CICLO
Double Bill


O  surrealismo que procurou a realidade do subconsciente e do sonho nos outros anos vinte, ao surgir como movimento de vanguarda artística, é uma das pontas a pegar, em julho, nas sessões duplas das matinés de sábado na Cinemateca (dois filmes, uma sessão, um bilhete). As associações são livres extravasando cada um dos cinco pares de filmes. Germaine Dulac e Alfred Hitchcock encontram-se em sublimes desencontros fantasistas (LA COQUILLE ET LE CLERGYMAN e SPELLBOUND); Pedro Almódovar e Nicholas Ray cruzam territórios de cor e dilaceração (DOLOR Y GLORIA e BIGGER THAN LIFE); Dariush Mehrjui e Howard Hawks convivem em desfeitos de química passional (HAMOUN e BRINGING UP BABY); Maya Deren e Jean-Luc Godard refletem imagens de poesia por trás de vidros translúcidos (MESHES OF THE AFTERNOON e ALPHAVILLE); Paulo Rocha e Joseph L. Mankiewicz alinham-se graças a uma visão de Jorge Silva Melo que volta a trazer o filme do primeiro dois meses depois de uma projeção “sem receita” sublinhando a intenção (VANITAS OU O OUTRO MUNDO e ALL ABOUT EVE).
 
 
02/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

La Coquille et le Clergyman | Spellbound
duração total da projeção: 150 min | M/12
 
09/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Dolor y Gloria | Bigger Than Life
duração total da projeção: 208 min | M/16
16/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Hamoon | Bringing Up Baby
duração total da projeção: 221 min | M/12
23/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Meshes of the Afternoon | Alphaville
duração total da projeção: 110 min | M/12
30/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Double Bill

Vanitas ou O Outro Mundo | All About Eve
duração total da projeção: 238 min | M/12
02/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
La Coquille et le Clergyman | Spellbound
duração total da projeção: 150 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
LA COQUILLE ET LE CLERGYMAN
de Germaine Dulac
com Alex Allin, Génica Athanasiou, Lucien Bataille
França, 1927 – 40 min / mudo, sem intertítulos

SPELLBOUND
A Casa Encantada
de Alfred Hitchcock
com Gregory Peck, Ingrid Bergman, Leo G. Carroll,John Emery, Michael Chekhov, Rhonda Fleming
Estados Unidos, 1945 – 110 min / legendado em português

O filme de Germaine Dulac tem argumento de Antonin Artaud, uma história de desentendimento entre os dois e a da ferocidade levantada na histórica estreia contra a realizadora, em 1928, no Studio des Ursulines. Hoje Dulac é descrita como uma feminista pioneira das vanguardas dos anos 1920 e LA COQUILLE ET LE CLERGYMAN (o seu filme mais célebre a par de LA SOURIANTE MADAME BEUDET, de 1923) é tido como o primeiro filme surrealista da história do cinema, um estudo sobre o ritmo que também é comum aparentar ao lirismo, ao impressionismo ou à influência do simbolismo. É um belo filme de um experimentalismo estonteante, decerto uma incursão precursora no subconsciente humano. SPELLBOUND marca o encontro de Hitchcock com Gregory Peck e Ingrid Bergman. O filme foi “acusado” de excesso de psicanálise, e foi um dos mais discutidos Hitchcock, havendo no entanto quem o defenda como aquele em que o realizador deu mais chaves sobre si próprio. Bergman é uma psicanalista, Peck é um seu paciente, que se fez passar pelo médico que é acusado de ter matado. E à volta disto, uma bela história de amor que corre paralela a uma incursão pelos labirínticos meandros da psicanálise, com uma sequência de antologia: o sonho de Gregory Peck, encenado por Salvador Dalí.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de LA COQUILLE ET LE CLERGYMAN aqui
 
consulte a FOLHA DA CINEMATECA de SPELLBOUND aqui
 
09/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Dolor y Gloria | Bigger Than Life
duração total da projeção: 208 min | M/16
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
DOLOR Y GLORIA
Dor e Glória
de Pedro Almodóvar
com Antonio Banderas, Asier Etxeandia, Leonardo Sbaraglia, Nora Navas, Julieta Serrano, Penélope Cruz
Espanha, 2019 – 113 min / legendado em português

BIGGER THAN LIFE
Atrás do Espelho
de Nicholas Ray
com James Mason, Barbara Rush, Walter Matthau, Robert F. Simon
Estados Unidos, 1956 – 95 min / legendado em português

Num filme imaginado com a biografia e os seus fantasmas, um trabalho apurado de cor e cenografia, Pedro Almodóvar volta a entregar o protagonismo a Antonio Banderas (com quem começou a trabalhar ao segundo filme, LABERINTO DE PASIONES, 1982, e que é extraordinário em DOLOR Y GLORIA), no papel de um realizador de cinema reconhecido que, vivendo uma solitária meia idade com dores crónicas mitigadas a estupefacientes, atravessa uma crise embarcada numa reflexão sobre a vida passada. Salvador lembra familiares, amigos e amantes, a infância passada numa aldeia periférica, a juventude e idade adulta em Madrid, numa narrativa que navega por tempos cronológicos e estados de consciência numa pungente viagem de reconhecimento. Em BIGGER THAN LIFE, James Mason tem um dos papéis da sua vida como professor e pai de família de uma pacata classe média cuja estabilidade entra em desagregação com a dependência de um fármaco pondo a nu uma marginalidade transtornadora. Nicholas Ray e Mason (que produziu o filme) compõem um admirável (e muito adulto) retrato de uma personagem atormentada num filme “muito maior que a vida”, em que maior é também o trabalho dado à cor, cenários, CinemaScope. DOLOR Y GLORIA é uma primeira apresentação na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de DOLOR Y GLORIA aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de BIGGER THAN LIFE aqui
 
16/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Hamoon | Bringing Up Baby
duração total da projeção: 221 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
HAMOON
de Dariush Mehrjui
com Pantea Bahram, Ezzatolah Entezami, Bita Farahi, Sedigheh Kianfar
Irão, 1989 – 120 min / legendado em inglês e eletronicamente em português

BRINGING UP BABY
Duas Feras
de Howard Hawks
com Cary Grant, Katharine Hepburn, Charlie Ruggles, May Robson, Barry Fitzgerald
Estados Unidos, 1939 – 101 min / legendado em português

Dariush Mehrjui (nascido em 1939) é um dos grandes vultos da Nova Vaga do cinema iraniano do início dos anos 1970 a cujo começo se associa GAAV (“A VACA”, 1969), o seu segundo filme, realizado após o regresso a Teerão, concluídos os estudos em cinema e filosofia na californiana UCLA. De finais dos anos 80, HAMOON é por sua vez realizado depois de uma estadia de cerca de sete anos de refúgio ao regime iraniano em Paris: retrato de um intelectual da classe média iraniana em momento de colapso quando a mulher, artista, lhe pede o divórcio anunciando uma realidade com a qual ele não sabe lidar, o filme é visto como uma representação da geração do realizador na época no pós-revolução iraniana. É também conhecido pela estrutura narrativa pontuada por flashbacks, sequências oníricas e elementos de absurdo. BRINGING UP BABY é uma das comédias mais geniais de toda a história do cinema, uma screwball de grande velocidade e acentuado sentido de absurdo, de tal maneira que Hawks chegou a considerar que falhara ao habitá-la exclusivamente de personagens sem um pingo de “normalidade”, em sintonia com a tresloucada parelha formada por Cary Grant e Katharine Hepburn, a que vem juntar-se o protagonismo do leopardo chamado Baby. O filme poderia suscitar volumes de análise, de tal maneira há sentidos escondidos por detrás das aparências. Entre: entre o osso que falta a um dinossáurio e um par de leopardos, entre uma rica herdeira e um professor aluado, o filme é uma sucessão de armadilhas e de situações burlescas. HAMOUN é uma primeira apresentação na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de HAMOON aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de BRINGING UP BABY aqui
23/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Meshes of the Afternoon | Alphaville
duração total da projeção: 110 min | M/12
a sessão decorre sem intervalo
MESHES OF THE AFTERNOON
de Maya Deren
com Maya Deren, Alexander Hammid
Estados Unidos, 1943 – 14 min / sem diálogos

ALPHAVILLE
Alphaville
de Jean-Luc Godard
com Eddie Constantine, Anna Karina, Akim Tamiroff
França, 1966 – 96 min / legendado em português

MESHES OF THE AFTERNOON, de Maya Deren (1917-61), uma das mais notáveis representantes do cinema de vanguarda americano de que foi uma das pioneiras, “está ligado às experiências interiores de um indivíduo. Não regista um acontecimento que possa ser testemunhado por outras pessoas” (Maya Deren). Em 1959, o filme que Deren interpreta com Alexander Hammid, que alguns defendem ser seu correalizador, é “ampliado” com uma banda musical de influência japonesa composta por Teiji Ito, acrescentado uma nova linhagem às referências possíveis da obra, de Cocteau e do surrealismo europeu ao film noir hollywoodiano. Homenagem ao noir, obra de ficção científica e de ficção política, ALPHAVILLE é como indica o título completo “uma estranha aventura de Lemmy Caution”. O agente secreto Lemmy Caution (protagonista de uma série do cinema francês) vai à cidade de Alphaville, onde todos os sentimentos foram abolidos e onde ninguém é capaz de perceber poesia, tentar convencer um cientista a regressar aos “planetas exteriores”. Esta parábola sobre a sociedade futura foi inteiramente filmada em cenários naturais, em Paris e arredores. Anna Karina contracena com Eddie Constantine no enredo “de aventura e amor”, “morte e mistério” que as personagens atravessam entre as malhas de uma ditadura tecnocrática.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de MESHES OF THE AFTERNOON aqui

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de ALPHAVILLE aqui

 
30/07/2022, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Double Bill
Vanitas ou O Outro Mundo | All About Eve
duração total da projeção: 238 min | M/12
entre os dois filmes há um intervalo de 20 minutos
VANITAS OU O OUTRO MUNDO
de Paulo Rocha
com Isabel Ruth, Joana Bárcia, Filipe Cochofel, Pedro Miguel Silva, João Pedro Bénard
Portugal, 2014 – 104 min

ALL ABOUT EVE
Eva
de Joseph L. Mankiewicz
com Bette Davis, Anne Baxter, George Sanders, Celeste Holm, Gary Merrill, Marilyn Monroe
Estados Unidos, 1950 – 138 min / legendado em português

Lúgubre, insano, demente, desmesurado, cheirando a incenso e óleos, crepuscular, tétrico, fantomático, desgarrado, este filme desequilibrado, rasgado, filme roto, filme nu, filme irredutível, dorido e cantável, imensa melodia da passagem decrescente dos dias, será o filme mais amaldiçoado do mais amaldiçoado dos grandes cineastas modernos, Paulo Rocha. A ele se aplica o que Duras dizia de Montgomery Clift: “Só espero que haja cada vez mais homens que tremem como ele.” De VANITAS OU O OUTRO MUNDO a “folha” da Cinemateca é de Jorge Silva Melo e lá se lê: “O que me inquieta neste filme é a ansiedade, indizível ansiedade”, ou “Raríssimas vezes o cinema nos deu este negrume, este abismo no coração gelado das personagens.” É nesse texto que JSM associa VANITAS, “All about Mila”, a ALL ABOUT EVE. O filme de Mankiewicz tem um dos mais célebres papéis de Bette Davis, numa comédia cruel sobre o arrivismo, e um dos grandes clássicos da história do cinema. Eve Harrington, jovem inexperiente e ambiciosa, insinua-se junto da famosa atriz Margo Channing e do seu grupo de amigos, tornando-se a pessoa de confiança de Margo a quem a idade não vai perdoando. Pouco a pouco, Eve encanta todos e cai nas graças de um eminente crítico (George Sanders). Usando de todas as artimanhas consegue finalmente depor Margo e ser ela a receber os louros.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA de VANITAS aqui
 
consulte a FOLHA DA CINEMATECA de ALL ABOUT EVE aqui