CICLO
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar


Ao organizar esta retrospetiva, acompanhada por uma carta branca ao realizador e pela publicação de um catálogo, a Cinemateca Portuguesa torna possível uma visão de conjunto de uma das obras mais vastas do cinema português, que se estende por quarenta anos e reúne, à data de hoje, mais de trinta trabalhos, entre longas e curtas-metragens.
Dez anos mais novo do que João César Monteiro (cujo primeiro filme data de 1969) e dez anos mais velho do que Pedro Costa (cujo primeiro filme data de 1989), João Botelho pertence à geração que chegou ao cinema logo a seguir ao 25 de Abril e, no seu caso pessoal, devido ao 25 de Abril. Embora cinéfilo, ao ponto de passar frugais férias em Paris para devorar filmes na Cinemateca Francesa, João Botelho não se destinava a uma carreira no cinema. Em Abril de 1974, aos vinte e cinco, ele concluía o curso de Engenharia Mecânica no Porto quando a Revolução dos Cravos causou uma revolução na sua vida. Abandonou então os estudos e abalou para Lisboa. Entrou para a Escola de Cinema, “onde ensinaram­‑nos que só havia dois cineastas dignos de interesse: Jean­‑Marie Straub e Jean­‑Luc Godard”. Desde a sua primeira longa­‑metragem, CONVERSA ACABADA (1982), sobre a correspondência entre Fernando Pessoa e Mário de Sá­‑Carneiro,  cujas opções formais são radicais e anticonvencionais, Botelho situa­‑se entre os cineastas do tempo e não do movimento, profundamente convencido de que “o como é mais importante do que o quê”, o que reflete no título deste ciclo, que foi por ele escolhido. Os anos 80, quando Manoel de Oliveira começou tardia e verdadeiramente a sua carreira, foram anos de afirmação do cinema português posterior ao 25 de Abril e também foram anos de afirmação do cinema de João Botelho, com UM ADEUS PORTUGUÊS (o primeiro filme a abordar os efeitos da guerra colonial) e TEMPOS DIFÍCEIS. A especificidade do seu cinema confirma­‑se nos anos 90, quando ele também se diversifica (TRÊS PALMEIRAS, em que a narrativa central é ladeada por narrativas menores, TRÁFICO, uma sátira cruel). Com QUEM ÉS TU?, Botelho buscou a autonomia e além de realizador foi produtor deste filme, o primeiro em que o seu cinema se associa a outras figuras da literatura portuguesa do que Fernando Pessoa, que ele abordara no seu filme de estreia. Depois de Almeida Garrett, Botelho transporá para o cinema textos de Miguel Torga, Agustina Bessa­‑Luís, Eça de Queirós, Fernão Mendes Pinto, José Saramago e Alexandre O’Neill, além de voltar à figura de Fernando Pessoa, com FILME DO DESASSOSSEGO, em que ele filma o “infilmável” Livro do Desassossego. Além destas figuras da literatura (e de incontáveis alusões à pintura), Botelho também prestou homenagem a Manoel de Oliveira, em O CINEMA, MANOEL DE OLIVEIRA E EU, filme que tem algo de um balanço das suas ideias e vivências. Longe de serem ilustrações dos livros que transpõem para o cinema, estes filmes dialogam com a literatura e a História de Portugal, em cuja descendência Botelho insere o seu cinema.
Paralelamente às suas longas­‑metragens e contrariamente à maioria dos cineastas cuja carreira atingiu uma velocidade de cruzeiro, João Botelho realizou a partir de SE A MEMÓRIA EXISTE (1999) uma série de curtas­‑metragens de teor extremamente variado: o 25 de Abril contado a uma criança, incursões ao âmago de certos espaços portugueses, um filme destinado a uma encenação teatral, um passeio pessoano por Lisboa, uma apresentação de Carminho, entre outros. Botelho observa que “uma coisa maravilhosa em Portugal, um luxo de pobres, é que se pode fazer um filme como quem escreve ou quem pinta, mas na verdade é um pouco mais caro” e a vasta e variada obra que ele construiu em quarenta anos é a prova disso. E apesar desta obra vasta e coerente nos diversos períodos que atravessou, o percurso de cineasta de João Botelho está longe de ter chegado ao fim e ele tem diversos filmes em preparação: “Eu não sei fazer filmes policiais franceses ou comédias espanholas, muito menos cinema de entretenimento americano, sei fazer cinema português. Cinema do tempo e não do movimento, da composição e do plano, da luz e das sombras”.
Além da apresentação quase integral da obra de João Botelho (os poucos filmes que ficaram de fora foram por decisão do realizador), este ciclo é completado por uma carta branca a este cineasta cinéfilo, com catorze filmes de mestres do cinema clássico e moderno que fazem parte das suas grandes admirações, realizados entre 1920 (WAY DOWN EAST, de David W. Griffith) e 1994 (JLG Par JLG, de Jean­‑Luc Godard).
Além de cineasta, João Botelho tem uma atividade paralela de gráfico e foi inclusive responsável pela concepção gráfica de três catálogos da Cinemateca (Cem Dias, Cem Filmes; Jean Renoir e Jean­‑Marie Straub/Danièle Huillet). Por este motivo, o grafismo do catálogo que a Cinemateca Portuguesa publica por ocasião deste ciclo é do próprio João Botelho.
 
 
07/09/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar

No Dia dos Meus Anos | Três Palmeiras
duração total da projeção: 132 min | M/12
 
08/09/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar

Aqui na Terra
de João Botelho
Portugal, 1993 - 110 min | M/12
09/09/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar

Quem És Tu?
de João Botelho
Portugal, 2001 - 112 min | M/12
12/09/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
Ciclo João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar

Se A Memória Existe | A Luz da Ria Formosa | Viagem ao Coração do Douro, A Terra Onde Nasci
duração total da projeção: 101 min | M/12
13/09/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar

A Mulher que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos da América
de João Botelho
Portugal, 2003 - 93 min | M/12
07/09/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar
No Dia dos Meus Anos | Três Palmeiras
duração total da projeção: 132 min | M/12
NO DIA DOS MEUS ANOS
de João Botelho
com Jessica Weiss, João Lagarto, André Costa, Madalena Rodrigues
Portugal, 1988 - 65 min

TRÊS PALMEIRAS
de João Botelho
com Teresa Roby, Pedro Hestnes, Rita Lopes Alves, Isabel de Castro, Canto e Castro
Portugal, 1994 - 67 min

NO DIA DOS MEUS ANOS faz parte de um filme em episódios, um “género” muito frequente no cinema europeu nos anos 60 e 70, tendo como tema condutor os quatro elementos. João César Monteiro ilustrou a água, Joaquim Pinto o fogo, João Mário Grilo a terra e João Botelho o ar. O realizador explica que “este não era o meu elemento preferido, teria preferido a terra, mas o ar dava-me mais luta”, o que era vantajoso para um cineasta que não gosta da facilidade. Como em outros filmes de Botelho deste período, à volta de uma história central há outras histórias, pontuadas pela presença constante do mais impalpável dos elementos, o ar. TRÊS PALMEIRAS também fez parte de um filme em episódios (os outros dois foram realizados por Edgar Pêra e Eduardo Guedes), 24 HORAS, em que cada episódio cobre um período de oito horas em Lisboa. À volta de uma história central (um casal, em que a mulher está prestes a dar à luz), Botelho mostra diversas vinhetas lisboetas em várias tonalidades cinematográficas, inclusive um trecho musical. Depois do desenlace, o filme tem um surpreendente epílogo a preto e branco.

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consulte a FOLHA DA CINEMATECA de TRÊS PALMEIRAS aqui
 
08/09/2022, 21h30 | Sala M. Félix Ribeiro
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar
Aqui na Terra
de João Botelho
com Luis Miguel Cintra, Pedro Hestnes, Isabel de Castro, Jessica Weiss, Rita Dias
Portugal, 1993 - 110 min | M/12
Duas histórias que se passam “aqui na Terra”, se bem que em lugares opostos. Uma história urbana, sobre um economista que depois da morte do pai entra “num labirinto de medos, barulhos e solidão absoluta” até encontrar “uma luz - a Luz que o faz vacilar e cair numa vertigem irremediável”. E uma história rural, algures em terras altas, onde dois jovens vivem um crime e a sua expiação. Luis Miguel Cintra é o protagonista da primeira delas, no filme do seu encontro com João Botelho. Cabe-lhe o papel do Miguel economista lisboeta de sucesso em momento depressivo com manifestações físicas alucinatórias.

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09/09/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar
Quem És Tu?
de João Botelho
com Patrícia Guerreiro, Suzana Borges, Rui Morrison, Rogério Samora
Portugal, 2001 - 112 min | M/12
Produzido pelo próprio Botelho, QUEM ÉS TU? é baseado em Frei Luís de Sousa de Almeida Garrett, precedido por um prólogo, Sonhos e Pesadelos Sebastianistas.  Inteiramente feito em espaços interiores, à exceção de um plano que evoca a batalha de Alcácer-Quibir, repleto de alusões à pintura na sua magnífica imagem em chiaroscuro, este é um filme da palavra e esta foi muito trabalhada pelos atores, porém sem a pompa de um teatro oficial. O filme revisita o mito do sebastianismo, que Botelho define como “uma abdicação da História e uma prova póstuma da nacionalidade” e o texto de Garrett o atraiu porque “nele está a ideia de Portugal, que é a única que me interessa”. QUEM ÉS TU? não é visto na Cinemateca desde o longínquo ano de 2008.

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12/09/2022, 19h30 | Sala Luís de Pina
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar
Se A Memória Existe | A Luz da Ria Formosa | Viagem ao Coração do Douro, A Terra Onde Nasci
duração total da projeção: 101 min | M/12
SE A MEMÓRIA EXISTE
de João Botelho
com Joana Botelho, Vasco Gonçalves, Otelo Saraiva de Carvalho, Vasco Lourenço
Portugal, 1999 – 22 min

A LUZ DA RIA FORMOSA
de João Botelho
Portugal, 2005 - 52 min

VIAGEM AO CORAÇÃO DO DOURO, A TERRA ONDE NASCI
de João Botelho
Portugal, 2002 - 27 min

Realizado por ocasião do 25º aniversário do 25 de Abril, SE A MEMÓRIA EXISTE aborda o tema da memória coletiva, a memória da História e o risco permanente da sua deformação e do seu desaparecimento. Cada um por sua vez, diversos Capitães de Abril contam a uma criança de sete anos “como era” Portugal antes daquela data. O tom falsamente ingénuo do filme põe cada espectador na posição da criança que não sabe aquilo que tem a obrigação de saber. Embora separados por três anos, os dois filmes-ensaio que completam a sessão formam um díptico, tendo por tema central respetivamente a luz e a pedra. Em A LUZ DA RIA FORMOSA Botelho não se limita a prestar homenagem a uma região, também evoca outra luz, a do conhecimento, através da leitura de uma carta de Séneca ao seu discípulo Lucílio, sobre a necessidade de ler e escrever. VIAGEM AO CORAÇÃO DO DOURO, A TERRA ONDE NASCI mistura lembranças da infância do realizador, impressões de viagem e textos de diversos autores que cantaram “este rio demente” e os homens que à custa de enorme trabalho fizeram ali nascer o vinho. A LUZ DA RIA FORMOSA e VIAGEM AO CORAÇÃO DO DOURO... são apresentados na Cinemateca pela primeira vez.

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13/09/2022, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
João Botelho – Os Filmes São Histórias, O Cinema é a Maneira de as Filmar
A Mulher que Acreditava Ser Presidente dos Estados Unidos da América
de João Botelho
com Alexandra Lencastre, Rita Blanco, Laura Soveral
Portugal, 2003 - 93 min | M/12
Com um elenco exclusivamente feminino, A MULHER QUE ACREDITAVA SER PRESIDENTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA forma uma espécie de díptico com TRÁFICO, na medida em que também é uma sátira filmada com cores berrantes. Mas aqui a fantasia é mais desabrida, pois, não se contentando em ser loira e devota do consumismo à americana, a protagonista, uma pequeno-burguesa lisboeta, sonha que é presidente do país mais poderoso do mundo. Botelho desenvolve com imaginação e fantasia uma fábula sobre o poder, os seus perigos e os seus ridículos, num filme que com o passar dos anos tornou-se premonitório. Primeira apresentação na Cinemateca.

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