CICLO
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente


Esta é uma retrospetiva praticamente integral da obra de Sarah Maldoror (1929-2020), realizadora conhecida sobretudo pela dimensão mais militante do seu cinema associada às lutas contra o colonialismo, e autora de uma obra multifacetada determinante para a afirmação de uma cultura negra, que, permanecendo em grande parte invisível, assume particular relevância no contexto português pela sua ligação ao nosso passado colonial.
Filha de pai guadalupense e de mãe francesa, Sarah Ducados nasceu no sul de França e cedo adotou o pseudónimo Maldoror em homenagem a Lautréamont, o autor de Os Cantos de Maldoror. Antes de se dedicar ao cinema, cofundou em 1956 Les Griots, a primeira companhia teatral parisiense composta unicamente por atores negros, e foi no círculo da revista Présence Africaine que conheceu Mário Pinto de Andrade, poeta angolano e fundador do MPLA, com quem casaria, e o escritor Aimé Césaire, que seria determinante na sua obra.
Incentivada por Chris Marker, Maldoror estudou cinema em Moscovo no início dos anos sessenta, de onde rumou para Argel, grande palco dos movimentos de libertação em África, e aí começou a trabalhar em cinema, experimentando a assistência de realização em alguns dos títulos fundamentais de um cinema anticolonial, como LA BATTAGLIA DI ALGERI (1965), de Gillo Pontecorvo, FESTIVAL PANAFRICAN D’ALGER (1969), de William Klein (1969). Mais tarde colaboraria com Chris Marker em SANS SOLEIL (1983) e em L’HÉRITAGE DE LA CHOUETTE (1989).
Realizou duas das suas primeiras e mais conhecidas ficções no final dos anos sessenta. Adaptando obras do escritor angolano José Luandino Vieira, MONANGAMBÉE (1969) e SAMBIZANGA (1973, que apresentaremos numa cópia recém-restaurada), retratam os inícios das lutas pela libertação em Angola e denunciam abertamente a violência do sistema colonial português com uma sensibilidade invulgar. Entre elas realizou DES FUSILS POUR BANTA (1970), longa-metragem ficcional patrocinada e confiscada pelo governo revolucionário argelino, que continua desaparecida até hoje. No final da década de setenta Maldoror filmou em Cabo Verde e na Guiné-Bissau três importantes documentários que, ao retratarem um conjunto de festas e manifestações populares em que assume particular relevância o Carnaval, exploram o significado de uma identidade africana, completando assim um ciclo.
Muito próxima do poeta Aimé Césaire, a voz, a escrita e a presença de Césaire atravessam toda a obra cinematográfica de Maldoror, retratando-o em vários filmes que realizou ao longo da sua vida, a par de outros documentários que dedica a poetas (e políticos) próximos de Césaire, como Léopold Sédar Senghor e Léon G. Damas, também eles determinantes para a afirmação da Negritude, movimento político e social que desde cedo promoveu uma cultura negra associada ao anticolonialismo e ao pan-africanismo, em que o surrealismo tem um papel essencial, a que a realizadora dará expressão através do seu cinema. A artista colombiana Ana Mercedes Hoyos remata a extensa galeria de artistas das mais variadas áreas que retratou ao longo de várias décadas, como René Depestre, Wifredo Lam, Alain Séraphine, Miró ou Louis Aragon.
Dos primeiros filmes, aos muitos retratos de artistas, ou às reportagens e ficções que realizou para a televisão, deparamos com uma grande coerência de temas e de formas, uma poética política que desfaz configurações culturais cristalizadas em prol de uma liberdade de inspiração surrealista, em que critica o racismo e interroga a história da escravatura e do colonialismo, o papel das mulheres, ou as possibilidades da arte. Um cinema praticado como meio de investigação poética, que se materializa numa obra de vocação transnacional e num contínuo trabalho de resistência cultural.
A extrema raridade de vários dos filmes de Sarah Maldoror, alguns deles inéditos cujo paradeiro foi recentemente descoberto, e a nossa vontade de realizar uma retrospetiva o mais completa possível, faz com que em alguns dos casos o desejo de mostrar tais filmes secundarize a qualidade das cópias, que são as únicas existentes. Mas a importância de mostrar a sua obra de uma forma integrada justifica-o. No capítulo “Colaborações/Apropriações”, que dedicamos aos filmes em que colaborou ou que partem da sua obra, entre os títulos que queríamos mostrar e não o podemos fazer em virtude da não autorização dos detentores de direitos está o já referido LA BATTAGLIA DI ALGERI. A sua importância justifica esta nota. Com exceção de LE CIMETIÈRE DU PÈRE LACHAISE todos os filmes são exibidos em cópias digitais.
Annouchka de Andrade, filha de Sarah Maldoror, cujo contributo foi inestimável para este programa, que será o mais completo até à data alguma vez realizado, estará em Lisboa para acompanhar os primeiros dias da retrospetiva e para participar no encontro em que se discutirá a sua obra.
 
 
04/09/2021, 21h30 | Esplanada
Ciclo Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

Le Passager du Tassili
de Sarah Maldoror
França, Argélia , 1986 - 88 min
 
06/09/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

Un Senégalais en Normandie | Léon G. Damas | Eia Pour Césaire
duração total da projeção: 96 min | M/12
06/09/2021, 21h30 | Esplanada
Ciclo Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

Curtas-metragens de Sarah Maldoror
duração total da projeção: 62 min | M/12
07/09/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

Curtas-metragens de Sarah Maldoror
duração total da projeção: 77 min | M/12
07/09/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Ciclo Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

Elles | L’Héritage de la Chouette, Épisode 7: Logomachie ou Les Mots de la Tribu | Préface à des Fusils pour Banta
04/09/2021, 21h30 | Esplanada
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

A Cinemateca com o Indielisboa
Le Passager du Tassili
de Sarah Maldoror
com Lounès Tazairt, Smaïn, Anne Caudry, Anne Lipinska
França, Argélia , 1986 - 88 min
legendado eletronicamente em português | M/12
LE PASSAGER DU TASSILI parte do romance de Akli Tadjer, Les A.N.I du Tassili / “Os Argelinos não identificados do Tassili”. Omar é o seu protagonista, filho de pais argelinos que cresceu em França e que parte para umas férias na Argélia a bordo do Tassili. A questão que se coloca é mais uma vez a do desenraizamento, pois Omar visita um país que não conhece, nem conhece a sua língua. De regresso a França e na iminência de não conseguir desembarcar devido a um extravio do passaporte acusam-no de um “racismo e colonialismo ao contrário”, ao mesmo tempo que se discutem as condições dos argelinos na periferia parisiense. Uma ficção que prolonga questões centrais do cinema de Sarah Maldoror. Primeira exibição na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
06/09/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

A Cinemateca com o Indielisboa
Un Senégalais en Normandie | Léon G. Damas | Eia Pour Césaire
duração total da projeção: 96 min | M/12
UN SENÉGALAIS EN NORMANDIE
França, 1986 – 13 min / legendado eletronicamente em português
LÉON G. DAMAS
França, Guiana Francesa, 1994 – 25 min / legendado em inglês e eletronicamente em português
EIA POUR CÉSAIRE
França, Martinica, 2009 – 58 min / legendado eletronicamente em português
de Sarah Maldoror
 
Cruzam-se neste programa os três grandes poetas da Negritude: Aimé Césaire, Léopold Sédar Senghor e Léon G. Damas. Em UN SENÉGALAIS EN NORMANDIE, o poeta senegalês Léopold Sédar Senghor é evocado através dos testemunhos dos que o conheceram, dos seus poemas e das suas palavras sobre a vida e obra. LÉON G. DAMAS é um documentário sobre o escritor que, segundo o poeta e antigo presidente da República do Senegal, Léopold Sédar Senghor, foi o primeiro a “viver a Negritude”. Ou como tão bem caracteriza Césaire, “Não era um teórico, não olhava a Negritude de um ponto de vista etnográfico” (...) Ele vivia a Negritude.” Maldoror realiza uma excelente introdução à sua poesia ao aproximá-la da poesia afro-americana, muito influenciada pelo jazz e pelo blues, uma poesia espontânea feita de ritmos e repetições. Realizado já depois da morte de Aimé Césaire, em EIA POUR CÉSAIRE Maldoror visita os sítios onde viveu e regressa aos filmes anteriores sobre o escritor, que usa como arquivos para lhe realizar uma justa homenagem. Às imagens recuperadas de filmes anteriores juntam-se ainda outras imagens de arquivo e muito particularmente a música Eia pour Césaire de Denise Ducart. Primeiras exibições na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
06/09/2021, 21h30 | Esplanada
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

A Cinemateca com o Indielisboa
Curtas-metragens de Sarah Maldoror
duração total da projeção: 62 min | M/12
ANA MERCEDES HOYOS
França, Colômbia, 2008 – 13 min / legendados eletronicamente em português
LA TRIBU DU BOIS DE L’É
Reunião, 1997 – 12 min / legendados eletronicamente em português
MIRÓ
França, 1979 – 5 min / legendados eletronicamente em português
WIFREDO LAM
França, 1980 – 4 min / legendados eletronicamente em português
ALBERTO CARLISKY
França, 1980 – 4 min
VLADY
França, México, 1989 – 24 min / legendados eletronicamente em português
de Sarah Maldoror
 
Uma sessão dedicada aos vários retratos de artistas plásticos que Sarah Maldoror produziu ao longo da sua vida para diferentes contextos que, vistos no seu conjunto, revelam inúmeras afinidades. ANA MERCEDES HOYOS, um dos últimos filmes realizados por Maldoror, aborda as raízes africanas da cultura colombiana na sua relação com a escravatura, questões que estão bem expressas na obra da artista. Em LA TRIBU DU BOIS DE L’É, uma exposição de Alain Séraphine, na sua alusão à exploração e escravatura associada à cultura da cana do açúcar, dá o mote a um documentário que nos revela as rotas e os caminhos dos escravos, em contraste com o poema sobre a liberdade que dá o título ao filme. MIRÓ, WIFREDO LAM e ALBERTO CARLISKY são três curtas reportagens realizadas para a série “Aujourd’hui en France” a propósito da obra destes artistas. A primeira reporta a uma exposição de Joan Miró na Fundação Maeght, no sul de França, a segunda parte de uma exposição de Lam em Paris e revela como o pintor e escultor deu a conhecer a cultura afro-cubana na Europa, envolvendo a terceira uma entrevista com o escultor argentino Alberto Carlisky. A sessão termina com um retrato do pintor Vladimir Kibalchich Rusakov, que acompanhou o seu pai, o escritor Victor Serge, no exílio mexicano. Vlady evoca os frescos que pintou durante oito anos nas paredes da Capela San Felipe Neri, no México, que convocam a história de várias revoluções e que dedica a todos os bolcheviques condenados pelo estalinismo. Primeiras exibições na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
 
07/09/2021, 15h30 | Sala M. Félix Ribeiro
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

A Cinemateca com o Indielisboa
Curtas-metragens de Sarah Maldoror
duração total da projeção: 77 min | M/12
LE CIMETIÈRE DU PÈRE LACHAISE
França, 1978 – 7 min / legendados eletronicamente em português
ABBAYE ROYALE DE ST. DENIS
França, 1977 – 7 min / legendados eletronicamente em português
L’ARCHITECTURE D’INSPIRATION ÉTRANGÈRE À PARIS
França, 1979 – 3 min / legendados eletronicamente em português
“WIELOPOLE” MISE EN SCÈNE DU POLONAIS KANTOR
França, 1980 – 3 min / legendados eletronicamente em português
OUVERTURE DU THÉÂTRE NOIR À PARIS
França, 1980 – 6 min / legendados eletronicamente em português
RENÉ DEPESTRE, POÈTE HAÏTIEN
França, 1981 – 5 min / legendados eletronicamente em português
EMANUEL UNGARO
França, 1982 – 4 min / legendados eletronicamente em português
CLAUDEL À REIMS
França, 1984 – 5 min / legendados eletronicamente em português
TOTO BISSAINTHE
França, 1984 – 4 min / legendados eletronicamente em português
CHRISTIANE DIOP
França, 1985 – 6 min / legendados eletronicamente em português
PORTRAIT D’UNE FEMME AFRICAINE
França, 1985 – 6 min / legendados eletronicamente em português
ÉCRIVAIN PUBLIC
França, 1985 – 3 min / legendados eletronicamente em português
LA LITTÉRATURE TUNISIENNE À LA BIBLIOTHÈQUE NATIONALE
França, 1986 – 3 min / legendados eletronicamente em português
“POINT VIRGULE”
França, 1986 – 4 min / legendados eletronicamente em português
PREMIÈRE RENCONTRE INTERNATIONALE DES FEMMES NOIRES
França, 1986 – 2 min / legendados eletronicamente em português
ASSIA DJEBAR
França, 1987 – 7 min / legendados eletronicamente em português
LES OISEAUX MAINS
França, 2005 – 1 min / legendados eletronicamente em português
de Sarah Maldoror

Uma sessão inteiramente constituída por reportagens muito curtas realizadas por Sarah Maldoror entre 1977 e 1987 para séries como “Chroniques de France”, “Aujourd’hui en France” e “Le magazine de Mosaique”, a que se acrescenta um curtíssimo trabalho institucional mais recente, concebido para uma organização dedicada a combater a pobreza e a discriminação. Encontramos aqui retratos de mulheres importantes na vida e na obra de Maldoror, como Toto Bissainthe, Christiane Diop, ou Assia Djebar, ou de outras mulheres comuns como a retratada em PORTRAIT D’UNE FEMME AFRICAINE, ou o registo do PREMIÈRE RENCONTRE INTERNATIONALE DES FEMMES NOIRES, revelando o conjunto o papel que o cinema de Maldoror atribui às mulheres. A par destes retratos, a arquitetura (ABBAYE ROYALE DE ST. DENIS, L’ARCHITECTURE D’INSPIRATION ÉTRANGÈRE À PARIS), o teatro (“WIELOPOLE” MISE EN SCÈNE DU POLONAIS KANTOR, OUVERTURE DU THÉÂTRE NOIR À PARIS, CLAUDEL À REIMS), e a literatura (LE CIMETIÈRE DU PÈRE LACHAISE, RENÉ DEPESTRE, POÈTE HAÏTIEN, LA LITTÉRATURE TUNISIENNE À LA BIBLIOTHÈQUE NATIONALE) ocupam um papel central nestes “mosaicos” e revelam as questões centrais que atravessam a obra de Sarah Maldoror. Primeiras exibições na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui
07/09/2021, 19h00 | Sala M. Félix Ribeiro
Sarah Maldoror, a Poesia da Imagem Resistente

A Cinemateca com o Indielisboa
Elles | L’Héritage de la Chouette, Épisode 7: Logomachie ou Les Mots de la Tribu | Préface à des Fusils pour Banta
duração total da projeção: 76 min | M/12
ELLES
de Ahmed Lallem
Argélia, França, 1966 – 22 min  / legendado eletronicamente em português
L’HÉRITAGE DE LA CHOUETTE, ÉPISODE 7: LOGOMACHIE OU LES MOTS DE LA TRIBU
de Chris Marker
França, 1989 – 26 min
PRÉFACE À DES FUSILS POUR BANTA
de Mathieu Kleyebe Abonnenc
Guiana Francesa, 2011 – 28 min / legendado em inglês e eletronicamente em português

ELLES é mais um filme em que Sarah Maldoror participou como assistente de realização. Dirigida pelo argelino Ahmed Lallem, versa sobre a condição feminina quatro anos depois da Independência da Argélia. Raparigas do liceu falam sobre as suas vidas e sobre o futuro do seu país. O filme de Chris Marker faz parte de uma série de treze episódios sobre o legado da Grécia antiga no mundo e contou com a colaboração de Maldoror, que com ele havia já trabalhado em SANS SOLEIL. Este episódio, que também tem imagens filmadas em Cabo Verde, é dedicado ao logos e à transmissão do conhecimento. Se os dois primeiros filmes da sessão pertencem ao domínio das “colaborações”, PRÉFACE À DES FUSILS POUR BANTA reporta ao das “apropriações”, anunciando o muito trabalho que foi e está a ser feito em torno da obra da cineasta. Mathieu Kleyebe Abonnenc interroga aqui DES FUSILS POUR BANTA, filme realizado por Maldoror em 1970 e dado como perdido, partindo de alguns dos seus materiais como as fotografias da autoria de Suzanne Lipinska. Primeiras exibições na Cinemateca.

consulte a FOLHA DA CINEMATECA aqui