para a democracia, as relacionadas com o cinema foram reforçadas nas décadas seguintes através do seu exercício e cuidado sistemático. Este Ciclo propõe uma abordagem ao cinema espanhol produzido em democracia em torno de conceitos, imaginários culturais, valores sociais e traumas históricos que tiveram uma presença especial na esfera pública espanhola contemporânea, organizado em cinco linhas temáticas: Modernidade à Espanhola, Reconversão Industrial, Memórias de Violência, Género e Sexualidade e Passado Colonial. Cada linha é representada por um filme.
A primeira linha, Modernidade à Espanhola, chama a atenção para a forma como o cinema tem contribuído para a fabricação dos imaginários positivos que relacionam o desenvolvimento turístico com as paisagens da modernidade. O boom económico, a abertura, o contacto com estrangeiros e o relaxamento dos costumes e da moral nacional-católica concentraram-se em locais da Costa del Sol, como Torremolinos. Mas, com a passagem dos anos 60 e 70, estas promessas de modernidade tornaram-se obsoletas, como se pode observar em EL PUENTE (1977), onde Juan Antonio Bardem oferece uma imagem taciturna e monótona dos mitos modernizadores, como pano de fundo para o percurso de aprendizagem.
Com o objetivo de se adaptar às exigências de um mundo que começava a globalizar-se, com o fim da Transição e a entrada na Comunidade Económica Europeia (1986), Espanha empreendeu uma forte reestruturação do seu sistema produtivo. Isto serviu para aprofundar a modernização industrial do país, mas ao mesmo tempo foi um rude golpe para o movimento operário, que tinha sido um dos agentes mais ativos e mobilizados contra o franquismo e durante a Transição. A linha Reconversão Industrial é sobre tudo isto, representada pelo documentário EL AÑO DEL DESCUBRIMENTO (2020), de Luis López Carrasco, que analisa o caso particular do desmantelamento do tecido industrial em Cartagena (Múrcia) em 1992.
Talvez um dos imaginários audiovisuais com maior presença no debate público desde o fim da censura em Espanha seja o da linha das Memórias da Violência, centrado fundamentalmente na memória das vítimas da Guerra Civil (1936-1939) e, em menor grau, daqueles retaliados na subsequente repressão franquista. O filme selecionado é EL SILENCIO DE OTROS (2018), de Almudena Carrecedo e Robert Bahar, que testemunha a luta, ao mesmo tempo precária e irreprimível, dos familiares dos republicanos que permanecem enterrados em valas comuns por toda a Espanha e nas pessoas condenadas pelo regime pela sua militância anti-Franco. A mobilização cidadã protagoniza também a linha Género e Sexualidade, que surge da organização social pela igualdade real entre mulheres e homens, e pela liberdade sexual e de género que se iniciou na década de 1970 e se consolidou na década de 2000 paralelamente ao desenvolvimento de políticas e de Estado. 80 EGUNEAN (2010), de José Mari Goenaga e Jon Garaño, é uma peça pioneira que, com subtileza e contenção, mostra os canais e as estradas bloqueadas por onde flui o desejo lésbico nas idosas.
Por fim, a linha que trata o passado colonial espanhol no continente africano aborda um tema que foi popular no governo de Franco, sobretudo em documentários e filmes de soldados e clérigos, mas que tinha perdido relevância nos primeiros anos da etapa democrática. Pelo menos até que vozes críticas como Cecilia Bartolomé devolveram a memória colonial ao debate público com LEJOS DE AFRICA (1996), uma ficção que encarna as memórias da adolescência da própria realizadora na Guiné Equatorial. Nos últimos anos, o interesse em rever o passado colonial espanhol em África cresceu consideravelmente, tanto no número de filmes sobre o tema como nos esforços de instituições como a Filmoteca Española para recuperar aquela trama específica do património audiovisual.
A rede de imaginários que resulta do cruzamento, sobreposição e comunicação entre estas cinco linhas temáticas, oferece um retrato aproximado da produção cinematográfica realizada em Espanha nos últimos cinquenta anos, bem como das mudanças na sociedade e dos principais desafios que os seus cidadãos têm enfrentado desde a recuperação da democracia.
Alberto Berzosa
 
 
14/11/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

El Puente
de Juan Antonio Bardem
Espanha, 1977 - 104 min
 
15/11/2024, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

80 Egunean
de José Mari Goenaga, Jon Garaño
Espanha, 2010 - 104 min
15/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

El Año del Descubrimento
de Luis López Carrasco
Espanha, Suíça, 2020 - 200 min
18/11/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Lejos de África
de Cecilia Bartolomé
Espanha, Cuba, 1996 - 115 min
19/11/2024, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

El Puente
de Juan Antonio Bardem
Espanha, 1977 - 104 min
14/11/2024, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Em colaboração com Mostra Espanha 2024
El Puente
de Juan Antonio Bardem
com Alfredo Landa, Mara Vila, Miguel Ángel Aristu
Espanha, 1977 - 104 min
legendado eletronicamente em português | M/12
com a presença de Alberto Berzosa
EL PUENTE é um roadmovie protagonizado por Juan, um mecânico madrileno que, movido pela promessa de uns dias de sol, festa, praia e mulheres estrangeiras, ao final do dia decide ir na sua mota até à Costa del Sol sem se preocupar com a longa viagem. “Faz isso pela tite”, diz a si mesmo. Ao longo do percurso, uma série de encontros levam-no a conhecer pessoas e a viver situações típicas de uma sociedade espanhola em plena mudança, contraditória e plural, alheias aos mitos franquistas sobre a modernização e o turismo. O problema do desemprego, a situação do campesinato, os excessos da burguesia, a emigração ou a contracultura fazem parte do percurso de aprendizagem do protagonista no seu caminho para a praia da democracia.

consulte a FOLHA da CINEMATECA aqui
15/11/2024, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Em colaboração com Mostra Espanha 2024
80 Egunean
de José Mari Goenaga, Jon Garaño
com Itziar Aizpuru, Mariasun Pagoaga, José Ramón Argoitia
Espanha, 2010 - 104 min
legendado eletronicamente em português | M/12
com a presença de Alberto Berzosa
80 EGUNEAN ocupa um lugar único entre a filmografia que acompanha os processos sociais e políticos em prol da libertação sexual e de género, porque se centra num lugar invulgar: o amor entre as pessoas mais velhas. O desejo das duas protagonistas, mulheres com mais de 70 anos, atravessa o filme, entre a discrição e a brincadeira, ora escondido em quintas rurais, em fotografias sépia ou nos arrependimentos de quem não ousou sair do armário, e outros em voz alta, sob a forma de risos, brindes em copos e beijos em ilhas que parecem distantes.

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15/11/2024, 18h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Em colaboração com Mostra Espanha 2024
El Año del Descubrimento
de Luis López Carrasco
Espanha, Suíça, 2020 - 200 min
legendado eletronicamente em português | M/12
com a presença de Alberto Berzosa
Em EL AÑO DEL DESCUBRIMENTO, Luis López Carrasco disseca as contradições presentes em Espanha em 1992 e identifica os seus efeitos nas gerações futuras. Nesse ano, completou-se a imagem comemorativa da Espanha moderna e democrática, que acolheu a Exposição Universal de Sevilha, os Jogos Olímpicos de Barcelona e organizou o V Centenário do Descobrimento da América. Uma outra imagem da mesma imagem mostra os resultados do processo de reconversão industrial iniciado na década de 80: encerramento de empresas, desmantelamento da mobilização laboral e transformação para sempre das condições de trabalho. No documentário, os protagonistas e as testemunhas da agitação social que este processo provocou em Cartagena (Múrcia) recordam e discutem os acontecimentos, as imagens e a sua memória.
 
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18/11/2024, 19h30 | Sala Luís de Pina
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Em colaboração com Mostra Espanha 2024
Lejos de África
de Cecilia Bartolomé
com Alicia Bogo, Xabier Elorriaga, Isabel Mestres
Espanha, Cuba, 1996 - 115 min
legendado eletronicamente em português | M/12
Em LEJOS DE ÁFRICA, Cecilia Bartolomé colocou imagens e sons na memória do colonialismo espanhol na Guiné Equatorial. Desde a independência das últimas colónias, as relações entre Espanha e África no cinema não desapareceram por completo, mas foram relegadas para meras referências contextuais não problemáticas. Bartolomé quebrou esta dinâmica neste filme, recorrendo à matéria-prima das suas memórias de infância e adolescência, para narrar a intra-história da vida colonial através da relação de duas meninas, uma negra e outra branca, com nostalgia, mas sem condescendência, e com plena consciência dos desastres que sustentam qualquer regime colonial.

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19/11/2024, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Impressões do Cinema Espanhol em Democracia

Em colaboração com Mostra Espanha 2024
El Puente
de Juan Antonio Bardem
com Alfredo Landa, Mara Vila, Miguel Ángel Aristu
Espanha, 1977 - 104 min
legendado eletronicamente em português | M/12
EL PUENTE é um roadmovie protagonizado por Juan, um mecânico madrileno que, movido pela promessa de uns dias de sol, festa, praia e mulheres estrangeiras, ao final do dia decide ir na sua mota até à Costa del Sol sem se preocupar com a longa viagem. “Faz isso pela tite”, diz a si mesmo. Ao longo do percurso, uma série de encontros levam-no a conhecer pessoas e a viver situações típicas de uma sociedade espanhola em plena mudança, contraditória e plural, alheias aos mitos franquistas sobre a modernização e o turismo. O problema do desemprego, a situação do campesinato, os excessos da burguesia, a emigração ou a contracultura fazem parte do percurso de aprendizagem do protagonista no seu caminho para a praia da democracia.

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