CICLO
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones


Em nova colaboração com o festival Queer Lisboa, cuja 28ª edição decorre em várias salas da capital entre 20 e 28 de setembro, a Cinemateca coorganiza esta retrospetiva de autor. William E. Jones veste múltiplas peles: a de artista visual, a de realizador experimental, a de escritor e a de professor universitário, entre outras. Nascido em 1962, em Canton, Ohio, Jones licenciou-se na Universidade de Yale e concluiu um mestrado em Belas-Artes no California Institute of the Arts. Tendo crescido numa comunidade de valores cristãos e mundivisão demasiado rígida, bem como marcadamente antigay, Jones recorda-se, tal como citado pelo Akron Beacon Journal, de como, na sua juventude, “ouvir música rock e ter cabelo comprido” era considerado algo de “pecaminoso”. As suas origens e diversas “identidades” convergem num corpus de trabalho coeso e centrado – mas que não se esgota – no estudo da cultura e vivência homossexual tal como representada na cultura popular, utilizando fontes de imagens respigadas do cinema, da televisão, da Internet, da pornografia, da videovigilância, fotografias tiradas de revistas e livros, entre outros materiais de arquivo. A sua área de especialização, os filmes compósitos de montagem, vulgo found footage films, articulam uma investigação antropológica sobre o universo queer, da América profunda ao antigo bloco de Leste, isto é, do autobiográfico MASSILLON (1991) até àquele que deve ser o seu título mais citado, composto por excertos de filmes porno gay realizados no antigo bloco de Leste, THE FALL OF COMMUNISM AS SEEN IN GAY PORNOGRAPHY (1998). Uma espécie de Siegfried Kracauer do cinema marginal, há qualquer coisa no corpus de Jones, mais concretamente nas suas composições ensaísticas e áudio/visuais, que deriva de um desejo de auscultar o tempo, embrenhando-se num laborioso trabalho de escavação e de indagação sociopolítica. Este processo resulta frequentemente numa escrita marcada por um grande rigor e clareza. O próprio advertiu no artigo acima citado: “Os meus filmes podem ser completamente não convencionais, mas nunca são opacos (…) Uso imagens simples e diretas, e a minha escrita é clara e concisa. Não recorro à ironia para desmentir algo; digo o que penso.”
Fã e estudioso das obras de Andy Warhol, de Fred Halsted e de Morrissey (o músico dos The Smiths que é o assunto principal de IS IT REALLY SO STRANGE?), Jones mistura, como poucos artistas do found footage, transgressão com rigor intelectual, o mesmo que lhe terá valido inúmeras distinções e bolsas académicas, entre elas, uma Guggenheim Fellowship no ano de 2011, em reconhecimento pelo seu contributo significativo para a arte e a cultura. Ao mesmo tempo, Jones tem sido objeto de diversas exposições individuais e retrospetivas em instituições de renome internacional. Se há artista simultaneamente brincalhão, virtuoso, vasto e sério, buscando o sentido profundo da sua arte no contraste entre texto – dito em over – e a tessitura de imagens “desenterradas” e ressignificadas pela montagem, é bem provável que ele responda pelo nome de William E. Jones.

A acompanhar a retrospetiva que lhe é dedicada, Jones, que colaborou ativamente no desenho deste programa, propõe também uma carta branca numa sessão de curtas experimentais de cineastas marginais tais como Dietmar Brehm, Kurt Kren e o seu estimado Fred Halsted, sobre quem escreveu um livro intitulado Halsted Plays Himself (2011). À excepção do filme deste – THE SEX GARAGE – todos os filmes da retrospetiva serão primeiras exibições na Cinemateca e apresentados em cópias digitais.
 
 
21/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones

More British Sounds | Film Montages (For Peter Roehr) | Finished
 
23/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones

Fall into Ruin | Youngstown / Steel Town | Massillon
24/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones

Killed | Shoot Don’t Shoot | Tearoom
25/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones

Discrepancy | All Male Mash Up | V.O.
26/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones

The Fall of Communism as Seen in Gay Pornography | Actual T.V. Picture | Psychic Driving | Model Workers | A Great Way of Life
21/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones
More British Sounds | Film Montages (For Peter Roehr) | Finished
Sessão com apresentação
More British Sounds
de William E. Jones
Estados Unidos, 2006 – 8 min 

Film Montages (For Peter Roehr)
de William E. Jones
Estados Unidos, 2006 – 11 min

Finished
de William E. Jones
Estados Unidos, 1997 – 75 min

duração total da projeção: 94 min
legendados eletronicamente em português | M/16

Por um processo de détournement, em MORE BRITISH SOUNDS, a mensagem política e social contida na banda sonora de BRITISH SOUNDS (1969) do Grupo Dziga Vertov, encomenda da televisão britânica feita a Jean-Luc Godard sobre as condições de vida do operariado cujo resultado acabou por ser rejeitado, ganha novos sentidos face às imagens de THE BRITISH ARE COMING (1986), de James Ryder, um filme porno gay. FILM MONTAGES (FOR PETER ROEHR) é uma obra de apropriação em homenagem ao artista pop germânico Peter Roehr, em que fragmentos – nem todos estritamente sexuais – de filmes porno homossexuais ganham um alto valor rítmico graças à arte da montagem de Jones. FINISHED é, mais do que um tributo, uma obra devotada ao ator porno Alan Lambert, cujo suicídio aos 25 anos, ato público meticulosamente planeado, comoveu e intrigou Jones, e o fez interrogar sobre a sua relação com a pornografia homossexual. Uma investigação aturada baseada numa obsessão do próprio realizador por Lambert, recorrendo grandemente a imagens pré-gravadas e a fotografias em que figura esse “messias do porno gay”.

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23/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones
Fall into Ruin | Youngstown / Steel Town | Massillon
Fall into Ruin
de William E. Jones
Estados Unidos, 2017 – 30 min

Youngstown / Steel Town
de William E. Jones
Estados Unidos, 2016 – 6 min 

Massillon
de William E. Jones
Estados Unidos, 1991 – 70 min

duração total da projeção: 106 min
legendados eletronicamente em português | M/16 

FALL INTO RUIN conta a história, com narração over e fotografias tiradas pelo próprio Jones, do enigmático e carismático Alexander Iolas, galerista que desenvolveu a sua carreira entre a Grécia e Nova Iorque, e cuja morte precoce, causada pelo vírus da Sida, acabou por fazer cair no esquecimento tanto a sua história de vida como a sua sumptuosa coleção de arte clássica e moderna: “Ele serviu como um elo humano na história da arte”, remata Jones neste riquíssimo ensaio “foto-fílmico”. YOUNGSTOWN / STEEL TOWN tira partido do dispositivo do split screen para contrapor imagens recolhidas do arquivo, presentes num documentário sobre a indústria metalúrgica em Youngstown, Ohio, com planos produzidos para o efeito nos nossos dias. Por fim, MASSILON é um regresso à comunidade onde Jones cresceu, traduzindo-se num ensaio autobiográfico formalmente magnético e de alto valor literário, com um texto dito em over, tão pessoal quanto político, que se faz acompanhar de planos com paisagens onde a presença humana está quase omissa.

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24/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones
Killed | Shoot Don’t Shoot | Tearoom
Killed
de William E. Jones
Estados Unidos, 2009 – 2 min

Shoot Don’t Shoot
de William E. Jones
Estados Unidos, 2012 – 5 min

Tearoom
de William E. Jones
Estados Unidos, 1962-2007 – 56 min

duração total da projeção: 63 min
legendados eletronicamente em português | M/16

KILLED é um foto-filme sobre o fotógrafo do New Deal Roy Emerson Stryker e de como este “matou” certas fotografias ao esburacar os negativos – um filme que, nas palavras de Jones no seu website oficial, “revelam lampejos de uma visão não oficial da América da Grande Depressão”. SHOOT DON’T SHOOT adapta um vídeo de instrução usado pela polícia para treinar o bom julgamento do agente no momento de decidir se dispara ou não. A caracterização que é feita do putativo criminoso, um homem negro com uma camisola cor-de-rosa e umas calças amarelas, contamina a experiência estética e política levada a cabo por Jones. O cineasta retoma o estudo sobre a cultura policial em TEAROOM, obra composta por imagens recolhidas pela própria polícia durante uma ação de combate a atos de atentado ao pudor no Midwest americano: “No verão de 1962, o Departamento de Polícia de Mansfield, Ohio, filmou homens numa casa de banho sob a praça principal da cidade”, narra Jones no seu website oficial, complementando: “O filme que gravaram foi usado em tribunal como prova contra os arguidos, todos considerados culpados de sodomia, que na altura implicava uma pena mínima obrigatória de um ano na penitenciária estadual”.

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25/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones
Discrepancy | All Male Mash Up | V.O.
Discrepancy
de William E. Jones
Estados Unidos, 2017 – 10 min 

All Male Mash Up
de William E. Jones
Estados Unidos, 2006 – 30 min 

V.O.
de William E. Jones
Estados Unidos, 2006 – 59 min  

duração total da projeção: 99 min
legendados eletronicamente em português | M/16

DISCREPANCY é um filme experimental que readapta o texto do letrista Isidore Isou com a voz eletrónica do software conhecido como Alexa. As imagens que acompanham o texto, compostas em mosaico e algumas desgastadas, só o acompanham no sentido em que participam da destruição geral da relação ilustrativa entre texto e imagem – autonomizar a imagem do som parece ser a proposta “repegada” por Jones. ALL MALE MASH UP é um dos mais notáveis trabalhos plásticos de Jones sobre a pornografia homossexual, capturando paisagens e pormenores dos atores em jeito de homenagem a um mundo perdido. Por fim, V.O. é uma experiência, outrossim “discrepante”, de autonomização do som em relação à imagem, com sons de filmes estrangeiros (não-americanos) associados a excertos de filmes pornográficos gay, produzindo um détournement extremamente irónico – aliás, o título sublinha a brincadeira levada a cabo com a ideia de “versão original”.


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26/09/2024, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
A Cinemateca com o Queer Lisboa: William E. Jones
The Fall of Communism as Seen in Gay Pornography | Actual T.V. Picture | Psychic Driving | Model Workers | A Great Way of Life
The Fall of Communism as Seen in Gay Pornography
de William E. Jones
Estados Unidos, 1998 – 19 min

Actual T.V. Picture
de William E. Jones
Estados Unidos, 2013 – 7 min

Psychic Driving
de William E. Jones
Estados Unidos, 2014 – 14 min

Model Workers
de William E. Jones
Estados Unidos, 2014 – 13 min

A Great Way of Life
de William E. Jones
Estados Unidos, 2015 – 7 min

duração total da projeção: 60 min
legendados eletronicamente em português | M/16

Em meados dos anos 90, William E. Jones trabalhou num clube de vídeo onde contactou pela primeira vez com filmes pornográficos produzidos no bloco de Leste europeu: “Eram produtos de uma empreitada imperialista crua (...). No momento mais desesperado, (...) a única coisa que os jovens tinham para vender era o acesso aos seus corpos”, notou Jones. Um dos filmes de montagem mais celebrados, THE FALL OF COMMUNISM AS SEEN IN GAY PORNOGRAPHY é um tratado sobre arqueologia da imagem e os tesouros escondidos na nossa História cultural.
É o filme que mais longe lançou o nome de Jones no panorama do found footage. ACTUAL T. V. PICTURE cruza imagens do Vietname a ser bombardeado pelas forças americanas com anúncios televisivos a darem conta do desenvolvimento de transístores em miniatura. PSYCHIC DRIVING recorre a imagens de experiências governamentais para o tratamento de doenças mentais utilizando drogas alucinogénias, como o LSD, e doses maciças de eletrochoques – tirando partido das falhas e degradação dos suportes vídeo, forma e fundo confundem-se. MODEL WORKERS é uma apresentação em estilo de slide show de imagens figurativas presentes em notas de diversos países. A GREAT WAY OF LIFE – título assaz irónico – é um mash-up de imagens da Guerra do Vietname justapostas com anúncios televisivos da mesma altura.
 
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